Acórdão nº 122/13.TELSB-L.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução16 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O requerente AA, preso no Estabelecimento Prisional de ... por ordem do Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal no Inquérito com o NUIPC 122/13.8TELSB, veio requerer a presente providência extraordinária de habeas corpus nos termos dos artigos 222º e 223º do Código de Processo Penal (CPP) e do artigo 20º, números 1, 4 e 5, do artigo 27º, números 1 e 4, do artigo 28º número 2, do artigo 31º e do artigo 32º, números 1, 2, 8 e 9, da Constituição da República Portuguesa (CRP). As razões que fundamentam o pedido formulado encontram-se expressas, em síntese, nas conclusões da respectiva motivação onde se refere que: Pelas razões invocadas – incompetência do Senhor Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal para a decidir; por ter sido decretada sem precedência da audição prevista no número 4 do artigo 194º do Código de Processo Penal e, por isso, por factos e elementos do processo que lhe não foram comunicados durante a audição que não se realizou; por ter sido mantida por motivo (para que o Requerente se pronuncie sobre os “factos novos” trazidos pelo Ministério Público na sua promoção de 24 de Fevereiro) pelo qual a lei a não permite – a prisão preventiva do Requerente deve se julgada e declarada ilegal.

Consequentemente formula os seguintes pedidos: (a) a libertação imediata do requerente, por efeito da ilegalidade do decretamento e da manutenção da prisão preventiva; (b) a ordem de apresentação do Requerente – em liberdade, por a ilegalidade do decretamento e da manutenção da prisão preventiva haver sido reconhecida – ao Juiz Conselheiro das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça a quem o processo seja distribuído. Termina pedindo que a petição seja julgada procedente e, assim: a) Declarada ilegal a prisão preventiva que o Requerente vem sofrendo; b) O Requerente mandado libertar imediatamente; c) E, de todo o modo, mandado apresentar, em 24 horas, ao Juiz Conselheiro das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça a quem o processo seja distribuído. Pelo Sr. Juiz no Tribunal Central de Instrução Criminal foi deduzida a informação a que alude o artigo referindo-se, nomeadamente, que: Atenta a providência de Habeas Corpus, interposta pelo cidadão AA, nos termos do disposto no art.º 222.º do CPP, cumpre-me informar, ao abrigo do disposto no art.º 223.º - 1 do CPP, o seguinte: O M.º P.º, promoveu o seguinte: «Pedido de Habeas Corpus apresentado pela Defesa do arguido AA A Defesa do arguido AA apresentou pedido de habeas corpus, relativamente à detenção que vem sendo sofrida pelo mesmo arguido, nos termos do art. 222º-1 e 2 do CPP.

Nos termos do art. 223º-1 do CPP, importa produzir informação sobre as condições em que foi efectuada a detenção e aplicada e mantida a medida de prisão preventiva.

Sugerimos que se informe, de forma cronológica, sobre os factos já verificados nos autos, nos seguintes termos: - A detenção fora de flagrante delito de AA foi judicialmente determinada, na data de 18 de Novembro, pela verificação de indícios da prática de crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais, e ainda por se indiciarem os perigos de fuga e de perturbação da recolha e conservação da prova, nos termos do art. 257º-1 a) e b) do CPP; - Na data de 19 de Novembro, AA ausentou-se de Portugal, com bilhete de regresso para o dia seguinte; - No dia 20 de Novembro foram realizadas diligências de busca e detenção de outros arguidos; - Entre 20 e 21 de Novembro, verificou-se a retirada de objectos, dispositivos informáticos, da casa de AA; - No dia 21 de Novembro, por volta das 22h45, AA regressou de avião a Portugal; - No dia 21 de Novembro, por volta das 23H00, AA foi detido no cumprimento dos mandados emitidos; - No dia 22 de Novembro, pelas 14H30, AA foi presente detido no TCIC, para interrogatório judicial; - No dia 23 de Novembro, foram recuperados e apreendidos os objectos que haviam sido retirados da casa do arguido, após informações fornecidas pelo mesmo em sede de interrogatório; - No dia 24 de Novembro, foi concluído o interrogatório judicial de AA, vindo a lhe ser aplicada a medida de coacção de sujeição a prisão preventiva, pela verificação dos perigos de fuga e de perturbação da recolha e da conservação da prova; - No âmbito da sua actividade por conta da ..., o arguido tinha prevista uma viagem para o Brasil, com início a 24 de Novembro.

O arguido permanece em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, tendo sido provisoriamente reexaminados os pressupostos da prisão preventiva, que se entendeu manterem, nos termos do art. 213º do CPP, sem prejuízo de ter sido conferido direito à audição do arguido.

Em sede de matéria de facto, alega o requerente ter havido uma alteração dos factos imputados, mais propriamente quanto à sua localização temporal, entendendo os arguidos que, só agora, percepcionaram que os factos teriam ocorrido durante o período em que o arguido exerceu funções como Primeiro-Ministro.

Tal alteração da matéria de facto não corresponde à verdade, nos termos em que é apresentada pelo requerente, uma vez que na imputação dos factos feita para o interrogatório judicial do arguido, claramente se situou a formação de um acervo financeiro no estrangeiro no período entre o início dos anos de 2000 e a data em que os fundos foram declarados para efeitos da adesão ao RERT II, isto é, o final do ano de 2009.

Por esse motivo se narram, nessa imputação, os factos relativos à adesão ao RERT I, em 2005, e depois se narram os factos relativos à transferência dos fundos para Portugal, já em 2010, depois da adesão ao RERT II.

Os factos relativos à imputação são aliás, por natureza, susceptíveis de alteração, em função dos resultados da investigação, fixando-se apenas com a dedução de uma acusação, razão pela qual, em função do cumprimento de pedido de cooperação judiciária dirigido às autoridades da Suíça e cuja resposta formal foi recebida em Fevereiro de 2015, foi possível identificar a data em que os fundos entraram na esfera do arguido AA na Suíça, permitindo verificar e quantificar os fundos que entraram no período entre 2007 e 2009.

Não é assim legítimo e representa mesmo um absurdo, que, como pretende o requerente, exista um hiato temporal nos factos imputados, precisamente entre 2005 e 2011, interpretação que não pode ser sustentada a partir do texto da imputação realizada ao arguido, para efeito do seu primeiro interrogatório judicial.

Tal interpretação dos factos narrados, serve apenas para justificar, por parte da Defesa do arguido AA, a razão de ser de, só agora ter invocado uma pretensa preterição do direito a um foro especial por parte do arguido.

Com efeito, em sede do Direito é alegada no presente pedido de Habeas Corpus a incompetência do TCIC em face da matéria, por estarem em causa factos cometidos por um arguido que, na data dos mesmos, exercia as funções de Primeiro-Ministro.

Entendemos que a aceitação de um foro especial apenas tem cabimento, mesmo em sede da conformação Constitucional, por via do exercício de funções públicas por parte da pessoa visada, não podendo ser um estatuto que se perpetue para além do exercício das mesmas.

A razão de ser da atribuição de um estatuto especial é a dignidade que merece o exercício das funções e não a pessoa em causa, fundamento bem diverso do estatuto conferido aos Magistrados, que visa que os mesmos sejam julgados pelos seus pares, estando portanto em causa uma garantia de imparcialidade.

Nem se verifica, no caso concreto, que as condições para a atribuição de tal estatuto existissem no momento em que se iniciaram os presentes autos e a investigação, donde se pudesse falar da perda de um estatuto adquirido, uma vez que o processo se iniciou muito depois do exercício das funções como Primeiro Ministro por parte do arguido AA – não corresponde à verdade que qualquer facto relativo à pessoa do arguido José Sócrates tenha sido investigado em qualquer outro anterior processo, sejam os processos da designada “Operação ...” sejam os processos da designada “Operação ...”.

Entendemos assim, que não se mostra violado o disposto no art. 11º-2 b) e 3 a) do CPP, porquanto se não confere pelos mesmos preceitos um foro especial em razão da pessoa, mas tão só em razão das funções exercidas no momento da intervenção judicial.

Em sede jurídica é ainda alegada a não audição do arguido por pretensos factos novos que lhe teriam sido imputados, pese embora tal audição tivesse sido requerida.

No entanto, apenas foram invocados, em sede do reexame sobre os pressupostos da prisão preventiva, novos indícios do perigo de perturbação da recolha da prova, traduzidos na forma como foram pagas determinadas despesas de viagens e de estadias em hotel e na forma como foram ocultadas determinadas obras de arte, adquiridas pelo arguido BB e colocadas na esfera do ora requerente.

A audição do arguido sobre esses novos indícios foi possibilitada pelo Sr. Juiz e foi disponibilizada a consulta das peças processuais de onde os mesmos resultam, na medida em que se não comprometessem diligências posteriores de investigação, conforme art. 194º-6 b), 7 e 8 do CPP.

Tal audição, por via da notificação da Defesa do arguido, garante o contraditório exigido pelos arts. 194º-4 e 213º-3 do CPP.

Por outro lado, não foi ainda desencadeado novo interrogatório do arguido AA, porquanto o mesmo, no seu primeiro interrogatório judicial, negou qualquer conhecimento sobre os movimentos financeiros ocorridos na Suíça, em contas formalmente na esfera do arguido BB, sendo apenas esses os factos novos trazidos ao conhecimento dos autos após o cumprimento da Carta Rogatória pelas autoridades Suíças e que carecem de diligências de investigação, em curso, antes de novo interrogatório do arguido.

Quanto às demais questões jurídicas suscitadas, designadamente quanto à alegada necessidade de audição pessoal do arguido após o interrogatório judicial e a promoção do Ministério Público sobre as medidas de coacção, já...

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