Acórdão nº 327/14.4TTLRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução06 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 15 de Maio de 2014, no Tribunal do Trabalho de Leiria, 1.º Juízo, e ao abrigo do preceituado nos artigos 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo de Trabalho, aditados pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, o MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, fundamentada em participação da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), recebida nos Serviços do Ministério Público, em 21 de Abril de 2014, data em que a instância se iniciou (artigo 26.º, n.º 6, do Código de Processo do Trabalho), contra AA – ..., C. R. L., pedindo que fosse «reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora BB, fixando-se a data do seu início desde, pelo menos, 1/10/1994».

A ré contestou, por excepção, invocando a caducidade do direito de acção, a caducidade da participação da ACT, a inaplicabilidade da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho — erro na forma do processo — e a falta de legitimidade ou de interesse em agir, e também por impugnação, tendo concluído que acção devia «ser julgada totalmente improcedente, sendo a R. absolvida do pedido».

O Ministério Público respondeu às excepções deduzidas, sustentando (i) que «o prazo previsto no artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, sempre deve ser tido como um prazo simplesmente aceleratório, tal como a jurisprudência tem entendido para o prazo de instrução do processo de contra-ordenação previsto no artigo 24.º do mesmo diploma legal, pelo que o seu eventual incumprimento não tem qualquer efeito cominatório associado», (ii) que o prazo de 20 dias para a instauração da acção, previsto no n.º 1 do artigo 186.º-K do Código de Processo do Trabalho, «só se inicia a partir da recepção da participação da ACT, pelo Ministério Público, mesmo que após a devolução para correcção de alguma irregularidade, pois só após esta segunda recepção é que o Procurador da República de cada um dos juízos ao qual a participação vier a ser distribuída dispõe de uma participação individualizada, que o habilita a apresentar a petição inicial», (iii) que, situando-se esta nova acção, «no âmbito dos direitos indisponíveis, a não apresentação da petição inicial no prazo legalmente estabelecido (o que apenas por mera hipótese se admite) poderia, em último caso, determinar a suspensão da instância, à semelhança do que acontece nos processos especiais por acidente de trabalho, que se movem neste âmbito e já não uma absolvição da instância, como pretende a Ré», (iv) que «foram integralmente cumpridos os prazos legalmente estipulados, bem como todos os procedimentos legalmente previstos» e (v) «[f]oi utilizada a forma processual legalmente prevista, e o interesse em agir decorre da preservação do interesse público e dos direitos constitucionalmente consagrados, de forma a combater a economia informal e de promover o trabalho digno, interesses esses que, legal e estatutariamente, compete ao Ministério Público prosseguir e defender», pelo que as excepções invocadas deviam ser julgadas totalmente improcedentes, prosseguindo a acção os seus termos legais.

Seguidamente, foi proferido o despacho saneador que se passa a transcrever: «Da caducidade do direito de o Ministério Público interpor a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho prevista nos arts. 186.º-K a 186.º-R do CPT: Cabe apreciar a exceção e caducidade suscitada pela requerida: Conforme resulta dos autos a tramitação dos mesmos sofreu as seguintes vicissitudes: – [E]m 16.04.2014, a ACT remeteu a participação referida no art 15.º-A n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, ao MºPº do Tribunal do Trabalho de Leiria, a qual aí deu entrada a 21.04.2014.

– [E]m 23.04.2014, o Digno Magistrado do MºPº remeteu a participação recebida nesses serviços novamente para a ACT por se considerar incompetente territorialmente quanto aos factos relativos a trabalhadores residentes fora da área de jurisdição do Tribunal do Trabalho de Leiria; – [N]o seguimento do douto despacho, a ACT efetuou nova participação ao Tribunal de Leiria, em 29.04.2014, tendo em conta a trabalhadora BB, a qual foi enviada à distribuição em 30-04-2014 (cfr. fls. 1 dos autos); – [C]onforme fls. 25 e ss. dos autos, o MºPº apenas deu entrada da p.i. relativa à presente ação em 15 de Maio de 2014, isto é, 25 dias após a entrada da 1.ª e competente participação.

Refere o art 186.º-K do CPT: “Após a receção da participação prevista no n.º 3 do art 15.º‑A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar […] ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.” Ora, sendo nosso entendimento que a participação a que se refere este preceito legal sempre terá que ser a que 1.º deu entrada nos serviços do MºPº, uma vez que é a partir daí que este toma efetivo conhecimento da situação relatada pela ACT, caducou o direito de propor a ação, não existindo qualquer margem de discricionariedade temporal que possa ser concedida ao MºPº neste caso de processo especial e de natureza urgente.

Pelo exposto, declaro procedente a exceção de caducidade do direito de intentar a ação pelo que absolvo a requerida do pedido — art 579.º com referência ao art 576.º n.º 3 do CPC e 328.º, 329.º, 331.º n.º 1 e 333.º n.º 1 do Código Civil.

Sem custas atendendo à isenção de que o MºPº beneficia.

Valor da ação: € 30.000,01.» 2.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, em que formulou as conclusões que se passam a transcrever: «1.ª O prazo de 20 dias para apresentação da petição inicial conta-se a partir da distribuição efectiva da participação ao juízo respectivo, porque só a partir de então, se pode considerar a entrada da participação em juízo.

2.ª Tendo a petição inicial sido apresentada em 15 de Maio de 2014, foi respeitado o prazo de 20 dias, estipulado por lei, uma vez que o expediente foi recebido da ACT devidamente rectificado em 29/4/2014, data em que deu entrada em juízo, após distribuição.

3.ª Foram, assim, respeitados todos os prazos, quer por parte dos serviços da ACT, quer da entrada da petição inicial, neste tribunal.

4.ª Sem prescindir, o prazo previsto no artigo 15.º-A, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, sempre deve ser tido como um prazo simplesmente aceleratório, tal como a jurisprudência tem entendido para o prazo de instrução do processo de contra-ordenação previsto no artigo 24.º do mesmo diploma legal, pelo que o seu eventual incumprimento, não tem qualquer efeito cominatório associado.

5.ª O prazo de 20 dias para instauração da acção, previsto no artigo 186.º-K, n.º 1, só se inicia a partir da recepção da participação da ACT pelo Ministério Público, mesmo que após a devolução para correcção de alguma irregularidade, pois só após esta segunda recepção é que o magistrado do Ministério Público junto do respectivo juízo dispõe de uma participação individualizada que o habilita a apresentar a petição inicial.

6.ª Por outro lado, entendemos que, recebida a participação da ACT, o Ministério Público não tem necessariamente de a remeter, desde logo, para distribuição como acção de reconhecimento de contrato de trabalho, mediante a apresentação daquela na secção central, para registo imediato e distribuição enquanto tal.

7.ª O entendimento de que, em tais circunstâncias, o Ministério Público teria, sempre, de instaurar acção de reconhecimento de contrato de trabalho, com imediata apresentação da participação para registo e distribuição, mesmo após verificar a existência de irregularidades legais, seria, desde logo, incompatível com a autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida.

8.ª A prevista necessidade de enviar previamente a participação ao Ministério Público só pode ser entendida no sentido de ser concedida a possibilidade de este exercer o controlo próprio de uma magistratura, designadamente, actuar em obediência ao princípio da legalidade.

9.ª A actuação do Ministério Público prende-se, neste tipo de acção, com a defesa do interesse público, que se traduz na exigência imposta pela Constituição e pela Lei de que as relações de trabalho subordinado sejam como tal reconhecidas e tratadas.

10.ª Esta nova acção especial, que visa a defesa de um interesse público, para garantia dos direitos constitucionais dos trabalhadores e cumprimento das normas legais que disciplinam as relações laborais, não está no âmbito dos direitos de que as partes possam livremente dispor, nem mesmo por parte do trabalhador visado com a sua instauração.

11.ª Assim, situando-se este tipo de acção no âmbito dos direitos indisponíveis, a não apresentação da petição inicial no prazo legalmente estabelecido apenas poderia, em último caso, determinar a suspensão da instância, à semelhança do que acontece nos processos especiais por acidente de trabalho.

12.ª Nesta conformidade, decidiu mal o tribunal a quo, violando o disposto nos artigos 26.º, n.º 6, e 186.º-K a 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, e 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/09, por força da Lei n.º 63/2013, de 27/08.

13.ª A decisão deve ser revogada e substituída por outra que determine a subsequente tramitação da acção, com designação de data para julgamento.» Em contra-alegações, a ré defendeu a confirmação do julgado, tendo, para tanto, explicitado a fundamentação seguinte: «1. Tudo ponderado, a decisão sob recurso mostra-se conforme à lei e ao Direito, não merecendo qualquer censura.

2. Nos termos do n.º l do artigo 186.º-K do CPT, o Ministério Público dispõe de 20 dias para intentar acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, após a recepção da participação prevista no n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei 107/2009, de 14 de [Setembro] — Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social — sendo este prazo, claramente, de caducidade, nos termos do artigo 298.º, Código Civil, pelo que...

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