Acórdão nº 886/06.5TBEPS.G2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução29 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) instaurou, em 2006, junto do Tribunal Judicial de Esposende, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em que demandou BB e cônjuge CC (1.ºs R.R.), bem como DD e cônjuge EE (2.ºs R.R.), alegando, em resumo, que: .

O A. é legítimo portador de uma letra de câmbio, no montante de € 20.869,50, sacada em 04/01/2006, aceite pelos 1.ºs R.R. e vencida em 04/04/2006, a qual nunca foi paga, apesar de sucessivas interpelações para tal; .

Em face disso, o ora A. instaurou uma ação executiva com base nessa letra, no decurso da qual veio a constatar-se que os 1.ºs R.R. não possuíam qualquer património, mas que, em 16/02/2006, tinham celebrado uma escritura pública, em que declararam vender aos 2.ºs R.R. um prédio urbano de que eram proprietários, o que fizeram, simuladamente, com o único propósito de lesar os interesses patrimoniais do A.; .

Além disso, para a celebração daquela escritura, os R.R. fizeram, deliberadamente, a exibição de um alvará de utilização e de uma ficha técnica respeitantes a um outro prédio confinante com o dos 1.ºs R.R..

O A. concluiu, pedindo: A – Em primeira linha, que fosse: a) – declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda celebrado entre o 1.º R. marido e o 2.º R. marido, titulado pela escritura pública de 16/02/2006, reproduzida a fls. 88 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas n.º 296-E do Cartório Notarial de Esposende, relativa ao prédio indicado; b) – e ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base no ato referido, designadamente o registo de aquisição a favor dos 2.ºs R.R., bem como aqueles que se seguirem e que resultem diretamente daquela transmissão; B – Subsidiariamente, que fosse: a) - declarado ineficaz, em relação ao A., o ato de compra e venda titulado pela escritura pública, celebrada em 16/02/2006, relativo ao sobredito prédio, restituindo-se o bem assim alienado ao património do 1.º R. marido; b) – e ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base no ato declarado ineficaz, bem como aqueles que se seguirem e dele resultem diretamente; 2.

Regularmente citados, apenas os 2.ºs R.R., DD e cônjuge EE, contestaram, impugnando a alegada simulação e sustentando que a licença e ficha técnica apresentadas na outorga da escritura de compra e venda em causa se deveu a mero lapso dos 1.ºs R.R.. Concluíram pela improcedência da ação.

  1. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória.

    4.

    Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto contro-vertida, foi proferida sentença final, a julgar a ação totalmente improcedente.

  2. No recurso dessa decisão então interposto pelo A., o Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente a apelação, confirmando a decisão da 1.ª instância na parte respeitante à improcedência da ação sobre a pretensão fundada em simulação e/ou em impugnação pauliana, mas anulando parcialmente o julgamento e determinando o adiamento de dois novos artigos à base instrutória para efeitos de apreciação da questão fundada na alegada nulidade da escritura de compra e venda por falta de licença de habitabilidade.

  3. Repetido o julgamento sobre a matéria aditada, foi proferida nova sentença a fls. 1256-1265, datada de 02/04/2013, a julgar a ação procedente, quanto à pretensão ainda subsistente, decidindo-se: a) – declarar a nulidade do contrato de compra e venda, bem como a correspetiva escritura pública, celebrado em 16/02/2006, respeitante ao prédio urbano composto por casa com dois pavimentos e logradouro, sito na Av. …, freguesia de Forjães, concelho de Esposente, descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, correspondente ao art.º … da matriz; b) – determinar o cancelamento dos registos efetuados ao abrigo da referida escritura.

  4. Desta feita, vieram os 2.ºs R.R. apelar daquela decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, através do acórdão de fls. 1366-1382, datado de 22/01/2015, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão da 1.ª instância.

  5. Mais uma vez inconformados, vêm os mesmos R.R. recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Os recorrentes não se conformam com o teor de acórdão recorrido, pelo que interpõem o presente recurso de revista extraordinária, não sem antes arguir da constatação de duas nulidades por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC; 2.ª - Constando dos autos que o prédio possuía licença de construção à data da outorga da escritura pública ora em crise, o Tribunal não se pronunciou sobre essa questão, aflorada pelos recorrentes em sede do seu recurso; 3.ª - Por outro lado, no acórdão é também ausente a fundamentação da decisão que determina a inadmissibilidade de junção do documento junto aos autos; 4.ª - O documento junto aos autos consiste na licença de utilização reportada ao prédio vendido por escritura pública a 16 de fevereiro de 2006, pelos 1.º R aos 2.º R., que o Tribunal entendeu declarar nula, face à inexistência de licença, à data da sua outorga; 5.ª - Com efeito, o acórdão, ao não admitir a junção aos autos da junção da licença de utilização respeitante ao prédio objeto da transmissão ora em causa, não emite qualquer juízo fundado sobre a oportunidade da sua junção e mais importante que tudo, sobre a sua necessidade ou pertinência; 6.ª - A decisão que não admite a junção aos autos da licença de utilização, não identifica sequer o documento junto, não aprecia os fundamentos nos termos do qual se considerou que a sua apresentação não foi possível (alegados pelos recorrentes) bem como não justifica porque é que o documento em causa se mostra irrelevante para a decisão em causa (quando a escritura de compra e venda neste autos, é declarada nula, precisamente pela inexistência do documento ora junto aos autos).

    7.ª - O acórdão limitou-se a afirmar que "além do mais, o documento em questão se mostra irrelevante para a decisão da causa", sem haver emitido um juízo fundado sobre a sua desnecessidade ou impertinência; 8.ª - Relembra-se que o documento em causa, não só não é irrelevante para a decisão da causa, como a sua inexistência até à data, é a própria razão de ser desta causa, e sobre a qual o tribunal tem de se pronunciar, em concreto: quais as consequências da transmissão de prédio urbano, quando o mesmo não possui licença de utilização, exigível por força do artigo 1.º do DL 281/99.

    9.ª – É legitima e fundada a reapreciação da decisão em crise, não obstante tratar-se de decisão que confirma a proferida em 1.ª Instância; 10.ª - Assim defendem os recorrentes na medida em que a presente causa é questão cuja apreciação, pela sua relevância é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do artigo 672.º, n.º 1, al. a), do CPC; 11.ª - Nos termos do artigo 671.º, n.º 1, al a), há relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito quando se trate de questão manifestamente complexa, de difícil resolução, cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercicio de exegese, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objetivo de se obter um consenso em termos de servir de orientação; 12.ª - Essa orientação impõe-se quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar das normas aplicáveis, quer para as instâncias, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito; 13.ª - Tal questão exige definição, quer para as pessoas que possam ter interesse profissional na sua resolução, quer para as instâncias, sobretudo quando em causa divergências nas consequências legais da celebração de ato notarial, com omissão de um elemento exigido nos termos do artigo 1.º, n.º 1. do DL n.º 281/99; 14.ª - Com efeito, enquanto o Tribunal no caso em apreço, entende que a mesma deve ser sancionada com nulidade, as instâncias notarias (Instituto de Registo e Notariado) têm tratado esta questão como uma irregularidade sanável, tal como se demonstrou pela junção de Doc. 1 e 2 - veja-se excerto de Parecer emitido pelo Conselho Técnico do Instituto de Registos e Notariado, a 17/12/2007, junto como Doc.: (. . .) A violação da norma plasmada no artigo 1.º. apesar de imperativa. não acarreta. contudo. a nulidade do negócio jurídico.

    A escritura de transmissão da propriedade das fracções autónomas que não refira a exibição da licença de utilização, embora enferme de irregularidade, não afecta a validade do acto nela titulado, pelo que a omissão pode ser sanada posteriormente mediante a...

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