Acórdão nº 1227/12.8TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2015
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 24 de Fevereiro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I J e F instauraram acção declarativa com processo ordinário contra, X IMOBILIÁRIO, SA, pedindo que seja declarada lícita a resolução do contrato promessa de compra efectuado pelos Autores e que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de €65.000,00, correspondente ao dobro do sinal entregue à Ré, com juros de mora vencidos e vincendos.
Alegaram para o efeito e em síntese que por contrato promessa de compra e venda e de locação para exploração turística celebrado em 15 de Novembro de 2007, a Ré prometeu vender aos Autores, que o prometeram comprar, um imóvel pelo preço de €162.500,00, livre de quaisquer ónus ou encargos, tendo os Autores feito a entrega à Ré a quantia de €32.500,00 a título de sinal, devendo o remanescente ser pago na data da escritura; Nos termos do n.º 1 da cláusula 4ª do contrato promessa acordaram as pares que “depois de a unidade de alojamento estar concluída, em estado de ser entregue ao segundo outorgante, e estar devidamente licenciada a sua utilização, a escritura pública será outorgada em dia, hora e local a designar pela primeira outorgante, o que se prevê suceda até trinta meses contados da assinatura deste contrato”; Por carta de 4 de Novembro de 2010, a Ré informou o Autor de que havia marcado a escritura para o dia 14 de Março de 2011; Porém, tendo o Autor visitado o imóvel em finais de Janeiro de 2001, verificou que o mesmo se encontrava inacabado e inabitável, pelo que, face a tais circunstâncias, o Autor não entregou à Ré os documentos necessários à outorga da escritura, e, por carta de 19 de Abril de 2011, informou a Ré de que o “prazo de 40 meses [para construção da habitação] findou no passado dia 15 de Março de 2011, sem que a unidade de alojamento se encontre concluída”, e, não estando o imóvel concluído nessa data, decorrido o prazo fixado na escritura considerava o contrato definitivamente incumprimento, resolvendo o contrato e invocando igualmente a perda de interesse no negócio; A Ré marcou dolosamente a escritura para data em que as obras não estavam concluídas; Em 10 de Janeiro de 2011, a Câmara Municipal de … emitiu o alvará de utilização nº…/2011, para um conjunto de fracções do Aldeamento Turístico “P V” nas quais se inclui a prometida vender ao Autor; Fê-lo sob termo de responsabilidade assinado pelo Director Técnico da Obra, Engenheiro R e sob termo de responsabilidade assinado pelo Director de Fiscalização da Obra, Engenheiro J; Em ambos os termos de responsabilidade, os respectivos signatários declararam que a obra se encontrava concluída em 13 de Dezembro de 2010, mas tais declarações são falsas, pois o imóvel estava inacabado; Na sequência de exposição apresentada na CM… sobre o assunto, fez esta deslocar ao local da obra o seu técnico J M, o qual, depois de visitar a obra, em 24 de Maio de 2011 lavra exposição em que atesta que a obra não se encontra concluída na sua totalidade; Assim, em 26 de Maio de 2011, o senhor Vereador da CM… revogou o despacho que concedeu o alvará de utilização nº…/2011; A Ré não tinha o imóvel concluído em 15 de Março de 2011, conforme se obrigou no contrato promessa, razão pela qual nunca esteve em condições de marcar a escritura.
A Ré contestou por via de excepção e de impugnação, tendo em sede de defesa indirecta arguido a ilegitimidade do Autor por estar desacompanhado da outra interveniente no contrato na qualidade de promitente vendedora, agora Autora, a qual requereu a intervenção principal enquanto tal, a qual veio a ser admitida.
Foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente, por não provada, com absolvição da ré do pedido.
Inconformados recorreram os Autores, tendo a Apelação sido julgada procedente e em consequência veio a ser revogada a a sentença recorrida tendo sido declarada lícita a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado por Autores e Ré em 15 de Novembro de 2007 e a Ré condenada a pagar aos Autores a quantia de €65.000,00, correspondente ao dobro do sinal recebido, com juros de mora à taxa legal desde 21 de Julho de 2011 e até integral pagamento.
Vem agora a Ré recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões: - O Acórdão recorrido dá por assente, referindo-o três vezes, um facto que não foi dado como provado: a saber, que os AA. não compareceram com o fundamento de que a fracção estava inacabada e sem condições de ser habitada.
- Com efeito, na base instrutória (art. 1º) perguntava-se se os Autores não tinham apresentado quaisquer documentos com vista à realização da escritura designada para 14 de Março de 2011 por se ter constatado que o imóvel se encontrava inacabado, tendo a resposta a tal quesito sido negativa.
- Pelo que não se pode concluir que os Autores não compareceram na escritura pública por o imóvel não estar acabado.
- O Tribunal de …, nos autos que, sob o n.º…, correram termos pelo 1º Juízo Criminal, deu como provado que as declarações prestadas pelos mesmos, no sentido de que a obra estava concluída a 13 de Dezembro de 2010, correspondiam à verdade.
- Na data da marcação da escritura pública de compra e venda, o alvará de utilização estava em vigor tendo sido apresentado ao Sr. Notário na data designada para a escritura.
- Nessa data, pelos Autores não foram apresentados quaisquer documentos com vista à realização da escritura.
- No dia agendado para a escritura os Autores não compareceram, não tendo logrado provar que não compareceram por terem constatado que o imóvel se encontrava inacabado.
- Nos termos do n.º1 do art. 145º do Código do Procedimento Administrativo, a revogação dos actos administrativos apenas produz efeitos para o futuro, salvo o disposto nos números seguintes.
- A revogação apenas tem efeito retroactivo, quando se fundamente na invalidade do acto revogado cfr art. 145º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo.
- No acto de revogação da licença de utilização, remete-se para o art. 73º, n.º1, do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março (por ser essa a vigente na data da revogação), a qual determinava que a licença, a admissão de comunicação prévia ou as autorizações de utilização só podem ser revogadas nos termos estabelecidos na lei para os actos constitutivos de direitos.
- Nesse acto de revogação não se diz qual o fundamento de tal decisão e o mesmo não se retira pela remissão legislativa que é feita.
- Ao decidir no sentido de considerar que em 14 de Março de 2011, a Ré não dispunha de licença de utilização, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 145º do Código do Procedimento Administrativo.
- Nem se pode vir defender que o despacho foi revogado depois de se constatar que a obra não estava concluída, pois como o Tribunal de Setúbal deu como provado que a obra correspondente ao lote Z14 já estava terminada quando foram emitidos os termos de responsabilidade em causa nos presentes autos.
- Do mesmo modo, o Tribunal de lª instância apenas deu como provado que em 24 de Maio de 2011 o técnico da Câmara Municipal de Palmela atestou que faltavam pequenos acabamentos no imóvel, mas não, como concluiu o Tribunal recorrido, que, pelo menos até 24 de Maio de 2011, os trabalhos não foram concluídos.
- Pelo que forçoso é concluir que em 14 de Março de 2011, a Ré dispunha de licença de utilização validamente emitida pela Câmara Municipal de Palmela, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo.
- Mas ainda que se considerasse que o imóvel prometido comprar e vender não estava concluído em 14 de Março de 2011, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, no contrato-promessa a mora é insuficiente para o imediato accionamento do regime sancionatório do sinal, sendo necessário ocorrer a transformação da mora em incumprimento definitivo, nos termos do disposto no art. 808º do Código Civil, que a douta decisão recorrida violou.
- Determina o art. 808º do Código Civil que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada, considera ser dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
- No caso dos autos verifica-se que a escritura foi marcada observando-se a data de 40 meses após a data da assinatura do contrato promessa.
- Para haver incumprimento definitivo que leve ao accionamento do regime da restituição do sinal, necessário se toma a perda do interesse objectivo na prestação da contraparte pois que essa determina a transformação da mora em incumprimento definitivo, o que não ocorreu.
- Independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite que este, no caso de mora, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena, igualmente, de se considerar impossível o cumprimento.
- No caso presente, não foi feita tal interpelação, razão pela qual, também por tal via, há-de a pretensão dos Autores de improceder, concluindo-se, assim, pela ausência de fundamento da resolução contratual que importaria a restituição do sinal em dobro.
Não houve contra alegações.
II A questão solvenda em sede de Revista é a de saber se se verificou algum fundamento de incumprimento definitivo do contrato promessa havido entre os Autores e a Ré.
As instâncias deram como assentes os seguintes factos: - No dia 15 de Novembro de 2007, o Autor e a interveniente e a Ré subscreveram o Acordo que denominaram “Contrato Promessa de Compra e Venda” cujo objecto foi a fracção autónoma designada por unidade de alojamento M-159, correspondente ao primeiro piso do prédio urbano erigido no lote de terreno sito na “Quinta …”, freguesia da … ao qual foi atribuído o alvará de loteamento nº…, emitido pela Câmara Municipal de … e que corresponde ao alojamento designado “p V”; (A) - Nos termos do referido acordo, a Ré prometeu vender o imóvel pelo preço de €162.500, livre de quaisquer ónus ou encargos, conforme documento junto a fls.16 e ss. e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido...
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