Acórdão nº 2434/12.9T2AVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

“AA – Construções, Lda.”, intentou, em 27.11.2012, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, residente em Ílhavo, pedindo que se declare judicialmente e se condene a ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias.

Articulou, em suma, que se encontra a construir um prédio destinado ao comércio e à habitação. A 30.12.2011, a A. e a R. celebraram um contrato através do qual aquela prometeu vender à Ré, e esta comprar-lhe, um apartamento no referido prédio. Ficou consignado no contrato que a escritura pública de compra e venda seria realizada no mês de Setembro de 2012. Por carta datada de 10.10.2012, a R. comunicou à A. que lhe concedia um prazo suplementar de 61 dias, a contar da referida data, para a obtenção de documentos, marcação e outorga da data da escritura prometida, e que, caso a escritura não fosse realizada até 10.12.2012, iria considerar que o atraso se converteria em incumprimento definitivo, pelo que consideraria o contrato resolvido. O prazo convencionado no contrato-promessa correspondia, na data da assinatura deste, ao período de tempo que se previa fosse suficiente para concluir a construção, e nunca foi entendido pelas partes como mais do que uma mera expectativa. Nunca foi falado ou referido, nas negociações que levaram à assinatura do contrato-promessa, que o prazo pudesse ser visto como um prazo definitivo para qualquer das partes. O prazo de 61 dias é impossível, pelo atraso da obra, de ser cumprido pela A., tendo o atraso da obra resultado, em muito, do atraso dos fornecedores na entrega dos materiais e por devolução de outros por falta de qualidade.

A R. contestou, dizendo que a A. sabia que aquela estava, após o divórcio, a fazer partilhas com o ex-marido, que iria ficar sem casa e que necessitava da prometida fracção para habitar. Foi esta urgência que levou a fixar a data da escritura de compra e venda em Setembro de 2012, e que levou à exigência, pela A., da entrega de 132.500 €, metade do preço contratado da fracção. Mais, que a A. lhe disse que a partir de Junho de 2012 já poderia começar a utilizar a garagem para guardar os seus pertences e assim facilitar a mudança, em Setembro seguinte. Que numa visita que fez à obra, em Setembro de 2012, um encarregado da A. lhe disse que a conclusão da obra levaria cerca de 2 meses. Se a R. tivesse a convicção de que o prazo consignado no contrato-promessa não era para levar a sério, nunca aceitaria nem pagar logo metade do preço real, nem mesmo comprar o apartamento na medida em que necessitava de local para morar. E deduziu pedido reconvencional requerendo que, por a A. não ter concluído a obra e celebrado a escritura de compra e venda até 10.12.2012, se declare a resolução do contrato-promessa, por incumprimento definitivo da A., condenando-se esta a pagar à Ré a quantia de 265.000 €, a título de sinal em dobro.

A A., na réplica, contestou o pedido reconvencional, e manteve a versão dos factos que consta da petição inicial.

A A. veio, em 10.4.2013, ampliar, nos termos do n.º 2 do art. 273.º do CPC, o pedido, por forma a que seja considerado razoável apenas um prazo não inferior a 195 dias.

A R. deduziu oposição, em 22.4.2013, por assentar em causa de pedir diferente - as chuvas inesperadas - da invocada na petição inicial, e por à data da apresentação do requerimento estar esgotado o prazo de 150 dias pedido na acção, o qual se iniciara a 10.10.2012 e terminara a 10.3.2013. Mais, o novo prazo termina em 24.4.2013, e está por concluir a fracção prometida vender. Também a a R. ampliou o pedido reconvencional, no sentido de ser declarado resolvido o contrato-promessa por ultrapassagem de todos os prazos pedidos, quer pela R., quer pela A., condenando-se esta a pagar àquela a quantia de 265.000 €.

A A. respondeu, opondo-se à ampliação do pedido da R., e caso seja admitida se declare a nulidade da reconvenção, e em qualquer caso, julgar-se a sua pretensão não provada, com fundamento em abuso de direito e violação dos arts. 811º e 812º do CPC.

O tribunal admitiu a reconvenção e a ampliação dos pedidos da acção e da reconvenção.

A final foi proferida sentença que julgou: “a) a acção, parcialmente, procedente e decidiu que o prazo da interpelação admonitória de 61 dias não é razoável nem adequado para dentro dele a A. cumprir. Em resultado disso, a mora não foi convertida em incumprimento definitivo; b) que o pedido de fixação do prazo de 150 dias em substituição do de 61 dias improcede; c) a reconvenção improcedente e absolveu a A. deste pedido.

” Na apelação que impulsou desta decisão, veio o tribunal de apelação a decidir – embora com fundamentação essencialmente distinta – manter a decisão recorrida.

Do julgado prolatado na decisão do tribunal de apelação, propulsionou a demandada recurso de revista, para o que dessumiu o epítome conclusivo, que a seguir queda extractado. I.A. – QUADRO CONCLUSIVO.

“(...) tendo a Recorrente em 10/10/2012 feito uma interpelação admonitória à Recorrida (que se encontrava em mora desde 30/9/2012) para que outorgasse uma escritura de compra e venda em 61 dias (que terminavam em 10/12/2012), sob pena de se considerar resolvido o contrato-promessa que as vinculava, 9 - Esta, no dia 27/11/2012, a cerca de 2 semanas do termo desse prazo, deu entrada de uma acção declarativa de condenação na qual pedia o seguinte: Nestes termos, deve a presente acção ser julgada provada e procedente, declarando-se judicialmente e condenando-se a Ré a reconhecer que o prazo de 61 dias que a mesma fixou para a celebração da escritura de compra e venda prometida não é razoável, sendo apenas razoável um prazo não inferior a 150 dias, julgando-se ainda aquele substituído por este, com as demais consequências legais.

10 - O prazo que consta de uma interpelação admonitória, nomeadamente daquela feita pela R., é um prazo absoluto (diferente questão, é a de saber se a duração desse prazo é razoável ou não).

11 - A recorrida pediu expressamente que o prazo dos 61 dias fosse substituído pelo prazo de 150 dias, "com as demais consequências legais".

12 - Por isso, sendo o prazo admonitório absoluto, igualmente absoluto é o prazo de 150 dias que a Recorrida pediu que se colocasse no seu lugar.

13 - O Tribunal da Relação de Coimbra, resolvendo a questão da nulidade da sentença da 1.ª Instância que não se pronunciou sobre o pedido de substituição dos 61 dias por 150 dias, nem sobre as consequências da ultrapassagem dos prazos de 150 e de 195 dias (cfr. fls. 13 e 14 do d. Acórdão), considerou que o não respeito deste prazo dos 150 dias (posteriormente ampliados para 195 dias) pedidos pela Recorrida não configurava um cenário de incumprimento definitivo, mas antes de mora.

14 - Esta interpretação do Tribunal da Relação baseou-se no facto de considerar que o prazo substituto de 150 dias não é um prazo absoluto, mas antes relativo.

15 - Porém, além do facto de a própria Recorrida ter pedido a substituição ou troca do prazo com a semântica e o sentido jurídico que isso implica, a Recorrente considera ainda que, precisamente por se estar no âmbito e contexto de uma interpelação admonitória e, por isso, de prazos absolutos, 16 - A ultrapassagem do prazo (absoluto) que a própria Recorrida pediu que substituísse o que constava da interpelação admonitória, terá que ser entendida como uma falta definitiva de cumprimento, razão pela qual o contrato se deveria considerar resolvido.

17 - Por isso, e ao contrário do que entendeu o Tribunal da Relação, não estando a Recorrida em mora, mas antes e efectivamente em incumprimento definitivo, não tinha a Recorrente que a interpelar novamente e de forma admonitória, intimando-a, uma vez mais, para cumprir dentro de certo prazo, sob pena de se considerar resolvido o contrato.

18 - Aliás, a Recorrida aceitou a interpelação admonitória e não pôs em causa as consequências da ultrapassagem do prazo, nomeadamente a resolução do contrato e a devolução do sinal de 132.500 € em dobro.

19 - Com a acção, a Recorrida quis e pediu simplesmente que lhe fosse permitido cumprir num lapso de tempo mais alargado (inicialmente de 150 dias, e posteriormente de 195 dias), pretendendo, assim, evitar as consequências da resolução ao fim de (61 dias, mas já não ao fim de 150 dias (ou, mais tarde, de 195 dias).

20 - Aliás, o próprio Tribunal da Relação de Coimbra considera que o objecto da acção pretendido pela A./Recorrida não é só a apreciação da razoabilidade do prazo de 61 dias, mas também a declaração judicial e condenação da R./Recorrente a reconhecer que um prazo não inferior a 150 dias (posteriormente ampliado para 195 dias) era o razoável para a celebração da escritura (cfr. 4.º e 5.º parágrafos de fls. 11 e 4.º de fls. 12 do d. Acórdão).

21 - Ademais, posteriormente à entrada da acção em tribunal, no dia 10 de Abril de 2013, a Recorrida, quando ultrapassara há já 30 dias o prazo de 150 dias (esgotado em 10 de Março de 2013), que pedira inicialmente que substituísse o prazo absoluto de 61 dias, veio ainda pedir mais 45 dias a somar aos iniciais 150, voltando a dizer, na altura da ampliação do seu pedido, que os 195 dias que terminavam em 24 de Abril de 2013) deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória.

22 - Assim, com a ampliação do pedido para 195 dias, que o tribunal da 1.ª Instância aceitou, a Recorrida pretendeu, sem margem para quaisquer dúvidas, que o prazo-substituto de 150 dias fosse, ele mesmo, substituído por (ou alongado para) um prazo de 195 dias, que passaria a substituir o de 61 dias fixado admonitoriamente pela Recorrente.

23 - Ora, ao fazer isto, isto é, ao falhar os 150 dias e ao pedir mais 45 dias, num total de 195 dias que deveriam substituir os 61 dias da interpelação admonitória, a Recorrida estava bem consciente de que estava a faltar à sua obrigação, razão pela qual pretendia evitar as "legais consequências"...

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