Acórdão nº 473/12.9GCPTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelJOÃO SILVA MIGUEL
Data da Resolução14 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na 3.ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com a referência 473/12.9GCPTM, do Círculo Judicial de Portimão, atualmente Comarca de Faro, Instância Central de Portimão, 2.ª secção criminal – J2, AA foi submetida a julgamento e condenada, como autora material, de 1 (um) crime de homicídio, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 131.º do Código Penal (CP), na pena de 12 (doze) anos de prisão, e, na parcial procedência do pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes, BB e CC, «a pagar-lhes a quantia global de € 60.000,00 (sessenta mil euros), sendo € 40.000,00 (quarenta mil euros) pela perda do direito à vida de DD, € 5.000,00 (cinco mil euros) pelos danos de natureza não patrimonial sofridos por DD, e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a cada um dos demandantes pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pelos próprios demandantes».

  1. Inconformada com o decidido, a arguida interpôs recurso «quanto à medida da pena que lhe foi aplicada», concluindo a motivação nos seguintes termos: «1. Condenou o tribunal “a quo” a arguida pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão, considerando que a factualidade provada preenche os elementos objectivos e subjectivos do mencionado ilícito.

  2. In casu, sempre se dirá ter o Tribunal “a quo” valorado excessivamente os elementos negativos da conduta do recorrente (grau de ilicitude, intensidade do dolo, gravidade do facto ilícito), de que resultou o agravamento da pena, não dando o devido realce às circunstâncias provadas nos autos de que a arguido, ora recorrente vivenciou uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade.

  3. Saliente-se ainda o facto do Tribunal “a quo” só ter valorado os elementos negativos e desconsiderado a pessoa na perspectiva de uma necessária e adequada reinserção social da arguida recorrente, dado que é notório que o arguido [sic] tem condições de se reintegrar socialmente.

  4. Foi assim violado o art. 40º do CP, dado que o Tribunal a quo considerou a necessidade de fazer sentir à arguida o imperativo de absoluta irrepetibilidade dos actos praticados, atendendo ao que dos autos consta quanto à personalidade da arguida e sua incapacidade para gerar respostas socialmente adequadas em situações de tensão relacional), e o grau de culpa da arguida, demonstrado na prática do ilícito, que se apresenta como de média dimensão, devendo, não obstante, levar-se em devida conta a impreparação da arguida para adoptar comportamentos ajustados, em virtude da falta de aquisição de competências pessoais essenciais no seu passado próximo e distante.

  5. Já que princípios de adequação, racionalidade e proporcionalidade - a pena aplicável é de todo desadequada a prosseguir o fim do processo penal, quer por desnecessárias quer por ser excessiva.

  6. Tudo isso ponderado, entende-se que deve a arguida ser condenada numa pena que se aproxime mais do mínimo da moldura penal prevista, e sempre inferior àquela que em concreto lhe foi aplicada».

  7. Na resposta à motivação do recurso, a Senhora Procuradora-Adjunta no Tribunal de Portimão pede que o recurso seja julgado improcedente e mantido o acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões: «1. Por acórdão datado de 26 de Março de 2014 a arguida AA foi condenada pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131.º do Código Penal, na pena de doze anos de prisão.

  8. Ao contrário do que alega a recorrente, não é verdade que o Tribunal a quo tenha valorado excessivamente os aspectos negativos do comportamento da recorrente, e, ao invés, tenha desvalorizado a circunstância de a mesma ter vivenciado uma infância difícil, penalizadora para um normal e harmonioso desenvolvimento.

  9. A pena aplicada em concreto foi correctamente determinada, de acordo com os critérios constantes do art. 71.º do Código Penal, que foram correcta e exaustivamente ponderados, como se alcança da fundamentação do acórdão recorrido.

  10. A pena não merece censura, não se esquecendo que a conduta da arguida levou ao acto mais lesivo da sociedade e, consequentemente, o mais gravemente punido pela lei -- o retirar a vida a outrem.» 4. Também a Assistente nos autos se pronunciou sobre a motivação de recurso da arguida, pedindo a improcedência do mesmo e a manutenção do acórdão recorrido, assente nas conclusões que deixou assim exaradas: «1. O douto acórdão recorrido, ajuizou de forma cuidada e devidamente fundamentada, na pena aplicada à arguida, todas as circunstâncias que, em face dos factos dados como provados, depunham a seu favor; 2. O douto acórdão recorrido enunciou, de forma exaustiva, a ponderação positiva e negativa do grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, o circunstancialismo fáctico contemporâneo do ilícito, as condições pessoais da arguida, o percurso vivencial e a ausência de aptidões ressocializadoras. 3. Com base na correcta aplicação dos critérios norteadores ínsitos nos n.

    os 1 e 2 do art.º 71.º do Código Penal, o douto acórdão recorrido encontrou na média ponderada entre o limite mínimo e máximo da pena abstracta, o quantum da justa pena da arguida.

  11. Na ponderação da pena aplicada, o Tribunal "a quo" justificou, de forma cuidada, a medida da pena em função dos fins de prevenção geral (protecção dos bens jurídicos) e de prevenção especial (propósito de ressocializador do delinquente) insertos no art.º 40.º do Código Penal, fazendo a análise crítica de todos os critérios que nortearam a opção por quantum em concreto.

  12. O Tribunal recorrido alicerçou o sentido da decisão em todos os factos dados como provados (e não informados pela recorrida) com base na livre apreciação do acervo probatório produzido em audiência de julgamento, e nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, encontrando-se esta devidamente fundamentada e motivada e não merecendo qualquer censura.» 5. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta adere à motivação de recurso da magistrada do Ministério Público na 1.ª instância, concordando «com os fundamentos da decisão recorrida, tendo-se aplicado corretamente a Lei e o Direito, sendo certo que o alegado pela recorrente não tem a virtualidade de abalar aquela sentença, que deverá ser mantida nos seus precisos termos», pois que «face à factualidade dada como provada, a pena aplicada em concreto foi corretamente fixada, face aos critérios legais constantes dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, que se mostram exaustivamente ponderados pelo tribunal a quo, conforme demonstra a fundamentação do acórdão recorrido».

  13. Notificado o parecer à arguida, esta respondeu ao tribunal, dizendo que «discorda da posição ali assumida, pugnando pela procedência do recurso por si interposto».

  14. O Tribunal da Relação de Évora, por Decisão Sumária de 19 de maio pp, declarou-se incompetente para o julgamento do recurso, por se incluir na competência do Supremo Tribunal de Justiça, visto tratar-se de impugnação da decisão final, versar exclusivamente matéria de direito e a arguida ter sido condenada em pena de 12 anos de prisão.

  15. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, atendendo a que «a pena de 12 anos de prisão (que corresponde à metade da moldura) é justa e adequada à luz dos princípios da culpa e das muito fortes necessidades de prevenção geral e especial», pois que, «não obstante a menor intensidade dolosa da actuação (dolo eventual - agiu com o intuito de imobilizar a vítima, mas já depois de a ter imobilizado, «continuou a apertar o pescoço... com violência, o que quis e conseguiu, sabendo que tal poderia provocar-lhe a morte», como sucedeu), quer as exigências de prevenção geral, quer as de prevenção especial (é «muito limitada a autocrítica que faz à situação e no propósito de mudar»; «incapaz de fazer face à angústia, tolerar a frustração e controlar os impulsos»; «Apresenta um elevado factor de risco quando vivencia ambientes de tensão relacional, sendo uma pessoa que responde impulsivamente, adoptando respostas reactivas preponderantemente agressivas face ao conflito, característica que se amplia no caso de se encontrar sob o efeito do álcool»; «foi julgada ... pela prática, em 02.05.2009, de um crime de ofensa à integridade física ... ») são elevadas».

  16. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a recorrente veio reafirmar que «discorda da posição ali assumida, pugnando pela procedência do recurso por si interposto».

  17. Não foi requerida audiência de julgamento, pelo que o recurso é apreciado em conferência [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].

  18. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    1. Fundamentação a. Enquadramento, competência deste Supremo Tribunal e questão a apreciar 1. Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT