Acórdão nº 134/14.4TBCBC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº 134/14.4TBCBC-G1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO A Caixa AA, S.A.

, com sede na … …, …, Lisboa, nos termos do nº 1 do art. 38.º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, requereu no Tribunal Judicial da Comarca de Cabeceiras de Basto que fosse conferida executoriedade à sentença do Tribunal de Instância de Pontoise, França, de 3/04/2007, que condenou BB, residente na Rua do …, …, …, a pagar-lhe as quantias de 10.586,18€, acrescida dos juros convencionais à taxa anual de 6%, a contar de 17/10/2005, e 10,00€, a título de indemnização legal, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença.

Pela decisão de fls. 27/28, a sentença do tribunal francês foi declarada executória.

O requerido BB recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, com êxito, porquanto este Tribunal, no seu Acórdão de 27/10/14, revogou essa decisão, decidindo recusar a declaração de executoriedade da sentença proferida pelo tribunal francês.

Foi a vez da requerente CAA pedir revista, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido em 28 de Outubro de 2014 que julgou procedente a Apelação interposta pelo Requerido BB e, consequentemente decidiu recusar a declaração de executoriedade da sentença estrangeira apresentada pela Requerente "Caixa AA, S.A.".

  1. Entendeu o Douto Tribunal a quo que no caso sub judice se verificam os. fundamentos referidos nos n,ºs 1 e 2 do artigo 34.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 para a recusa da declaração de executoriedade da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal da comarca de Pontoise, em França com fundamento numa inobservância dos princípios do contraditório e da igualdade de partes.

  2. Salvo melhor entendimento, a Requerente Caixa AA, S.A. não pode concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual vai totalmente ao desencontro dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento (CE) n.º 44/2001, designadamente, do princípio da confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade Europeia (pontos 16 e 17 do Regulamento (CE) n." 44/2001).

  3. A Requerente Caixa AA, S.A. intentou uma ação de reconhecimento e execução de sentença estrangeira contra BB proferida pelo Tribunal da Comarca de Pontoise, em França, onde a Requerente lhe moveu uma ação declarativa de condenação da quantia de € 10.586,18, acrescida dos juros convencionais à taxa anual de 6% a contar de 17/10/2005, e € 10, a título de indemnização legal, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença. Para tanto, juntou cópia traduzida, com tradução certificada, da referida sentença estrangeira; de certidão comprovativa de não ter sido interposto recurso daquela sentença; do certificado de que a decisão tem força executiva no Estado-Membro de origem - França; e de uma certidão relativa à notificação da sentença.

  4. O Requerido BB invocou em sede de recurso de apelação a sua falta de citação e da contrariedade com a ordem pública pelo facto de não ter sido citado pelo Tribunal de Pontoise, impedindo-o de exercer a sua defesa naquele processo. Para tanto, o Requerido BB alegou circunstâncias factuais que se desconhecem (e não estão as mesmas provadas, nem sequer alegadas), pelo que não podem as mesmas ser objeto do presente recurso para efeitos de recusa da declaração de executoriedade, designadamente se “o recorrente foi emigrante em França, mas no ano de 2003 voltou para Portugal ”.

  5. A declaração de executoriedade pode ser revogada nos termos e com os fundamentos previstos nos artigos 34.º e 35.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 16 de Janeiro, designadamente quando o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado Membro requerido ou quando o acto de iniciou a instância não tiver sido comunicado ou notificado ao requerido revel, a menos que o Requerido não tenha interposto recurso contra a decisão, embora tendo possibilidade de o fazer.

  6. Em sede de contra-alegações para o Tribunal a quo, a Requerente Caixa AA, S.A. teve oportunidade de alegar o seu desconhecimento quanto ao momento e às razões que levaram o Requerido BB ao seu regresso a Portugal, uma vez que nunca lhe foi comunicada qualquer mudança de residência.

  7. Da decisão estrangeira junta aos presentes autos resulta que no dia 14 de Junho de 2003, o Requerido BB obteve em França da Requerente Caixa AA, S.A. uma abertura de crédito no montante de € 15.000,00.

  8. O endereço conhecido e declarado pela Requerente Caixa AA, S.A. na referida ação estrangeira foi a morada francesa …, … (conforme resulta da sentença junta aos presentes autos), certamente a única morada por si conhecida e a indicada pelo próprio Requerido BB aquando da abertura de crédito realizada em 14 de Junho de 2003. O Requerido BB nunca invocou ou alegou que aquela morada não era sua ou que nunca lá residiu.

  9. Se, porventura - uma vez que somente foi alegado e não provado - o Requerido BB partiu de França - em data que se desconhece - e sem deixar qualquer outro endereço, a Recorrida Caixa AA, S.A. não pode ver prejudicados os seus direitos em ver ressarcida a quantia mutuada.

  10. O Douto Tribunal a quo invoca que “não constando dos autos o teor das cláusulas contratuais do mútuo, que o Apelante e a Requerente celebraram, também se não pode extrair daquela asserção que nelas se haja incluído a escolha do domicilio, por forma a vincular contratualmente o Apelante à morada constante do contrato, com a inerente obrigação de comunicar à Requerente qualquer alteração na sua residência.”.

  11. Se a morada indicada pelo próprio Requerido aquando da contratação em 2003 é a única morada conhecida pela Requerente, de que forma é que esta última consegue apurar o efetivo domicílio do Requerido? l3. Estando no campo de matéria de facto não compete ao Tribunal a quo apurar ou retirar quaisquer conclusões, partindo do seu desconhecimento da matéria de facto.

  12. Com o Regulamento (CE) n.º 44/2001 foi criado um instrumento normativo de direito comunitário que permitiu a unificação, no âmbito da sua aplicação, das normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem assim como a simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e execução, rápidos e simples, das decisões proferidas sobre essas matérias nos Estados-membros.

    É a confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade que exige uma eficácia e rapidez do procedimento para tomar executória num Estado Membro uma decisão proferida noutro Estado Membro: “Para se alcançar este desiderato a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua própria iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para um decisão não ser executada.

    ” - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Janeiro de 2009.

  13. Entre as jurisdições dos vários Estados Membros existe uma recíproca confiança na administração da justiça e na aplicação dos seus principais princípios, designadamente do contraditório. “Quando uma decisão estrangeira é acompanhada da certidão, o juiz chamado a pronunciar-se sobre o pedido de execução deve limitar-se, tendo em conta designadamente o principio da confiança recíproca na justiça, enunciado no décimo sexto e décimo sétimo considerandos do referido regulamento, a fazer referencia às informações que figuram nessa certidão no que respeita à notificação do requerido, sem exigir outras provas” - Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 e Setembro de 2012- processo n." C-619/10.

  14. Com a certidão da sentença junta aos presentes autos é possível aferir que o Requerido BB foi considerado notificado a 14 de Junho de 2007 na morada indicada pela Requerente Caixa AA, S.A.

  15. Não compete ao Tribunal do Estado Membro requerido aferir se a morada indicada pela Requerente é a morada contratual indicada pelo Requerido, uma vez que estamos no campo da matéria de facto, cuja análise compete unicamente ao Tribunal do Estado Membro de origem, tendo por base o principio de confiança recíproca na justiça: “Na sequência da apresentação desse pedido, como resulta do artigo 41.º a do Regulamento n.º 44/2001, as autoridades do Estado Membro requerido devem, numa primeira fase do processo, limitar-se a controlar o cumprimento destas formalidades para efeitos da emissão da declaração de executoriedade dessa decisão. Consequentemente, neste procedimento, não podem efetuar nenhuma análise dos elementos de factos e de direito do litigio dirimido pela decisão cuja execução é requerida.” - Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2012 - processo n.º C-619/10.

  16. O Tribunal a quo não pode fazer nenhuma análise quanto aos elementos de facto relativos à morada contratual estipulada ou fornecida pelo Requerido, bem assim como quanto ao facto de o Requerido ser um emigrante português em França que regressou a Portugal em data que nem sequer se apurou, uma vez que essa análise dos elementos de facto não compete ao Tribunal do Estado Membro Requerido, mas tão somente ao Tribunal do Estado Membro de origem que, neste caso, é o Tribunal de Comarca de Ponioise.

  17. Se o Tribunal a quo pressupõe que o Requerido regressou a Portugal antes de lhe ter sido instaurada a ação estrangeira em causa, por meras alegações em sede de recurso de apelação, não se compreende, a razão pela qual o Tribunal a quo não pressupõe igualmente que a morada contratual do Requerido foi a morada indicada pela Requerente e que a mesma não teve conhecimento da mudança de residência do Requerido. Paralelamente, se nos autos não consta o teor das cláusulas contratuais do mútuo outorgado, também dos presentes autos não consta que o Executado regressou a Portugal antes de lhe ter sido instaurada a decisão estrangeira.

  18. O Tribunal a quo faz fé das alegações proferidas pelo Requerido em sede de recurso de que terá regressado a Portugal...

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