Acórdão nº 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelGREGÓRIO SILVA JESUS
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I— RELATÓRIO AA, Lda., com sede na Rua ..., nº .., …, ..., intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB PLC, com sede em Avenida ..., nº …, ...º, …, Lisboa, pedindo que se declare a resolução do contrato celebrado entre as partes, por força da alteração das circunstâncias negociais que levaram à contratação, com base no artigo 437.° do Código Civil (CC).

Para tanto, alegou, em síntese, que em 26/10/2007, celebrou com o BB um “Contrato de Permuta de Taxa de Juro”, com data de início a 30/10/2007 e de vencimento a 30/10/2012, tendo como valor de referência 5.000.000,00€; Na mesma data, a sociedade CC – …, Lda., celebrou igual contrato com o BB, tendo como valor de referência 1.000.000,00€; A sociedade CC, Lda., celebrou com a autora um contrato de cessão de posição contratual, com conhecimento e intervenção do BB; Os dois contratos Swaps têm a mesma arquitectura e assentam na taxa Euribor a 3 meses; Por razões relacionadas com a conjuntura económico-financeira mundial, que alteraram drasticamente as circunstâncias existentes à data da negociação pondo em causa o equilíbrio negocial e as regras da boa fé no cumprimento dos contratos, com a descida abrupta e imprevisível da taxa Euribor a 3 meses que se verificou no último trimestre de 2008 e a sua manutenção ao longo dos sucessivos trimestres, os Swaps actualmente não possibilitam qualquer ganho para a autora e garantem avultados ganhos ao BB; Os contratos geraram à autora prejuízos que ascendem já a 503.482,97€ e continuarão a gerar perdas até ao final da sua execução que, tendo em conta a actual taxa de juro e os termos do contrato, se estimam em cerca de 320.000,00€.

Citado, o réu contestou, por excepção arguindo a incompetência dos tribunais portugueses, por violação do pacto de jurisdição, pedindo a absolvição da instância, alegando para o efeito, em síntese, que os contratos em causa são compostos por um contrato quadro denominado 1992 ISDA Master Agreement, elaborado pela International Swaps and Derivatives Association que contém as condições contratuais gerais; um conjunto de definições elaboradas pela mesma entidade com vista a interpretar o ISDA Master Agreement, conjuntamente designados por 2006 ISDA Definitions; as condições individuais concretamente acordadas entre as partes, constantes das Rate Swap Confirmations.

No que diz respeito à cessão da posição contratual, operada entre a CC, Lda. e a autora, rege-se pela Novation Confirmation, que especifica as particularidades daquela cessão, e pelas 2006 6+ISDA Definitions e 2004 ISDA Novation Definitions.

As partes receberam o ISDA Master Agreement de 1992, como o modificaram expressamente, constando tais modificações dos Amendment Agreements celebrados em 31/12/2007, entre a autora e o réu BB e a CC, Lda., e o BB.

Na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement está escrito que “… no que concerne a qualquer litígio, processo ou procedimento relacionado com este contrato (“litígios”), ambas as partes acordam, irrevogavelmente, submetê-los à jurisdição dos Tribunais Ingleses, se as partes expressamente determinarem que este contrato é regido pela lei inglesa (…)”.

Os dois contratos Swaps estabeleceram nas respectivas Confirmations que o contrato e a Confirmation serão regidas e interpretadas de acordo com a lei inglesa, dessa estipulação decorre a atribuição da competência exclusiva aos Tribunais Ingleses para dirimirem o presente litígio; A admissibilidade dos pactos de jurisdição é assegurada pelo art. 99.° do Código do Processo Civil (CPC).

Por impugnação, alegou por forma a contrariar a versão descrita pela autora e a demonstrar o infundado da pretensão formulada, concluindo por pedir a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Não foi apresentada réplica.

No despacho saneador, o tribunal conheceu daquela excepção, tendo decidido: “... julga-se procedente a excepção dilatória da incompetência relativa dos Tribunais Portugueses por infracção do estipulado na convenção prevista no art. 99.° do Cód. Proc. Civil, e, em consequência, absolve-se a ré da instância” (fls. 548 a 552).

Inconformada, apelou a autora, tendo a Relação de Lisboa, por Acórdão de 10/04/2014, por unanimidade, assim decidido: “ (…), acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, consequentemente, declaram: - Excluída do contrato “Contrato de Permuta de Taxa de Juro” referenciado nos pontos 2 e 8 dos factos provados (Contrato de “Swaps” que incluem o celebrado pela autora e réu em 26/10/2007 e o celebrado entre a CC e o réu na mesma data, contrato que veio a ser objeto de cessão da posição contratual daquela sociedade a favor da autora, em 06/04/2009), a cláusula incorporada no mesmo por referência à Secção 13 (b) (i) do contrato-quadro denominado “ISDA Master Agreement”, que atribui competência jurisdicional aos Tribunais Ingleses para apreciar e decidir todos os litígios relacionados com o referido contrato; - Declarando, em consequência, a competência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecer e decidir o presente litígio, ordenando o prosseguimento da normal tramitação da presente ação.“.

Manifestando a sua discordância, veio o réu, BB, arguir a (a) nulidade deste aresto em requerimento autónomo, e, simultâneamente, (b) dele interpor recurso de revista para o STJ.

(

  1. Em suporte da pretensa nulidade do Acórdão da Relação de Lisboa, de 10/04/2014, considera o réu/recorrente, em síntese, que foi violado o princípio do contraditório, consagrado no actual art. 3.º, n.º 3, do NCPC (2013), porquanto se proferiu uma decisão surpresa, ao aplicar ao caso a alínea g) do art. 19.º do DL n.º 446/85, de 25/10, perfilhando uma solução jurídica jamais alegada e contemplada pelas partes no processo, sem que as mesmas tenham invocado factos concretizadores que permitam essa subsunção jurídica, pelo que o acórdão deverá ser qualificado de nulo, por violação do princípio do contraditório, com a consequente anulação de todos os termos subsequentes à referida omissão, nos termos do art. 195.º do NCPC (fls. 623 a 630).

    (b) Na revista, o réu formula as sequentes conclusões recursivas (fls. 38/44): “Da admissibilidade do presente recurso 1. A decisão sufragada pelo Tribunal a quo viola o pacto privativo de jurisdição livre e esclarecidamente acordado entre as partes e plasmado na Secção 13 (b) do ISDA Master Agreement; 2. A infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. artigo 96.°, alínea a) do CPC, aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho); 3. Considerando que (i) os Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a decisão processual podem ser objecto de revista nos casos em que o recurso seja sempre admissível e que (ii) é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência internacional, deve o presente recurso de revista ser admitido ao abrigo do disposto nos artigos 671.°, n.° 2 e 629.°, n.° 2, alínea a), ambos do CPC.

    Da inaplicabilidade in casu do regime das cláusulas contratuais gerais Da não aplicação imediata da LLCG.

    4. O Acórdão em apreço é nulo, por não ter sido dada ao Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre a aplicação aos Contratos da LCCG, bem como sobre a circunstância de, alegadamente, o foro eleito pelas Partes na Secção 13 (b) (i) do ISDA Master Agreement envolver graves inconvenientes para a Recorrida, questões que jamais foram consideradas até ao momento da prolação do presente Acórdão, nulidade esta que desde já se invoca.

    5. As cláusulas contratuais gerais são conjuntos de disposições negociais pré-elaboradas, sem prévia negociação individual, a serem acolhidas em bloco e imutavelmente por quem as subscreve ou aceita (imodificabilidade). Não sendo o contrato apresentado como hermeticamente fechado, tendo a contraparte prévio conhecimento das suas cláusulas e a elas aderido livremente e sem restrições, podendo sugerir alterações, não estarão em causa contratos de adesão nem, consequentemente, a aplicação da LCCG; 6. In casu, os Contratos de Permuta de Taxa de Juro são contratos livremente discutidos e negociados entre as partes, tal negociação resultou inclusive em alterações ao ISDA Master Agreement (cfr. factos constantes dos arts.º 22.° e 23.° da Contestação, admitidos por acordo nos termos dos artigos 505.° e 490.° do CPC), constando tais modificações dos "Amendment Agreements" celebrados em 31.12.2007 entre o Recorrente e a Recorrida e entre a CC e o Recorrente (cfr. Docs. n.° 5 e n.° 6 juntos à Contestação); 7. Tendo à Recorrida sido dada a possibilidade de sugerir alterações, o que efectivamente sucedeu, tem-se por não verificada a característica de imodificabilidade que é essencial à sujeição do contrato ao regime das cláusulas contratuais gerais, pelo que não deverão as Cláusulas presentemente sob escrutínio ser classificadas de "cláusulas contratuais gerais".

    Da inaplicação da LCCG em virtude da ratio do referido diploma legal.

    8. A recondução de determinadas cláusulas ao conceito de "cláusulas contratuais gerais" - e, consequentemente, a aplicação da LCCG - tem, subjacente, a ideia de uma parte mais forte propor, sem margem para negociação, um conjunto de cláusulas que a favorece e que desequilibra o contrato inadmissivelmente em seu favor; 9. In casu, pese embora tenha sido o Recorrente a sugerir o recurso ao clausulado correspondente ao ISDA Master Agreement de 1992, não foi o Recorrente que elaborou o referido clausulado, sendo, antes, o mesmo uma proposta concebida e sugerida aos agentes de mercado por uma terceira parte (naturalmente alheio aos interesses quer do Recorrente, quer da Recorrida): a International Swaps and Derivatives Association; 10. Na medida em que a adesão a um modelo contratual sugerido por um terceiro obvia o risco que subjaz ao regime das cláusulas contratuais gerais – e que passa pela protecção da parte que, não tendo...

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