Acórdão nº 111/14.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução18 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam os Juízes Conselheiros que integram a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO 1.

AA, juiz ..., veio, nos termos do disposto no artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), interpor recurso contencioso da Deliberação, de 30 de setembro de 2014, do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que, no âmbito do Processo Disciplinar Nº 2014-058/PD, pela prática de uma infração disciplinar, consubstanciada na violação dos deveres de urbanidade e correção, com quebra do prestígio exigível para que possa manter-se no meio em que exerce funções, p. e p. pelo art. 3.º/1 e 2, h), e 10, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (EDTEFP), aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9.09, ex vi do art. 131º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30.07, e pelos arts. 82º, 85º/1, c), 93º e 103º deste último diploma, cominou ao Recorrente a pena de transferência, com a consequente perda de sessenta dias de antiguidade.

Formulou o seguinte PEDIDO: i.

Seja revogada a decisão em recurso, com a absolvição da infração imputada; ii.

Entendendo-se provada a prática da infração, lhe seja determinada a suspensão da sanção cominada.

CONCLUIU a motivação nos seguintes termos: 1.1 Nego perentoriamente, como sempre neguei, e sempre negarei, ter praticado os factos que me são imputados na deliberação recorrida.

1.2 Como sempre afirmei no decurso dos presentes autos, na situação em causa não me dirigi à Sra. Escrivã BB dizendo que a mesma era burra ou incompetente.

1.3 A prova produzida nos autos para dar como demonstrada na decisão em recurso que eu pratiquei os factos e a infração que me são imputados cinge-se, apenas, às declarações da Sra. Escrivã BB, dado que ninguém mais assistiu aos factos, para além de mim próprio.

1.4 Ora, uma análise cuidada dos autos permite concluir que a Sra. Escrivã BB não manteve a mesma descrição dos factos, nas três ocasiões em que se pronunciou sobre os mesmos, apresentando em cada uma delas uma versão diferente da forma como os mesmos ocorreram.

1.5 Designadamente, na exposição que dirigiu ao COJ, datada de 27 de setembro de 2013, ou seja, 4 dias após a ocorrência dos factos, a Sra. Escrivã BB não faz qualquer menção a que eu, a dado momento da conversa entre ambos mantida, me tenha levantado da cadeira onde estava sentado e feito um gesto agressivo, 1.6 Só no depoimento que prestou no dia 13 de dezembro de 2013, isto é, decorridos quase 3 meses após a data dos factos, veio a Sra. Escrivã acrescentar que eu me teria levantado da cadeira e efetuado um gesto brusco.

1.7 Esta contradição e a adição de um facto novo compromete o valor e a consistência probatória da versão da Sra. Escrivã, retirando-lhe valor probatório.

1.8 Mas mais. Os depoimentos das testemunhas CC e Dra. DD não podem ser valorados para efeito de prova direta dos factos, na justa medida em que não presenciaram os mesmos, limitando-se aquelas a reproduzir o que lhes foi dito pela Sra. Escrivã BB.

1.9 Refira-se ainda que em nenhum momento do seu depoimento a Dra. DD refere que a Sra. Escrivã BB lhe tivesse comunicado que eu lhe teria chamado burra ou incompetente no dia em causa.

1.10 Ora, perante a existência de duas versões contraditórias sobre os factos e atendendo às contradições e versões distintas apresentadas pela Sra. Escrivã BB, nas diversas vezes em que descreveu a factualidade, permanece, pelo menos, uma dúvida séria e fundada sobre os factos.

1.11 Pelo que em obediência aos princípios fundamentais do in dubio pro reu e da presunção de inocência do arguido, terei de ser absolvido da infração que me é imputada.

1.12 Acresce que o depoimento da testemunha CC não é merecedor de qualquer credibilidade, dado que não só não presenciou os factos, como o mesmo encontra-se eivado de contradições, que lhe retiram qualquer consistência probatória.

1.13 Com efeito, esta testemunha declarou que a Sra. Escrivã BB lhe disse que eu a teria chamado de "jerica", quando nunca, repito, nunca, a Sra. Escrivã BB afirmou que eu lhe teria dirigido tal expressão.

1.14 Mas mais. O depoimento da testemunha CC padece de uma contradição intrínseca, que não pode deixar de ser valorada: por um lado, afirma que eu, ao passar por si, não lhe dirijo qualquer palavra quando passo por ela no Tribunal e, por outro lado, afirma que, aquando dos factos, falou comigo, a propósito do sucedido, no interior do meu gabinete.

1.15 Estas contradições e incongruências retiram, em absoluto, o valor probatório do depoimento desta testemunha.

1.16 Acresce que a decisão recorrida não atendeu aos depoimentos das testemunhas EE e FF, as quais trabalharam comigo durante vários anos e que negaram que, em alguma ocasião, eu tivesse dirigido a algum Sr. Funcionário expressões injuriosas, designadamente, as de burro e incompetente.

1.17 As declarações destas testemunhas tinham necessariamente de ser valoradas na decisão a proferir e não foram.

1.18 Aliás, não vislumbramos qualquer fundamento para que os depoimentos destas duas testemunhas não tenham sido tidos em consideração na decisão recorrida e os depoimentos das testemunhas GG, HH e JJ tenham sido valorados para dar como provada a versão apresentada pela Sra. Escrivã BB.

1.19 Deveria aqui mais uma vez aplicar-se o princípio do in dubio pro reo e perante duas versões contraditórias apresentadas pelas testemunhas, deveria prevalecer mais uma vez a versão que fosse mais favorável ao arguido, ou seja aquela de onde resulta que não teria chamado esses nomes ofensivos aos Srs. Funcionários.

1.20 Reafirmo que em todas as ocasiões que me desloquei à secção me limitei a censurar as falhas cometidas pelos Srs. Funcionários, exercendo o meu poder disciplinar e de supervisão, tendo efetivamente ralhado com os mesmos, mas nunca lhes chamei nomes ofensivos, designadamente os de incompetente e burro.

1.21 De forma alguma se pode confundir a disciplina e a censura com a falta de educação e a ofensa.

1.22 Porque, reitero, não pratiquei os factos que me são imputados, deverá a decisão recorrida ser revogada, por falta de prova, por não ter efetuado uma correta apreciação e valoração de toda a prova produzida, e porque violou os princípios legais, designadamente do in dubio pro réu e da presunção da inocência do arguido.

1.23 Deve assim a deliberação recorrida ser substituída por outra que me absolva da infração que me é imputada.

1.24 Caso assim não seja entendido, deverá ser determinada a suspensão da execução da sanção aplicada, na justa medida em que a suspensão da execução da mesma é suficiente e adequada aos factos.

  1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, levados os autos com 'Vista' ao Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se o mesmo «no sentido de nada obstar à admissão do recurso, por ser legal, a decisão ser recorrível, e o requerente ter legitimidade e estar em tempo».

  2. Citado, o Conselho Superior da Magistratura tomou em consideração, na RESPOSTA oferecida, os seguintes segmentos a que subordinou a sua argumentação: i) Manifesta improcedência do recurso.

    · O recurso contencioso previsto e regulado nos artigos 168º e ss do EMJ é de mera anulação, tendo o pedido de ser a anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência do ato recorrido.

    · No presente recurso, o Recorrente pede a absolvição da infração (pedido principal) ou que seja determinada a suspensão da execução da sanção aplicada (pedido subsidiário). Ora, · Valendo no contencioso administrativo o princípio da vinculação do juiz ao petitum e não competindo ao S.T.J. fazer administração ativa, substituindo-se à entidade recorrida, · Aqueles pedidos, principal e subsidiário, estão inexoravelmente condenados ao insucesso.

    II) Impugnação da matéria de facto.

    · Em sede de sindicabilidade da matéria de facto, no âmbito do processo disciplinar, é de reconhecer que o princípio da tutela jurisdicional efetiva postula que a matéria de facto em que a administração se baseou possa ser apreciada por um tribunal, in casu, o STJ, funcionando, aqui, como um tribunal de 1ª instância. [Arts. 268º/4 da Constituição da República ([1]); 2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ([2])] · Não obstante, como tem sido entendimento reafirmado pela Secção do Contencioso, tal controlo judicial da matéria de facto não passa pela reapreciação da prova disponível e pela formação de uma nova e diferente convicção: «[e]m sede contenciosa, está vedada ao Supremo Tribunal reapreciar a prova produzida perante a entidade recorrida; cabe-lhe tão-somente ponderar, face aos elementos de prova de que se serviu, a razoabilidade do veredicto factual (Ac. de 07.02.2007, Proc. Nº 4115/05) e, assim, se a entidade recorrida examinou (ou reexaminou) a matéria de facto constante da acusação e da defesa do arguido, justificando adequadamente aquele veredicto, nada mais a fazer senão acatá-lo e fazê-lo acatar». (Ac. S.T.J. de 17.12.2009, Proc. Nº 365/09.9YFLSB) · Na específica referência ao princípio in dubio pro reo: nos processos judiciais existe, em geral, a consciência de que o juiz não atinge a verdade absoluta: o juiz dá um facto como provado quando, na ausência de uma dúvida razoável sobre a realidade do facto em causa, chega à certeza subjetiva ou moral de que é verdadeira a sua afirmação.

    · In casu, posto que se tenha visto confrontado com duas versões diferentes e até contraditórias, o Plenário contrapôs uma versão à outra e, conjugando-as com as demais provas obtidas, procurou encontrar a mais coerente e credível, tendo acabado por formar, através de um processo intelectual, fundamentado, a convicção - ou dizer, a «certeza subjetiva» - de que o Recorrente praticou os factos que lhe eram imputados na acusação.

    (iii) Suspensão da execução da pena disciplinar.

    · Não cabem nos poderes de sindicância da Secção de Contencioso do S.T.J. a apreciação da pena escolhida e da medida concreta da mesma ou, mesmo, a ponderação das atenuantes e/ou das agravantes, salvo em caso de manifesta...

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