Acórdão nº 26118/10.3T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2015

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução25 de Junho de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista nº26118/10.3T2SNT.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., nº …, …, ...

, instaurou a presente acção com processo ordinário contra BB, residente na Rua ..., nº …, ...º andar, ..., pedindo que se reconheça o autor como único herdeiro de CC, e, consequentemente, único proprietário das quantias depositadas na conta bancária nº ... aberta na agência da C.. de ..., e a ré condenada a repor ao acervo hereditário a quantia que levantou acrescida de juros à taxa legal.

Alegou, em síntese, que em 7/10/2009 faleceu CC, casada em 2ªs núpcias com o autor, fazendo parte do acervo hereditário a conta bancária acima identificada, cujo saldo à data do óbito era de 1.250,66€.

Em 2005, na sequência da venda de um imóvel a falecida havia depositado na referida conta bancária a quantia de 72.623,50€, e na mesma conta era depositada mensalmente a pensão de reforma que auferia no montante de 340,00€.

Atento o seu estado de saúde, em Junho de 2008, o autor instalou a esposa num lar, onde permaneceu até ao seu falecimento, sendo que à data da sua entrada para o lar a referida conta bancária apresentava um saldo de 78.838,70€.

A ré, que era a 2ª titular da conta, na sequência de pedido da CC, sua tia, de Junho de 2008 a Setembro de 2009 levantou várias quantias num total de 22.300,00€ para prover às necessidades daquela, pelo que à data da sua morte deveria existir na conta um saldo de cerca de 56.538,74€, inexistente por a ré o ter levantado.

O dinheiro levantado pertence à herança da falecida CC, devendo a ré restitui-lo.

Contestou a ré por excepção, invocando ser parte ilegítima na acção, por estar desacompanhada do marido, existir erro na forma de processo por ao pedido corresponder processo especial de inventário, e ter ocorrido uma doação da falecida à ré, pelo que à data do óbito aquele dinheiro já não estava na titularidade da falecida. Por impugnação, alegou ter com esse dinheiro pago várias despesas da CC e nunca ter levantado dinheiro contra a vontade da mesma, concluindo por pedir o “indeferimento liminar” da acção, ou, assim não se entendendo, a sua improcedência e a condenação do autor como litigante de má fé, em indemnização a favor da ré no montante de 25.000,00€.

O autor replicou controvertendo as excepções invocadas e pugnando pela absolvição do pedido de condenação como litigante de má fé.

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade e de erro na forma do processo, e procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e da base instrutória, com reclamação da ré que não foi atendida.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformado, o autor apelou dessa decisão de improcedência, com êxito, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 17/12/14, por unanimidade, revogou a decisão recorrida e julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a restituir ao acervo hereditário de CC a quantia de 54.618,36€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde 7/10/2009 e vincendos até integral pagamento.

Foi a vez da ré mostrar o seu desacordo recorrendo de revista. Nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:

  1. Nestes autos vem o A. pedir que seja reconhecido como herdeiro de CC e ainda que seja a R. condenada a restituir-lhe a quantia de 56.538,74€ por ser um bem da herança daquela.

  2. A R. contestou a restituição de qualquer montante pecuniário porque não o tem, tendo sido usado pela tia CC e ainda porque a referida Tia lhe doou o dinheiro que tinha nas contas 601 e 500 que tinha na C…..

  3. A primeira instância declarou improcedente o pedido e absolveu a R. daquele por ter sido provado que houve efectivamente uma doação da Tia CC à sua sobrinha, aqui R., que se consubstanciou numa primeira fase na co-titularidade de contas bancárias solidárias e, após o casamento da tia CC com o aqui A. e o internamento desta no Lar da Santa Casa da Misericórdia esse dinheiro foi levantado, doado e gerido pela R., que pagou todas as despesas da Tia.

  4. A primeira instância considerou ainda que se a posse do dinheiro por parte da R durante aqueles 16 meses, tivesse sido contra a vontade da tia CC, esse facto teria de ser provado pelo A. O que não foi feito.

  5. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido acórdão que, pese embora não altere a matéria de facto, declara procedente a acção e condena a R. a restituir os 54.618,36€, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 07/10/2009.

  6. Entende o Tribunal recorrido que não se verifica uma verdadeira doação por análise do regime jurídico das contas solidárias e ainda porque não estando determinado o montante da doação, esta terá sido uma promessa-doação que não chegou a ser concretizada por não ter existido tradição.

  7. Com o que a R., aqui recorrente, se não conforma e apresenta o presente recurso.

  8. À data da morte da falecida CC (07/10/2009), esta era apenas co-titular de uma conta (500 da C…) com o saldo de 625,33€, solidária com a R. BB (29 dos Factos Assentes).

  9. Tinha existido, em tempos, uma conta que fora liquidada, 16 meses antes do óbito (Junho de 2008), e que teria então cerca de 54.000,00€ e de que era co-titular em regime de conta solidária a R. e a tia CC (conta 161 da C…).

  10. O A. pede a restituição daquele montante por ser herdeiro da falecida co-titular. É à data do óbito que se abre a sucessão. Pelo que, e nos termos do art. 2.031.° do C.C., o A. não tem direito a qualquer valor pretérito.

  11. Não está provado qual o montante que a R. tenha ficado para si, nem como foi usado o dinheiro.

  12. A R. geriu o referido dinheiro em proveito da tia, durante aqueles 16 meses anteriores à morte, entregando à tia e ao marido, aqui A., tudo o que lhe era solicitado.

  13. Está provado e aceite pelo A. que durante os 16 meses em que a tia esteve no Lar da Misericórdia foi entregue pelo menos 22.300,00€ (13 dos Factos Assentes).

  14. Foi dado por provado pela 1ª Instância que o referido dinheiro foi dado à aqui R. BB pela Tia CC, que sempre a preferiu e ajudou em vida.

  15. A 2ª Instância, sem apreciar as provas produzidas, nem novas provas, altera a matéria de facto concluindo que existe um contrato promessa de doação sem que haja factos que sustentem tal entendimento.

  16. O acórdão recorrido alega não ter existido tradição do bem doado, quando está provado que o dinheiro estava totalmente na posse da donatária desde Junho de 2008, isto é, 16 meses antes do óbito da Tia CC.

  17. O acórdão recorrido omite que durante 16 meses a R. entregou, daquele dinheiro, vários milhares de euros (pelo menos 23.600,00 €) à doadora e seu marido, aqui A.. O A. sabia da vontade da Tia CC naquela doação.

  18. O acórdão recorrido entende que, por não estar determinado o valor doado (sujeito às necessidades da doadora), estamos perante uma promessa. O que é um critério errado face à lei, e à doutrina, que reconhecem a doação sujeita a termo (art. 963.° do C.C.) como doação.

  19. Está provado na matéria de facto assente que a tia CC, em vida, doou à BB (A.) o dinheiro que tinha naquelas contas bancárias, que foi usado para proveito da própria doadora e caso existisse restante seria para a BB.

  20. Não se provou que a R. tivesse usado ou movimentado o dinheiro contra vontade da tia.

  21. O acórdão recorrido condena na restituição de montante que não está provado ter ficado na posse da R. BB.

  22. O acórdão recorrido condena no pagamento de juros de mora, sem que a putativa devedora tivesse sido interpelada ou, o montante em dívida liquidado (art. 805.° do C.C.).

  23. Ao decidir pela procedência da acção e condenando a R. no pagamento de 54.618,36 € acrescida de juros de mora à taxa legal desde 07/10/2009, o Tribunal "a quo" violou o disposto nos artºs 2.031.°, 940.°, 945.°, 947.°, 954.°, 805.° e 342.° todos dos Código Civil e ainda o disposto no art. 662.° do C.P.C.

    A autora juntou um Parecer publicado na Revista da Ordem dos Advogados.

    O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do decidido.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    ● O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil[2] – por diante NCPC. São as seguintes as questões suscitadas:

    1. Se houve doação; b) Se é devida a condenação em juros de mora, e desde quando.

    II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO No Acórdão recorrido vem tida por assente a seguinte matéria de facto: 1. No dia 7 de Outubro de 2009, faleceu CC, com última residência habitual na Rua ... nº …, em ..., no estado de casada com o Autor AA (certidão de fls. 13- 16). (alínea A dos factos assentes) 2. Faleceu sem deixar descendentes, nem ascendentes e sem...

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