Acórdão nº 1805/08.0TBVIG.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução05 de Maio de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Relatório.

Em dissensão com o despacho prolatado a fls. 170 a 185, que desatendeu a reclamação do despacho prolatado a fls. 2252 a 2254, que havia decidido, “não admitir o recurso de revista interposto pelo recorrente/apelante AA, no que concerne à decisão proferida no processo n.

o2031/08.3TBVLG", impulsa o reclamante, AA, reclamação para a conferência, para o que explana a sequente fundamentação (sic): “Realça, contudo, que, conforme muito bem refere o Venerando Conselheiro Relator, na "teologia, e como marca impressiva e indelével da figura jusprocessual da apensação de acções, convocam-se dois vectores axiais, a saber a economia processual e a coerência e uniformidade de julgamento." E a decisão adoptada, para a qual o Venerando Conselheiro Relator referiu ter pendido com "balanço mínimo", deu relevância à "estabilidade da decisão sedimentada com a dupla conforme".

Porém, tal putativa e aparente estabilidade não existe.

Se a regra da dupla conforme visa evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, mas se este já está convocado a decidir uma parte da decisão, impor-se ao recorrente a instauração de dois recursos distintos, da mesma decisão, através de um recurso regra e de um recurso excepcional, isso sim, configura um ímpeto ou estratégia processual que, ao invés de simplificar meios e recursos processuais, aumenta-os exponencialmente.

Em nada é apaziguada a turbulência de recurso às instâncias judiciais, quando o recorrente, afastando os objectivos e os princípios da unidade e economia processual, está obrigado a instaurar dois recursos distintos da mesma decisão.

Impor-se ao recorrente a cisão da decisão, e a instauração de dois recursos distintos, da mesma decisão, e relativos a cada um dos processos, o principal e o apenso, contraria, teleologicamente, o princípio que esteve subjacente à "dupla conforme" e artigo 671.°, n.º 3 do C.P.C ..

Por tal motivo, e porque o reclamante se acha prejudicado com a douta decisão proferida, vem da mesma reclamar para a conferência, requerendo que sobre a mesma recaia Acórdão.

Reitera o teor da sua reclamação, que ora reproduz: Os presentes autos resultam da apensação de dois processos, a saber: Processo n.º 1805/08.0TBVLG; e Processo n.º 2031/08.3TBVLG O objectivo da apensação é que as acções sejam unificadas, sob o ponto de vista processual, para que possam ser julgadas conjuntamente no mesmo momento e no mesmo acto jurisdicional.

Sobre as acções apensadas não impendem duas decisões, mas apenas uma única decisão.

Veja-se, a esse propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no processo n.º 582/09.1TTVIS-A.Cl, em que foi relator o Venerando Desembargador Felizardo Paiva, de 31 de Março de 2011: "Com a apensação, as várias causas ficam unificadas sob o ponto de vista processual, passando o processo a ser comum a todas elas, com unidade de instrução, de discussão e de decisão." Por esse motivo, considera o Recorrente que não existem duas decisões diferentes, mas apenas uma decisão.

Alcançada tal conclusão, como parece que terá que alcançar-se, resta aquilatar se o Venerando Desembargador Relator, que decidiu indeferir o recurso de revista no Processo n.02031108.3TBVLG, com fundamento no disposto no artigo 721.°, n.º 3 do C.P.C., podia dividir a decisão em duas, separando a parte do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzi da no processo n.º 1805/08.0TBVLG, do segmento do acórdão que impendeu sobre a pretensão deduzida no processo n.º 2031/08.3TBVLG.

Do ponto de vista do reclamante não podia fazê-lo e, ao fazê-lo, violou a letra e o espírito da lei.

Com efeito, decorre do disposto no n.º 3 do artigo 671.° do C.P.C. que "não é admissível revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na primeira instância ... " Ora, de uma única sentença ou de um único acórdão não podem ser interpostos, salvo o devido respeito, mais do que uma única apelação ou de que uma única revista, sob pena de estar a frustrar-se e a violar-se o princípio da unidade processual que resultou da apensação dos processos.

O próprio reclamante vê com dificuldade como concretizar o desiderato subjacente à decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator: a) Teria que dividir o Venerando Acórdão em duas decisões; b) Teria que recorrer de revista ordinária da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 1805/08.0TBVLG; c) Teria que recorrer de revista excepcional da parte da decisão do Acórdão que impendeu sobre o processo n.º 2031/08.3TBVLG; d) Teria que liquidar duas taxas de justiça; e) Existindo dois recursos distintos, poderiam ambos ser distribuídos a secções e Venerandos Conselheiros diferentes; f) Mas, porque suscitou o incidente de inconstitucionalidade da admissão de um determinado meio de prova, poderia optar pelo recurso para o Tribunal Constitucional da parte decisória do Acórdão que confirmou a decisão proferida em primeira instância; Mas poderia suceder algo diferente e ainda mais absurdo, a conceder-se na divisão do acórdão em duas decisões, e em admitir-se dois trânsitos em julgado diferentes.

A Companhia de Seguros Ré, no processo n.º 2031/08.3 seria absolvida, por sentença parcial transitada em julgado, com fundamento na procedência da exclusão da sua responsabilidade decorrente da taxa de alcoolemia do Autor, condutor do veículo; Mas no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, cuja revista ordinária foi admitida, o chamado poderá vir a obter a declaração e confirmação de que a referida taxa de alcoolemia resultou demonstrada de um meio de prova ilegal e inconstitucional e, por isso mesmo, ser absolvido.

Corre-se, assim, o risco de no mesmo Acórdão existir um mesmo facto declarado provado e não provado; E o mesmo facto - taxa de alcoolemia do condutor -que conduziu à absolvição da Ré no processo n.º 2031/08.0TBVLG, pode ser declarado ilegal e inconstitucional no âmbito do processo n.º 1805/08.0TBVLG, na sequência da Revista ordinária que foi interposta do Venerando acórdão nessa parte.

Ou seja, a decisão proferida pelo Venerando Desembargador Relator é ainda adequada e apta a obter a contradição de julgado no mesmo Acórdão.

Ora a unidade jurídica e processual que decorre da apensação dos processos, e unidade da decisão, não permite, nem contempla, que a mesma possa ser espartilhada e separada, para efeito de revistas diferentes, relativas a cada parte da mesma decisão que confirme ou infirme a respectiva parte da decisão proferida em primeira instância.

A decisão proferida pelo venerando Acórdão é uma única, não é bicéfala.

E sendo a decisão proferida pelo Venerando acórdão diferente da que foi proferida pela 1.

a Instância, dela cabe uma única revista, e não duas.

E a revista que é admitida deve ser a ordinária ou normal, já que não foi confirmada a decisão da primeira instância; E não cabem duas revistas diferentes para cada parte da decisão atinente a cada um dos processos apensos.

Não pode, por isso, o reclamante conformar-se com o entendimento que a prolação de um único Acórdão não afasta a autonomia das acções e dos pedidos, causas de pedir e sujeitos, designadamente para efeitos de recurso.

Mas ainda que assim seja, não pode interpretar-se o disposto ao artigo 671.°, n.º 3 e artigo 672.º, ambos do C.P.C. como admitindo dois recursos de revista diferentes, para cada uma das acções "autónomas" julgadas pelo mesmo Acórdão em processos apensos.

A alteração ao recurso de revista decorrente das alterações resultantes do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24/08, não pode ser interpretada no sentido de restringir o direito de recurso de revista ordinário à parte que, tendo sido deparada com uma decisão diferente da proferida em primeira instância (UMA ÚNICA DECISÃO DIFERENTE), ainda assim tinha que dividir a decisão em dois e apresentar dois recursos distintos.

Tal interpretação das alterações resultantes do DL n.º 303/2007, de 24/08, é ilegal e mesmo inconstitucional, já que veda o recurso à parte que não viu confirmada a decisão proferida em primeira instância.

Tal interpretação viola o disposto ao artigo 275.º do C.P.C. e à intenção e espírito subjacente à unidade de julgamento e decisão que decorre da apensação das acções. Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de poderem ser objecto de decisões diferentes e contraditórias, e de serem objecto de recursos diferentes, a serem julgados de forma e por secções ou juízos diferentes, então não se justifica a apensação.

Se as acções mantêm a sua autonomia, ao ponto de uma parte da decisão atinente a uma delas poder transitar em julgado e a outra parte poder ser objecto de recurso e decisão contraditória, então ainda menos se justifica a apensação.

Salvo o devido respeito, é um absurdo considerar-se a possibilidade ou necessidade de oferecimento de dois recursos distintos da mesma decisão, a serem julgados separada e diferentemente, com o subsequente risco de serem alcançadas decisões contraditórias.

E tal decisão contraditória pode ainda alcançar-se e resultar da inadmissibilidade de recurso de uma parte da decisão e da eventual procedência do recurso atinente à outra parte da decisão.

Isto sem prejuízo da regra de substituição ao tribunal recorrido, prevista ao n.º 2 do artigo 665.º do N.C.P.C., mas sempre condicionado a que não se considere o "trânsito em julgado parcial da sentença, na parte correspondente à acção n.º 2031/08.0TBVLG".

Por outro lado, e sem prescindir, O Venerando Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, citado pela Recorrida Seguradora, com o n.º 600/11.3TVLSB.L1.S1, em que foi Relator o Venerando Conselheiro Lopes do Rego, nada tem de paralelismo ou de identidade com o Recurso de Revista dos autos.

Com efeito, o Acórdão citado pela seguradora limita-se a confirmar a conformação do Recorrente com o despacho do Venerando Desembargador proferido na Relação; O Venerando Relator no Tribunal recorrido (Tribunal da Relação) proferiu despacho a consubstanciar uma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT