Acórdão nº 3442/08.0TAMTS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução15 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Na 2.ª Secção Criminal da Instância Central, Núcleo de Matosinhos – U. P. 3, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no âmbito do processo comum coletivo n.º 3442/08.0TAMTS, ao abrigo do disposto no art. 472.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante, CPP), foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas à arguida AA, melhor identificada nos autos, e atualmente detida no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo.

Através do acórdão do tribunal coletivo, proferido em 18.11.2014 (cf. fls. 978 a 1006, vol. IV), foi deliberado condenar a arguida AA, em cúmulo jurídico das penas parcelares que lhe foram impostas nos Procs. n.ºs 1297/07.0JAPRT, da extinta 4.ª Vara Criminal do Porto, 940/07.6TAMAI, do extinto 4.º Juízo Criminal de Matosinhos, 1061/08.0TDPRT, do extinto 4.º Juízo Criminal de Matosinhos, e nestes autos (Proc. n.º 3442/08.0TAMTS do extinto 2.º Juízo Criminal de Matosinhos), na pena única conjunta de 10 (dez) anos de prisão.

2.

Inconformada com o acórdão proferido, a arguida AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, com a apresentação das seguintes conclusões (cf. fls. 1153 a 1170, vol. IV): «1.ª Vem o presente recurso interposto do acórdão que condenou a recorrente na pena de 10 anos de prisão efectiva, em cúmulo jurídico de penas.

  1. É entendimento da recorrente que as penas aplicadas à arguida não são susceptíveis de ser cumuladas quer porque relativamente a uma delas se encontra arguida a inexequibilidade parcial do acórdão, quer porque se trata de penas suspensas na sua execução, mas ainda que assim não fosse de entender, sempre se haveria de aquilatar do preenchimento dos requisitos da continuação criminosa, por um lado, e, por outro, constata-se que a fundamentação do acórdão é insuficiente, omitindo factos importantes e contendo factos que não poderia valorar, incorrendo nos vícios do art.º 410.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

  2. Mas, ainda que assim não se entendesse, a pena aplicada é exageradíssima, tendo em conta os factos, a personalidade da arguida e as necessidades de prevenção geral e especial, conforme se verá.

  3. É pressuposto da realização do cúmulo jurídico de penas não só que as decisões estejam transitadas em julgado, mas também que essas mesmas decisões sejam exequíveis, no sentido que lhe é dado pelos art.ºs 467.º e 468.º do Código de Processo Penal.

  4. No âmbito do Proc. nº 10611/08.0 TDPRT foi suscitada a questão da inexequibilidade parcial do acórdão proferido nesses autos, tendo disso sido feita menção no requerimento para cúmulo jurídico apresentado pela recorrente, tendo em conta que a queixa aí apresentada pela ofendida é extemporânea e, como, tal não podia o Ministério Público perseguir criminalmente a recorrente e o Estado Português puni-la pela prática de um crime de abuso de confiança simples.

  5. A recorrente entende que tal acórdão é inexequível nesta parte, tendo arguido a inexequibilidade do referido acórdão naqueles autos, no entanto, tal questão foi indeferida, tendo sido interposto recurso de tal acórdão para o Tribunal da Relação do Porto de tal despacho, sendo que nesse recurso ainda não há decisão.

  6. Ora, apesar de o acórdão aí proferido já ter transitado em julgado, a arguida arguiu a sua inexequibilidade quanto à pena aplicada pela prática do referido crime de abuso de confiança, pelo que, ainda que fosse realizado cúmulo jurídico de penas, o mesmo não podia englobar a pena em causa, uma vez que ainda não foi decidido tal incidente.

  7. Mas, ainda que assim não fosse, certo é que no acórdão recorrido deveria fazer-se constar que corria tal incidente num dos processos alvo de cúmulo e o Tribunal pronunciar-se quanto à possibilidade ou impossibilidade de realização do cúmulo jurídico de penas, tendo em conta a pendência de tal incidente.

  8. Apesar de tal circunstância ter sido alegada no requerimento para cúmulo jurídico de penas, o Tribunal omitiu a pronúncia quanto a tal matéria, pelo que se deve entender que o acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal.

  9. No acórdão recorrido realizou-se cúmulo jurídico de penas em 4 processos, sendo que as penas aplicadas à recorrente em 3 desses processos foram suspensas na sua execução: uma suspensa na sua execução sem quaisquer condicionalismos; outra suspensa na sua execução com regime de prova e uma outra pena suspensa na sua execução na condição de pagar aos ofendidos o valor da indemnização.

  10. A pena de prisão suspensa e a pena de prisão efectiva não têm a mesma natureza, porquanto têm tratamentos jurídicos diferenciados quer em termos de contagem do tempo de prescrição, quer no regime de cumprimento e até de extinção da pena, sendo a pena suspensa uma verdadeira pena, distinguindo-se, desde logo, porque a pena suspensa não implica o cumprimento de prisão.

  11. Assim sendo, a pena suspensa não é passível de englobar um cúmulo jurídico. Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível.

  12. A pena suspensa apenas poderia ser passível de integrar o cúmulo jurídico se se verificasse qualquer hipótese taxativa de revogação da pena suspensa, nos termos do disposto no art.º 56.º do Código Penal, o que sempre acarretaria um juízo de culpa por parte da recorrente.

  13. Ora, o acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de substituição, sem que tenha havido decisão nos termos dos art.ºs 56.º do CP e 492.º do CPP, relativamente às penas suspensas, não resultando dos factos que o Tribunal a quo tomou em consideração que nos processos em que foram aplicadas tenha sido decidida a revogação ou a extinção das penas suspensas, pelo que o acórdão é nulo por não ter tomado conhecimento de questões de que deveria conhecer (art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal).

  14. Independentemente das considerações e teses jurídicas existentes quanto a esta matéria, a defender-se a tese de que as penas suspensas podem ser incluídas no cúmulo jurídico, nenhuma dúvida existe que essas penas suspensas são revogadas, através da operação do cúmulo jurídico, sendo certo que no caso da recorrente duas das três penas suspensas que se encontra a cumprir, foram aplicadas condicionalmente: uma com regime de prova e outra na condição de pagar a indemnização fixada aos ofendidos.

  15. Ora, as causas de revogação da suspensão da execução da pena encontram-se taxativamente fixadas no art.º 56.º do Código Penal, sendo certo que em nenhuma norma se prevê que, no caso de cúmulo jurídico de penas, possam ser inobservados tais requisitos de revogação da suspensão da execução da pena.

  16. Acresce que, a revogação da suspensão da execução da pena leva ínsito um comportamento culposo (negligente ou doloso) por parte do condenado, devendo ser proferida decisão fundamentada quanto a tal matéria, sendo certo que tal comportamento culposo esse que pode nem sequer se verificar no caso de cúmulo jurídico de penas.

  17. Deve, assim, ser julgada inconstitucional a interpretação que se extraia do disposto no art.º 56.º, 77.º n.º1 e 78.º n.º1 do Código Penal no sentido de que a pena de prisão suspensa na sua execução pode ser englobada em cúmulo jurídico de penas, sem que ocorra qualquer das circunstâncias previstas no art.º 56.º do Código Penal ou sem que exista qualquer comportamento posterior negligente ou doloso por parte do condenado que indique que a pena suspensa não atingiu os seus fins ou sem que exista decisão fundamentada no sentido da pena suspensa ou das penas parcelares que a componham englobem tal cúmulo jurídico, por violação do princípio da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito, na sua vertente da confiança e segurança jurídicas e da legalidade, do princípio da proporcionalidade, do princípio da culpa e da fundamentação das decisões judiciais (artºs 1.º, 2.º, 18.º n.º 2, 27.º n.º1 e 2, 205.º n.º1 e 2 da Constituição). 19.ª A seguir-se a tese de que devem ser incluídas no cúmulo jurídico todas as penas resultantes das condenações da recorrente, havia, em primeiro lugar, que indagar da possibilidade de os crimes pelos quais a arguida foi condenada estavam ou não numa relação de continuação criminosa.

  18. Não é verdade que, a eventual existência de uma situação de continuação criminosa já tenha sido aquilatada em cada um dos processos com penas a cumular, tendo a arguida sido condenada por alguns crimes na sua forma continuada e noutros não, precisamente por esse facto.

  19. Se relativamente às penas suspensas se defender que tais penas não têm o efeito de caso julgado, o mesmo se deve dizer quanto à possibilidade de se concluir que o arguido cometeu, a final, não vários, mas apenas um crime continuado ou vários crimes continuados.

  20. Nenhuma norma legal impede, antes o impõe o art.º 79.º n.º 2 do Código Penal, que a continuação criminosa seja declarada em momento posterior ao trânsito em julgado das condenações das condutas criminosas parcelares.

  21. E se essa ponderação não se fez em qualquer dos processos e acórdãos anteriores, como efectivamente não se fez, o que se constata da mera leitura dos acórdãos, deve o Tribunal competente para o cúmulo jurídico de penas aquilatar da presença ou ausência dos pressupostos da continuação criminosa, previamente à realização do cúmulo jurídico, pois que a aplicação das regras da continuação criminosa afasta ou pode afastar a aplicação das regras do cúmulo jurídico.

  22. Ora, não tendo o Tribunal previamente considerado sequer a possibilidade de os crimes cometidos pela arguida estarem numa relação de continuação criminosa, não conheceu de questões de que deveria conhecer e, como tal, incorreu na nulidade prevista no art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Penal.

  23. Por outro lado, é de concluir, se se quiser ler os factos dados como provados nos acórdãos, em conjugação com a matéria de facto provada decorrente da audiência de cúmulo que se verificam os pressupostos da...

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