Acórdão nº 252/08.8TBSRP-B-A.E1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelFERNANDA ISABEL PEREIRA
Data da Resolução19 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em pleno das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório: AA deduziu contra BB incidente de incumprimento, por apenso aos autos de regulação de responsabilidades parentais relativos ao filho menor de ambos, CC, com fundamento na falta de pagamento pelo requerido da prestação alimentícia fixada em € 75,00 mensais, actualizável anualmente, a partir de Janeiro de 2013, de acordo com o aumento dos índices de inflação divulgados pelo INE para o ano anterior.

Foi provocada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e, após realização das diligências pertinentes, foi proferida decisão, em 7 de Junho de 2013, atribuindo, a título provisório e ao abrigo do disposto no artigo 3º nº 2 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, a prestação alimentícia no valor de € 100,00 mensais, a suportar pelo FGAM em substituição do requerido, a actualizar anualmente a partir de Janeiro de 2014 (caso inexista decisão definitiva) de acordo com o aumento da taxa de inflação anunciado pelo INE para o ano anterior.

Inconformado, apelou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, pedindo que se declarasse que o montante da prestação provisória de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores está limitado pelo valor da prestação fixada judicialmente ao progenitor do menor, e, consequentemente, a revogação do despacho recorrido na parte em que estabelece uma prestação provisória substitutiva de alimentos a pagar pelo FGADM superior à fixada judicialmente para o obrigado a alimentos O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 14 de Novembro de 2013, julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.

Deste acórdão interpôs o Ministério Público recurso de revista excepcional, que foi admitido, pedindo a sua revogação com base no entendimento de que a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em caso de incumprimento da obrigação previamente fixada judicialmente não pode ser estabelecida em montante superior a esta.

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 17 de Junho de 2014, negou a revista, considerando, em suma, que: - O Estado, através da Lei n.º 75/98 e do seu diploma regulamentar, veio instituir uma garantia dos alimentos devidos a menores, através da atribuição de uma prestação social destinada a suprir as situações de carência decorrentes do incumprimento por parte da pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, dando assim concretização prática ao direito de protecção às crianças que deriva do artigo 69º da Constituição da Republica.

- Trata-se uma prestação autónoma a cargo da segurança social, atribuída de acordo com critérios objectivos: existência de sentença que fixe os alimentos; residência do devedor em território nacional; inexistência de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional de que o menor possa beneficiar; não pagamento pelo devedor da obrigação de alimentos.

- Pelo seu carácter de subsidiariedade, o montante da prestação substitutiva do Estado está dependente da situação económica e familiar em que se encontra inserido o menor, das necessidades deste, relevando indicativamente o valor da prestação de alimentos que antes foi fixada judicialmente.

- Na linha do que antes foi referido a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores pode ser fixada em montante inferior, igual ou superior ao da prestação alimentar que havia sido fixada ao progenitor incumpridor.

O Ministério Público veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto nos artigos 688º nº 1 e 691º do Código de Processo Civil, por este acórdão de 17 de Junho de 2014, proferido na Revista nº 252/08.8TBSRP-B-A.E1.S1 (acórdão recorrido) se encontrar em total oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Maio de 2014, proferido na Revista nº 257/06.3TBORQ-B.E1.S1 (acórdão fundamento), no qual se julgou que, tendo o progenitor devedor de alimentos a filho menor deixado de cumprir essa obrigação, a prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser de valor superior à prestação incumprida, propondo a seguinte fixação de jurisprudência: “Nos termos do artigo 2º da Lei nº 75/98, de 19.11, e artigo 3º do DL nº 164/99, de 13.05, a prestação a suportar pelo FGADM não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário”.

Formulou na sua alegação de recurso a seguinte síntese conclusiva: “1) O preâmbulo do Projecto de Lei n.º 340/VII mostra que o que esteve subjacente ao aparecimento Lei n.º 75/98, de 19.11, foi a compreensão de que a sociedade, ao nível da realidade familiar, tinha vindo a sofrer transformações sociais, tal como o aumento "do número de crianças que vivem e são educadas na companhia só da mãe ou só do pai, quer por terem nascido fora do casamento, quer por força da separação ou divórcio dos pais" e a percepção de que, algumas dessas transformações, se vieram a repercutir negativamente no direito a alimentos das crianças e jovens.

2) Daquele texto resulta que, ao tempo, se entendeu existir uma «inadequação da lei» em dar resposta à repercussão negativa que tais transformações tiveram no direito a alimentos a crianças e jovens, o que colocava em causa direitos garantidos pela Constituição e por instrumentos internacionais aos quais Portugal está vinculado.

3) Tal inadequação prendia-se com o facto de «a Organização Tutelar de Menores tal como se encontra, continuar a não dar cumprimento a essas directrizes e tão pouco se adequa aos princípios que enformaram a reforma do Código Civil no que toca à família e ao instituto dos Alimentos».

4) Nesse contexto, naquele Projecto, realçou-se a obrigatoriedade do Estado em garantir aos menores o adiantamento das pensões alimentares fixadas judicialmente quando a pessoa obrigada ao seu pagamento não cumpra os seus deveres.

5) E, para alcançar tal desiderato, «para os casos de incumprimento de uma decisão judicial relativa a alimentos devidos a menor residente no território nacional, propõe-se que o Estado assegure a prestação necessária para suprir as que tenham ficado em falta e não tenha sido possível obter através dos mecanismos do artigo 189º do Decreto-lei n° 314/78, de 27 de Outubro (Organização Tutelar de Menores)» - cfr. ponto 3 do preâmbulo.

6) Resulta, pois, expressa e explicitamente do preâmbulo que se pretendeu assegurar o pagamento, pelo FGADM, da prestação necessária para suprir as que tenham ficado em falta e em relação às quais não tenha sido possível obter através dos mecanismos coercivos do art° 189° da OTM.

7) Daí que o FGADM apenas assegura o pagamento das prestações quando a pessoa judicialmente obrigada não cumpre e só o faz até ao início do efectivo cumprimento e daí a sua natureza subsidiária.

8) Decorrendo do nº 3 do art° 6º que o Fundo, substituto provisório, fica sub-rogado na titularidade do direito de crédito que pertencia ao credor primitivo, resulta claro que o montante pelo qual poderá ser reembolsado é tão só o equivalente àquele que o menor não conseguiu obter através dos mecanismos coercivos do art° 189º da OTM.

9) É inadmissível, face ao princípio da separação de poderes, uma interpretação que permita ao Tribunal obrigar o FGADM a pagar uma prestação superior à fixada ao devedor originário, na medida em que, em termos práticos, isso daria azo a que, na parte em que o Fundo não ficasse sub-rogado, fossem os Tribunais a disporem de dinheiros públicos, integrados no Orçamento da Segurança Social, quando esta é uma competência dos Centros Distritais de Segurança Social, integrados no Instituto da Segurança Social, IP.

10) E por esta ordem de ideias se afasta o entendimento que, admitindo que a prestação do Fundo possa ser superior à prestação de alimentos fixada ao primitivo devedor, considera que, nestes casos, haverá uma sub-rogação legal parcial e ser esta justificável na medida em que o não reembolso caracteriza, em regra, as prestações sociais.

11) Perante a opção de consagrar o instituto da sub-rogação como mecanismo de o Fundo reaver as quantias pagas, e não esquecendo os princípios subjacentes a este instituto, só é possível extrair do nº 3 do art° 5°, conjugado com o nº 1 do preceito, que a execução judicial para pagamento "das quantias pagas" só abrange as quantias em relação às quais o Fundo substituiu o devedor originário.

12) Admitir-se que o FGADM possa ficar sub-rogado em quantias superiores àquelas a que está obrigado o devedor originário, como fez o acórdão recorrido, conduzirá ao incompreensível desfecho de o devedor originário se ver, em fase de execução judicial, surpreendido com uma execução para pagamento de quantias em relação às quais não foi ouvido e nem havia sido obrigado pelo tribunal.

13) Estando em causa matéria relativa à atribuição de uma prestação social, há que fazer a relacionação dos preceitos a interpretar com o conjunto de normas e princípios relativos à atribuição de prestações sociais, pelo Estado, de modo a que haja uma harmonia na unidade do sistema tendo em conta ainda as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada.

14) Face às diversas respostas de índole assistencial que o Estado oferece, no quadro da política social, como é o caso do RSI, abono de família, bolsas de estudo e FGADM, não se pode admitir que o FGADM possa ser obrigado a pagar uma pensão de alimentos superior ao devedor originário de alimentos a simples pretexto de que a pensão tem "natureza eminentemente social/assistencial" e porque visa fazer face a "situação de grande debilidade económica do agregado familiar".

15) No actual contexto social e de crise económica, em que são escassos os recursos orçamentais face às situações de carência e em que o Estado tem de acudir a todos aqueles que estejam em especial situação de necessidade, a sustentabilidade do FGADM só será possível, a médio e longo prazo, se o...

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