Acórdão nº 10795/09.0T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução24 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, divorciado, residente na Av. … …, …° A, ...- Almada, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB e CC, casados entre si no regime da comunhão de adquiridos e residentes na Rua ..., lote …, ..., em …, pedindo a condenação dos RR. no pagamento da quantia de Esc. 8.922.250$00, acrescidos de juros desde a citação, devendo ser declarados como tendo dado causa ao incumprimento do contrato de promessa que identifica e que com eles celebrou em 27/01/1992, por culpa exclusiva deles e ainda a sua condenação no pagamento duma indemnização - a liquidar em sede de liquidação de sentença - por despesas efectuadas por aquisições a favor do estabelecimento e por lucros cessantes, correspondente ao sinal prestado em dobro, considerando-se que foram os RR. que deram azo ao incumprimento do contrato por culpa exclusiva destes. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com os RR., em 27/01/1992, um contrato promessa bilateral tendo por objecto, a compra e venda de vários imóveis, a compra e venda de bens móveis (máquinas, equipamento e recheio de um estabelecimento), o arrendamento comercial ao A. das instalações dum estabelecimento comercial e a cessão ao A. da posição contratual dos promitentes vendedores ora RR. no referido estabelecimento, tendo entregue aos RR., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia total de Esc. 4.461.125$00 (Esc. 4.000.000$00 + Esc. 150.000$00 mensais, nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1992). Porém, veio a descobrir que todos os imóveis (prometidos comprar/vender) não estavam registados na Conservatória nem nas Finanças, porque foram ilegalmente construídos, razão pela qual nunca poderia ser celebrada a escritura pública de compra e venda (o contrato definitivo). O estabelecimento comercial cujas instalações lhe foram dadas de arrendamento não tinha as licenças necessárias para poder funcionar normalmente durante o ano de 1992 (as quais só mais tarde foram obtidas pelo A.), mas apenas para laborar até às 23,00 h, apesar de os RR. lhe terem garantido que tinham licenças para laborar até às 04,00 h da madrugada. As partes quiseram renegociar o contrato mas os RR. romperam as negociações em curso, invadiram o estabelecimento, retiraram à força a chave e impediram o A. ou alguém a seu mando de entrar no estabelecimento.

Os RR. contestaram, por excepção e por impugnação. Por excepção, invocaram que o prazo inicialmente marcado (no contrato-promessa celebrado em 27/01/1992) para a celebração do contrato definitivo de compra e venda das fracções autónomas prometidas comprar/vender veio a ser alterado - num aditamento/alteração ao mesmo contrato-promessa reduzido a escrito assinado por ambas as partes em 1/02/1992 -, tendo deixado, a partir desse aditamento, de existir um prazo-limite para a realização das escrituras públicas de compra e venda.

Por impugnação, alegaram, em resumo, que o estabelecimento comercial em causa tinha as licenças necessárias ao seu funcionamento, e que - no contrato promessa celebrado entre as partes - os RR. apenas se comprometeram a arranjar as licenças ao normal funcionamento. O A. deixou de pagar a renda estipulada no contrato-promessa como contrapartida da cedência da exploração do aludido estabelecimento e, por tal facto, sem que tivesse sido minimamente coagido a fazê-lo, entregou voluntariamente o estabelecimento aos RR.. O A. só mantinha interesse na manutenção do contrato com redução do preço do negócio, o que os RR. não aceitaram (não estando a tanto obrigados).

O A. replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pelos Réus, arguindo a falsidade do documento (intitulado "ADITAMENTO/ALTERAÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA) junto pelos RR. com a sua contestação e alegando nunca ter assinado a proposta de alteração ao contrato-promessa originalmente celebrado que os RR. lhe apresentaram. De qualquer modo, os prazos previstos em tal documento para a outorga do contrato definitivo também não teriam sido cumpridos, pela simples razão de que o A. não podia celebrar as escrituras públicas de compra e venda, visto as construções não serem legais.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente, condenou-se os RR. a pagarem ao A. a quantia de € 44.393 (quarenta e quatro mil trezentos e noventa e três euros), equivalente ao sinal prestado em dobro.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí concedido provimento à apelação, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada.

Mais se decidiu julgar procedente a arguição da nulidade, por indevida omissão de pronúncia da sentença recorrida, no que concerne à questão da litigância de má fé e, consequentemente, condenou-se o A./recorrido, como litigante de má fé, numa multa de 5 (cinco) Ucs.

1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. AA para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1- O presente recurso de revista versa conceitual e obviamente apenas questões de direito, em função da prova produzida e dos preceitos legais aqui invocados, com o sentido unívoco em que o são; 2- O recorrente pretende começar por pôr de manifesto essa ostensiva desarmonia com a lei em que o acórdão recorrido incorre, ao admitir e valorar documentos que os recorridos juntaram só na fase das suas alegações e que, sendo por isso visivelmente extemporâneos, à face dos artigos 523º e s do CPC e ora 423º a 425º do NCPC, ocultaram durante mais de 20 anos e naturalmente nunca poderiam como não puderam presidir à prolação da sentença de ....

3- Seja como for e sem embargo, era aos recorridos que segundo o termo 3° do contrato dos autos cabia marcar a escritura definitiva e cobrir as despesas com a respectiva documentação, o que eles nunca fizeram; 4- Lendo o artigo 342º do Código Civil, os recorridos não observaram o ónus de provar testemunhal ou documentalmente quaisquer factos contrários ao recorrente, até para evitar a perda de algum beneficio que hipoteticamente os contemplasse, enquanto o recorrente isso sim logrou provar nesses moldes os factos constitutivos da sua causa de pedir e o direito que lhe assiste; 5- E com a sua inacção, os recorridos acabaram por sofrer as respectivas consequências negativas, justamente por os autos conterem prova suficiente da posição do recorrente e isto independentemente de essa prova ter sido trazida por este ou não; 6- Escrupulosa e pontualmente e de boa-fé, o recorrente entregou logo aos recorridos a primeira verba de 4 mil contos e ocupou o estabelecimento e as fracções e depois foi-lhes pagando uma renda de 150 contos em Fevereiro, Março, Abril seguintes; 7- O alvará sanitário de café e snack-bar era precário, por se tratar de comércio em edifício clandestino e as autoridades alertaram para o risco de o titular se sujeitar a sanções advenientes disso; 8- Nem pelo facto de o recorrido ter logrado pôr em nome do recorrente o alvará sanitário, este deixou de ser precário, paredes-meias com a então proclamada clandestinidade imobiliária e susceptível de desencadear sanções na altura sobre o recorrente; 9- Ainda nessa primavera, os recorridos apropriaram-se do estabelecimento tendo colocado neste um cadeado, não tendo havido por parte do recorrente entrega da chave coisíssima nenhuma; 10- Dimanando ainda da discussão e instrução da causa que essas graves anomalias e irregularidades verificadas quanto à totalidade da unidade predial e sua exploração e que o recorrente desconhecia sem obrigação em contrário desde o primeiro instante das negociações, não podem ser atribuíveis senão aos recorridos, então a prontidão com que aquele lhes foi entregando as vultuosas verbas combinadas e a boa-fé com que procurou a ou trance salvar o que para ele fundada e infelizmente passou a afigurar-se insalvável, são suficientes para acolher a sua tese nos autos e sufragar a justeza de todos os seus comportamentos, até segundo aquela diligência de um bom pai de família e aquela humana linha média que subjazem a todos os textos juscivilistas; 11- Tomando como linha orientadora os artigos definitórios 410º e 874°, o rigor no cumprimento de boa-fé das suas obrigações por parte do recorrente do artigo 406º e nº 2 do artigo 762°, o manifesto e evidente e humanamente compreensível desinteresse objectivo e subjectivo deste na manutenção da vigência do contrato, face ao clima adverso, hostil ou...

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