Acórdão nº 3243/11.8TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Março de 2015

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução25 de Março de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I O SINDICATO NACIONAL DO PESSOAL DE VOO DA AVIAÇÃO CIVIL (SNPVAC) intentou a presente acção de anulação e interpretação de cláusulas de acordo de empresa, sob a forma de processo especial, contra TAP PORTUGAL, S.A. pedindo que seja declarado que o n.º 5 da cláusula 22.ª do Regulamento de Utilização e Prestação de Trabalho - (RUPT/AE), anexo ao Acordo de Empresa SNPVAC-TAP Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 8, 1.ª Série, de 28 de Fevereiro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que «“o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h00 de sábado e termo às 23h59 de domingo”, não lhe sendo aplicável o conteúdo do n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo RUPT».

Fundamentou a sua pretensão alegando que, desde Outubro de 1971, os tripulantes de cabine viram legalmente reconhecido o direito à folga semanal de quarenta e oito horas consecutivas; que no Acordo de Empresa, além deste direito, é-lhes garantido o gozo efectivo de uma folga semanal a um Sábado e Domingo seguidos, com intervalo não superior a sete semanas, como decorre da cláusula 22ª, n.º 5 do RUPT e que a TAP pretende fazer valer o entendimento de que esta folga semanal pode ser submetida ao protelamento de 12 horas, a que alude o n.º 3 da cláusula 23.ª do mesmo RUPT, podendo iniciar-se, assim, depois das 00h00 de Sábado.

Regularmente citada a Ré apresentou as suas alegações, refutando as conclusões e interpretações propostas pelo Autor.

O processo prosseguiu os seus termos e veio a ser decidido por sentença de 12 de Maio de 2014, que integra o seguinte dispositivo: «3.1. Nos termos e fundamentos expostos julga-se a acção procedente e, em consequência, decide-se declarar que o n.º 5 da cláusula 22ª do RUPT/AE deve ser interpretada no sentido que “o gozo efectivo de um sábado e domingo seguidos tem obrigatoriamente o seu início às 00h00 de sábado e termo às 23h59 de domingo”, não lhe sendo aplicável o conteúdo do n.º 3 da cláusula 23ª do RUPT/AE.

3.2. Custas a cargo da ré (art.º 527º do NCPC aplicável ex vi art.º 1.º n.º 2 al. a) do CPT).» Inconformada com esta decisão dela interpôs a Ré recurso de revista, per saltum, para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 678.º do Código de Processo Civil, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. O regime relativo aos tempos de Serviço de Voo e Repouso do Pessoal Navegante do Transporte Aéreo, encontrava assento legal na Portaria n.º 408/87 de 14 de Maio, diploma [que] previa uma definição de "período de repouso" e de "período de descanso" (art.º 3.º da Portaria), estabelecendo ainda a propósito dos períodos de serviço de voo, que antes de iniciar esse período o tripulante deveria ter um período livre de serviço não inferior a 8 ou 18 horas (arts. 11.º e 15.º da Portaria), bem um período livre de serviço (folga) de pelo menos 48 horas consecutivas por semana, não sendo considerada folga semanal o período de repouso (art.º 14.º n.º 1 da Portaria).

  1. Ao referido Diploma seguiu-se a Portaria n.º 328-A/98, de 15 de Abril, que previa um conjunto mais alargado de definições (cfr. art.º 2.º), do qual resultava a introdução da noção de dia de folga (“período livre de serviço para o transporte, com a duração de 24 horas"), folga semanal, (“período de 36 horas livre de serviço para o tripulante que inclui duas noites consecutivas"), tempo de transporte ("tempo a considerar pelo operador para o trânsito de um tripulante, fora da base, entre o local de regresso e o local onde deve apresentar-se ao serviço, e vice-versa"), sendo que o art.º 13.º n.º 3 previa que os períodos de folga podiam ser incluídos nas folgas semanais e nos dias de folga.

  2. Actualmente, está em vigor o Decreto-Lei n.º 139/2004, de 5 de Junho, que mantém "grosso modo" o regime anterior, acrescentando, a noção de "dia de folga local" (art.º 2º).

  3. Estabelece ainda o actual regime que " ... o período de repouso tem a duração de onze horas, salvo autorização expressa do INAC' (art.º 18.º n.º 5) e ainda que devem ser assegurados ao tripulante vários dias de folga (art.s 19.º n.º 1), sendo que para efeitos de contagem dos sete dias de folga consecutivos para atribuição de uma folga semanal, esta “tem de iniciar-se, pelo menos durante o 7.º dia" (art.º 19.º, n.º 3), mantendo-se o regime de que "os períodos de repouso podem ser incluídos nas folgas semanais e nos dias de folga” (art.º 19.º n.º 4).

  4. Já na Regulamentação Colectiva aplicável às Partes, no passado mais recente, vigoraram os seguintes Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho: - ACT de 1970, publicado no Boletim do INTP n.º 19, de 70.10.15; - ACT de 1975, publicado no Boletim do Ministério do Trabalho n.º 35, de 75.09.22; - RPN de 1978 (decisão arbitral), publicado no BTE, l.ª Série, n.º 23 de 78.06.22 (integrado no ACT de 1978, publicado no BTE, l.ª Série, n.º 20, de 78.05.21); - Regime Sucedâneo de 1981, publicado no DR, 2.ª série, de 81.08.12 e BTE, 1.ª série, n.º 8 de 81.08.09; - AE/PNC de 1985, publicado no BTE, l.ª série, n.º l0, de 85.03.15, com alterações publicadas no BTE, 1.ª série, n.º 30, de 89.08.16; - Regime Sucedâneo de 1993, publicado no DR, 2.ª série, de 93.03.31 e BTE, 1.ª série, n.º 14, de 93.04.15; - AE/PNC de 1994, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 23, de 94.06.22, alterado pelo AE/PNC de 1997, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 40, de 97.10.29; e - AE/PNC de 2006, publicado no BTE, l.ª série, n.º 8, de 2006.02.28.

  5. Nos termos do AE de 1985 (Cl.ª 60.ª e sgs.), a folga semanal era gozada na base e tinha a duração de 48 horas consecutivas, contadas a partir das 00H00 ou 12H00, sendo que os tripulantes tinham direito, pelo menos, a um sábado e um Domingo como período de folga semanal de 7 em 7 semanas.

  6. Conforme previsto no n.º 3 da Cl.ª 61 do mencionado AE, não era considerada alteração de folga, a alteração do seu início das 00H00 para as 12H00 ou das 12H00 para as 00H00 horas seguintes, quando não colidisse com o planeamento do tripulante ou, quando colidindo, este o autorizasse.

  7. A Cl.ª 22.ª do RUPT, anexo ao AE de 2006, prevê que "4 - O início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição estabelecido nos números 6 e 7 da cláusula 32.º, «tempo de transição entre períodos de serviço de voo»; 5 - Os tripulantes terão direito ao gozo efectivo de um sábado e de um domingo seguidos, como período de folga semanal, com intervalo não superior a sete semanas. 9. Já a Cl.ª 23.ª do RUPT anexo ao AE de 2006, no seu n.º 3, estipula que "não é considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a 12 horas".

  8. Na definição de folga semanal que consta do n.º 13 da Cl. 4.ª do mesmo RUPT: "Folga semanal: Período livre de serviço, de quarenta e oito horas consecutivas, dentro de cada sete dias consecutivos, gozado ininterruptamente na base, durante o qual o operador não pode contactar o tripulante", nele não podendo deixar de estar incluída a folga semanal a gozar no fim-de-semana.

  9. No regime actual (AE de 2006), diferentemente do AE de 1985, o início da folga é contado a partir do início da hora imediatamente seguinte ao termo do período mínimo de repouso do serviço de voo que o anteceda, cumprido que seja o tempo de transição, não sendo considerada alteração à folga o protelamento do seu início não superior a 12 horas.

  10. O tempo/período mínimo de repouso na base é de doze horas (transitoriamente 13 horas) e o tempo de transição na base, entre um período de serviço de voo e uma folga, é de duas horas.

  11. Ao contrário do que sucedia no regime do AE de 1985,um tripulante tem, entre o terminus do serviço de voo e o início da sua folga, um intervalo horário mínimo 14 horas correspondendo ao tempo de repouso acrescido da transição (ou transitoriamente, 15 horas).

  12. O que, aplicado à Cl.ª 23.º n.º 3, determina que o tempo que, por razões de irregularidade da operação em si ou por necessidades de planeamento decorrentes de alguma irregularidade (por atrasos de voos), portanto, não como regra, se pode prolongar para o sábado não é propriamente a folga, mas sim este intervalo horário de repouso e de transição, a que se segue, então sim, o gozo da folga.

  13. O que significa, em resumo, que com as 12 horas do repouso (ou 13, por força do Regime Transitório em vigor - Cfr. Acta e "Regime Transitório" - Ponto 4 - celebrado em 03.10.11, junto com as alegações em 1.ª instância), acrescidas das 2 horas da transição e das 48 horas da folga, em bom rigor, o tripulante estará sempre livre, na base, das 00H00 de sábado às 23H59 de Domingo.

  14. Com a interpretação sufragada pela decisão recorrida, não só se mostram cumpridos os períodos de repouso (agora até alargados), como o tripulante está disponível e livre para o convívio familiar e social, não podendo ser chamado para qualquer serviço, no mínimo entre as 00H00 de sábado e as 23H59 de Domingo.

  15. E é, no mínimo, porque por força do planeamento, da conjugação dos períodos de repouso, de transição, de folga e de preparação para o voo seguinte, pode acontecer e acontece, que o tripulante esteja livre de serviço desde o início de tarde de sexta-feira até à tarde da segunda-feira seguinte.

  16. Para a interpretação dos IRCTs, rege portanto, o disposto no art.º 9.º do Código Civil, e os consabidos elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, bem como, quando for o caso, o previsto nos arts.s 236.º e 237.º do Código Civil quanto ao sentido da interpretação dos negócios jurídicos.

  17. No caso concreto não está em causa apenas a interpretação de um concreto normativo constante de uma cláusula do AE 2006, mas também e sobretudo, a interpretação conjugada de todo o regime das folgas.

  18. Há que conjugar o disposto na Cl.ª 22.ª n.º 5 com o previsto na Cl.ª 23.ª no todo e, em particular, com o seu n.º 3, parece certo que a Cl.ª 22.ª estabelece o regime...

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