Acórdão nº 291/12.4TTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução26 de Novembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA instaurou contra BB, LDA, a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, pedindo que: - Seja a Ré condenada a reconhecer que o Autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno e, em consequência, condenada a pagar ao Autor o valor de € 18.148,50, a título de subsídios de turno devidos desde maio de 2004 até 9 de março de 2012, bem como todas as quantias vincendas devidas a este título; - Seja a Ré condenada a reconhecer que a sanção aplicada ao Autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 ou, a não se entender assim, e sem conceder, a repor no salário do Autor a quantia que foi ilicitamente descontada, no valor de € 1.100,00.

Invocou, como fundamento da sua pretensão, que a partir de maio de 2004, inclusive, a Ré, unilateralmente, deixou de pagar ao Autor o subsídio de turno, contrariamente ao estipulado pelo CCT aplicável e que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do trabalho, com perda de retribuição e antiguidade, pelo período de 30 dias, sanção que considera abusiva.

A ação prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de que integra o seguinte dispositivo: «Pelo exposto o Tribunal decide o seguinte: a) condenar a ré a reconhecer que o autor pratica um horário de trabalho por turnos, sendo-lhe devido subsídio de turno b) e, em consequência, condenada a pagar ao autor, a esse título, o montante relativo à proporção de 15% sobre a remuneração base devida em cada ano desde maio de 2004 até efetivo cumprimento, devido 14 vezes ao ano; c) condenar a ré a reconhecer que a sanção aplicada ao autor foi abusiva e, em consequência, condenada a pagar-lhe a correspondente indemnização, no valor de € 11.100,00 d) tido acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Custas pela ré.

Valor da ação: € 30.000,01.» Inconformada com esta decisão a Ré BB, LDA, apelou da mesma para o Tribunal da Relação de Coimbra, suscitando, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto dada como provada e apresentando o recurso, na extensão do prazo prevista no n.º 5 do artigo 638.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não apreciou devidamente as provas produzidas em sede de julgamento, verificando-se erro na apreciação das provas; 2. Os concretos meios probatórios, nomeadamente a prova por confissão e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunham decisão diversa da recorrida; 3. A prova documental constante dos autos impunha igualmente decisão distinta da recorrida; 4. Face ao depoimento das testemunhas CC, DD, EE e FF, devia ter dado como provados os seguintes factos: a. o Recorrido não acordou individualmente o horário de trabalho com a Recorrente; b. o Recorrido não aceita as ordens da Ré, no sentido de praticar o seguinte horário de trabalho: entrada às 08h15 e saída às 17h15, com intervalo de uma hora, para almoço, das 12h45 às 13h45; c. o facto de ter sido proposto ao Recorrido exercer funções na programação, não implica uma modificação substancial na sua posição, quer porque, enquanto operador de máquinas CNC também programa, quer porque era o trabalhador mais experiente na programação; d. o Recorrido aceitou exercer funções na programação, apenas não aceitando a alteração do horário de trabalho; 5. Face ao depoimento das testemunhas, não deviam ter sido considerados provados os factos constantes na douta sentença sob as alíneas A, E, F, L, M, N, O, G, I, J, P, Q, R, S, T, U, V, W, Y, ZZ, AA, BB e CC; 6. Os concretos pontos de facto a que alude em 4) e 5) das presentes Conclusões, foram, assim, incorretamente julgados; 7. A douta sentença viola igualmente a lei, designadamente os artigos 217.º, n.º 1, 334.º, 342.º e ss. e 376.º, todos do Código Civil; e os artigos 98.º, 128.º, 217.º, 328.º, 331.º e 337.º, todos do Código do Trabalho; 8. O Recorrido não acordou individualmente um horário com a Recorrente, aliás, como decorre da documentação junta aos autos, designadamente do contrato de trabalho, do depoimento das testemunhas e do depoimento de parte do Recorrido; 9. O contrato de trabalho celebrado com o Recorrido não refere qualquer horário de trabalho. Sendo que o contrato de trabalho constitui um documento particular - não impugnado pelas partes -, com força probatória plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do disposto no artigo 376.º do Código Civil.

  1. Efetivamente, o Recorrido confessou que no dia em que iniciou funções (7 de setembro de 1993) lhe foi proposto pelo gerente da Recorrente que o seu horário fosse praticado entre as 8h15 e as 17h15 - o que acordou, tendo tudo sido tratado verbalmente.

  2. Ainda de acordo com o depoimento de parte do Recorrido, este confessou que, no início do contrato de trabalho, praticou o referido horário das 8h15 às 17h15.

  3. Pelo que podemos entender que a haver um horário de trabalho individualmente acordado, então, foi precisamente aquele que o Recorrido se recusa a cumprir: das 8h15 às 17h15.

  4. Durante a vigência do contrato de trabalho, o Recorrido sempre praticou vários horários de trabalho.

  5. É também o próprio Recorrido que o confessa, quer aquando da sua inquirição em sede de processo disciplinar junto a estes autos, quer em sede de depoimento de parte.

  6. Ainda que se considerasse haver um horário de trabalho individualmente acordado – o que só por mera hipótese de raciocínio se admite – sempre se dirá que o facto de terem sido praticados vários horários de trabalho na vigência da relação laboral revogaria tacitamente tal acordo.

  7. Estaríamos, então, perante a revogação tácita do acordo de horário de trabalho, nos termos previstos no artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil 17. Para que considerasse existir um horário de trabalho individualmente acordado, era necessário que o Recorrido tivesse alegado e provado, que apenas celebrou o contrato de trabalho pelo facto de ter acordado um determinado horário de trabalho – o que não fez.

  8. O Recorrido não alegou e, muito menos, provou a essencialidade para si, aquando da celebração do contrato de trabalho, do acordo de um determinado horário.

  9. Pelo que atua com manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. Vide artigo 334.º do Código Civil.

  10. Ao ter decidido como decidiu a Meritíssima Juiz violou as regras gerais respeitantes ao ónus da prova, designadamente as previstas nos artigos 342.º e ss. do Código Civil.

  11. Não havendo um horário de trabalho individualmente acordado, a Recorrente podia alterar validamente o horário de trabalho do Recorrido, sendo inaplicável o n.º 2 do artigo 217.º do Código do Trabalho.

  12. Não faz sentido que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo considere que tal alteração de funções implica modificação substancial do trabalhador, já que é o próprio trabalhador que a aceita e di-lo de forma expressa, seja em sede de depoimento de parte, seja em sede de declarações proferidas no processo disciplinar.

  13. O trabalhador só não aceita a alteração de horário.

  14. O Recorrido desobedeceu, e desobedece, às ordens da Recorrente, designadamente às referentes à alteração do seu horário de trabalho; 25. O Recorrido violou – e viola - os deveres legal e contratualmente impostos ao trabalhador, nomeadamente dos seguintes: dever de “respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho (…) com urbanidade e probidade”, previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade”, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “realizar o trabalho com zelo e diligência”, previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho; dever de “cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina no trabalho (…)”, previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 128.º do Código de Trabalho; 26. O processo disciplinar instaurado contra o Recorrido, bem como a sanção nele aplicada, é lícito; 27. A sanção não é abusiva; 28. Pelo que os créditos constituídos no âmbito do contrato de trabalho que vigorou entre 15 de setembro de 1993 e 19 de dezembro de 1999, caso existissem - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite - estariam extintos, por prescrição, por força do estatuído no artigo 337.º do CT; 29. Não é devida qualquer quantia a título de subsídio de turno.» Na resposta às alegações da recorrente, o recorrido, a fls. 451 e ss., suscitou a questão da rejeição do recurso, invocando o incumprimento das exigências decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, no que se refere ao recurso em matéria de facto, questão prévia a que o recorrente respondeu, conforme se alcança de fls. 462 e 463.

Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, foi suscitada a questão prévia da intempestividade do recurso - despacho de fls. 478 -, tendo-se aberto o contraditório sobre essa questão.

Por acórdão de 21 de maio de 2015, foi decidido «rejeitar o requerimento de interposição da apelação, por extemporâneo».

Irresignada com esta decisão veio a Ré, louvando-se do disposto nos artigos 641.º, n.º 6 e 643.º do Código de Processo Civil, reclamar, tendo apresentado as seguintes conclusões: «1. O recurso de apelação deve ser admitido, porquanto a Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impende previsto no artigo 640.° do CPC; 2. Analisando a alegação da Recorrente conclui-se que esta cumpriu o ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, desde logo, porque indicou de forma clara os concretos pontos da matéria de facto que considerou incorretamente julgados. E fê-lo, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, dando cumprimento ao disposto no artigo 640.°, n.º 1, alínea a) do CPC; 3. A Recorrente, em obediência ao que...

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