Acórdão nº 109/13.0TBMLD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução02 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA e BB propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “CC Seguros - …, SA”, todos, suficientemente, identificados, pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a reconhecer a nulidade da cláusula 2.4.1.15 da apólice de seguro contratado entre os autores e o réu, que exclui o pagamento do capital segurado, caso o sinistro seja devido a doenças psiquiátricas, de qualquer natureza, de que a pessoa segura seja titular [I], a pagar a indemnização/capital em dívida, relativo à apólice de seguro de vida, no valor de €87.477,53 [II], a indemnizar os autores, por danos não patrimoniais, no valor de €5.000,00 [III], a pagar a quantia de €4.870,08, a título de indemnização correspondente ao valor que os autores despenderam, desde a data da verificação da invalidez do autor, até à presente data [IV] e a pagar os juros, à taxa legal, sobre a quantia peticionada [V].

Como fundamento da sua pretensão, os autores alegam, em síntese, que, em 13 de Novembro de 2009, subscreveram com o réu um contrato de seguro de vida, por ocasião da celebração de um contrato de mútuo com hipoteca, sendo certo que não lhes foi prestada qualquer informação sobre as condições gerais e especiais, nomeadamente, relativas ao âmbito da cobertura dos riscos da apólice, ou seja, sobre as cláusulas de limitação e exclusão da mesma, para além da obrigatoriedade da subscrição de um seguro de vida que tivesse a ré como beneficiária, cobrindo os riscos de morte e invalidez, absoluta e definitiva, ou outros riscos, por acidente e/ou doença.

Porém, tendo sido diagnosticado ao autor, em 15 de Fevereiro de 2011, a doença de perturbação bipolar, a Junta Superior de Saúde deliberou, em 23 de Fevereiro de 2012, que o autor se encontrava incapaz para todo o serviço da GNR.

Interpelado o réu para que garantisse o pagamento integral do capital em dívida, este comunicou-lhe que a doença psiquiátrica evidenciada e de que padecia se encontrava excluída do âmbito da cobertura da apólice, o que excede, manifestamente, segundo os autores, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e, sobretudo, pelo fim social e económico do direito.

Na contestação, o réu alega, em suma, que a doença do autor é uma doença psiquiátrica, pelo que se encontra excluída do contrato de seguro firmado, o que é do conhecimento dos autores, bem como as demais cláusulas, pois que, antes da subscrição da proposta, foram-lhes entregues a informação pré-contratual, as condições gerais e as condições especiais, sendo que a cláusula que exclui do âmbito das coberturas os sinistros decorrentes de doenças psiquiátricas, encontra-se vertida, tanto na informação pré-contratual, como nas condições especiais, cujo teor lhes foi comunicado e que os autores assinaram, em dois locais distintos, a que acresce que o autor, antes da celebração do contrato, já sabia que a referida doença o afectava, tendo omitido tal informação, razão pela qual sempre o sinistro estaria fora do âmbito de cobertura do seguro.

Na réplica, os autores impugnam os factos excetivos alegados pelo réu.

A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente e, em consequência, absolveu o réu dos pedidos contra si formulados pelos autores.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação “na procedência do recurso, mantido a absolvição no que concerne aos danos não patrimoniais pelos autores peticionados, condenando a ré a pagar a indemnização/capital em dívida relativa à apólice de seguro de vida no valor de 87.477,53 € e a pagar aos autores 4.870,08 €, valor que os autores despenderam desde a data da verificação da invalidez do autor, acrescida de juros, à taxa legal”.

Do acórdão da Relação do Porto, o réu interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e absolvição, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem: 1ª – O Tribunal recorrido alterou a resposta aos pontos 17 e 18 da matéria de facto, dando-os como não provados.

  1. - Julgou assim não provado que "os autores, previamente à subscrição da proposta de fls. 80 a 85 junta aos autos, tomaram conhecimento da informação pré-contratual (para a cobertura obrigatória: "invalidez total e permanente", excluem-se indemnizações decorrentes de: (...) doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a pessoa segura seja portadora", e da cláusula 2.4.1 .15. das condições especiais com o mesmo teor, do alcance das mesmas tendo sido esclarecidos.".

  2. - O douto acórdão recorrido decidiu ainda pela exclusão da cláusula 2.4.1.15 das condições especiais que excluía das coberturas as doenças psiquiátricas, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8o da LCCG.

  3. - O recorrido não alegou nem consequentemente provou que se encontrava total e definitivamente incapaz para o exercício de qualquer outra atividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades, bem como que seja portador de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.

  4. - O que se impunha, face ao que resulta da página 2 da apólice individual (doc. 6 da contestação e doc. 5 da contestação - condições especiais) e do facto provado n° 19 - "Para efeitos desde seguro complementar, entende-se por Invalidez Total e Permanente quando, consequência de doença ou acidente, a coberto das garantias do contrato, e no decurso de um período máximo de trezentos e sessenta dias que se lhe seguirem, em que a pessoa segura, cumulativamente: a) se encontre total e definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão ou qualquer outra actividade compatível com os seus conhecimentos e capacidades; b) seja portadora de uma incapacidade funcional permanente de grau igual ou superior a 66%, tal como definida pela Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil em vigor".

  5. - Com efeito, só ficou provado que o Recorrido se encontra incapaz para todo o serviço da GNR, tendo sido declarado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções.

  6. - Assim, a exclusão da cláusula que excluía da cobertura da invalidez total e permanente as doenças psiquiátricas, por incumprimento do dever de comunicação e informação pela Recorrente, não é suscetível de determinar a sua condenação no pagamento de indemnização peticionada, pois que não estão provados os pressupostos cumulativos da cobertura de invalidez total e permanente tal como definidos no facto provado n° 19.

  7. - Foi dado como não provado que "B. A doença de que padece o A. apenas lhe foi diagnosticada em 15 de fevereiro de 2011n, tendo apenas sido provado que o mesmo padece de doença bipolar (facto provado nº 6).

  8. - A propósito dos factos não provados, explanou o tribunal de 1a instância que "a verdade é que em relação à data em que foi diagnosticada ao A. marido a doença de que padece, a prova resumiu-se às declarações do médico psiquiatra que o acompanhou, DD, que referiu que diagnosticou ao A. tal doença em 29 de junho de 2010, mas por ter sido nesta altura que pelo mesmo foi consultado, pois que o A. já vinha de outro colega psiquiatra e até medicado, a que acresce que em sede de informação clínica, nomeadamente de fls. 196, resulta que o A. já há cerca de pelo menos um ano que teria sintomas.".

  9. - Esta remissão para um ano atrás, reporta-se a data aproximada a junho de 2009, data anterior à subscrição do seguro. Sendo ainda de referenciar que, o psiquiatra que acompanhava o Autor anteriormente ao psiquiatra DD, invocou o sigilo para não depor e os Autores não autorizaram o levantamento do mesmo.

  10. - Competia aos Recorridos demonstrar que o sinistro ocorreu na vigência do contrato de seguro, o que não lograram fazer, e portanto, também por esta via, a Recorrente não podia ser condenada a cobrir um sinistro cuja verificação não ficou provado ter ocorrido em plena vigência do contrato.

  11. - O acórdão recorrido considerou que a cláusula que exclui as doenças psiquiátricas do âmbito da cobertura da invalidez total e permanente é uma cláusula surpresa, por fugir à lógica contratual ditada pelos interesses que justificam a efetivação do seguro e por figurar em local pouco explícito do contrato, surgindo num contexto em que passa despercebida a qualquer segurado, devendo ser excluída do contrato nos termos do artigo 8o, alínea c) da LCCG.

  12. - A alínea c) do artigo 8o da LCCG refere-se a cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contraente normal, colocado na posição do contraente real.

  13. - A cláusula que exclui as doenças psiquiátricas encontra-se prevista na informação pré-contratual (doc. 3 da contestação) no ponto "4.

    EXCLUSÕES E LIMITAÇÕES DE COBERTURA", que está imediatamente após o ponto "3.

    GARANTIAS/COBERTURAS".

    Dentro do ponto "4.

    EXCLUSÕES E LIMITAÇÕES DE COBERTURA", consta o ponto "4.2.

    Exclusões específicas", e no ponto "4.4.4. Para a cobertura complementar obrigatória: "Invalidez Total e Permanente" (...) excluem-se indemnizações decorrentes de:", prevendo o subponto "4.2.2.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora”.

  14. - Por sua vez, nas condições especiais do contrato (doc. 5 da contestação), consta o ponto "2.

    COBERTURA COMPLEMENTAR INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA OU ACIDENTE', que contém o ponto "2.4.

    Riscos excluídos", e "2.4.1. A Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, por este seguro complementar, caso o sinistro seja devido a:", "2.4.1.15. Doenças psiquiátricas (de qualquer natureza) de que a Pessoa Segura seja portadora".

  15. - Da própria apólice individual (doc. 6 da contestação), consta "Exclusões das Coberturas", e segue-se um tópico para a cobertura principal "morte" e de seguida "Para a cobertura complementar obrigatória de...

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