Acórdão nº 215/12.9TCGMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2015
Magistrado Responsável | MARIA CLARA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA e BB, ambos moradores na ilha de ..., intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: 1º- CC ; 2º- DD e mulher EE ,e 3º- FF.
Nesta ação, pediram que sejam os Réus condenados a:
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Reconhecerem que os Autores são donos e possuidores dos prédios identificados na petição inicial; b) Restituí-los aos Autores, de imediato, retirando dele todos os bens, objectos e animais que nele instalaram; c) Reconhecerem que essa intitulada e ilícita ocupação dos prédios causa aos Autores prejuízos e impede o exercício pleno por parte deles, Autores, do seu direito de propriedade, ofendendo tal direito; d) Pagarem uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso que, para além da data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser produzida, se venha a verificar na entrega efetiva dos prédios, para o que sugerem o valor de 5% do ordenado mínimo mais elevado por cada dia e até ao cumprimento integral da sentença.
Para tanto, alegaram os Autores, em síntese, que: - São donos e possuidores na proporção de ½ indiviso para cada um, dos prédios identificados nos arts 1º e 2º, da petição inicial, prédios que adquiriram por escritura pública celebrada em 6/8/2009, sendo que, independentemente da referida forma de aquisição derivada translativa, por si e ante-possuidores, há mais de 15, 20, e 30 anos vêm possuindo ininterruptamente os descritos prédios; - Acontece que, os RR. estão a ocupar, sem qualquer título, de forma ilícita e não consentida pelos Autores, o primeiro dos referidos prédios, referindo ainda que o segundo, que ainda não ocuparam, lhes está “arrendado”, razão porque no primeiro vivem e sem que para tanto estejam autorizados.
1.1.- Os Réus, após citação, contestaram todos, quer por exceção [excecionaram os segundos e terceiros Réus a sua ilegitimidade, e, a primeira Ré (CC), uma exceção peremtória, invocando ser titular de contrato de arrendamento e deduzindo pedido reconvencional, peticionando que sejam os Réus condenados a reconhecerem a sua situação de arrendatária, e, em consequência, a absterem-se de praticar atos impeditivos do gozo da coisa arrendada], quer por impugnação motivada, pugnando pela improcedência da acção.
1.2.- Seguindo-se a Réplica, e proferido o despacho saneador, neste último foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos segundo e terceiros Réus, bem como admitido o pedido reconvencional da 1ª Ré, tendo ainda sido selecionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória da causa, não tendo havido reclamações.
1.3.- Por fim, realizada que foi a audiência final, a qual decorreu prima facie com observância do formalismo legal devido, e conclusos os autos para o efeito, proferiu de seguida o tribunal a quo a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor : “ (…) DECISÃO Termos em que se decide: 1. Condenar os RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½ indiviso para cada um: a. Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e Campo … , situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição …, inscrito na matriz urbana sob o artigo 100 e na matriz rústica sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário global de € 3.365,97, dele correspondendo € 2.446,21 à parte urbana e € 919,76; e b. Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., registado a seu favor pela inscrição ..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 282, com o valor patrimonial tributário de € 5.569,82; 2. Condenar a R. CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da presente condenação, dele retirando todos os bens, objectos e animais.
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Absolver os RR. do demais peticionado pelos AA.
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Absolver os AA. do peticionado pela R. CC.
As custas da acção serão suportadas por AA. e R. CC na proporção do decaimento – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.
As custas da reconvenção serão suportadas pela R. CC – cfr. art.º 527.º do C.P.Civil.
..., 2 de Junho de 2014 (31 de Maio e 1 de Junho, fim-de-semana)” 1.4.- Porque inconformada com a sentença proferida e identificada em 1.3., da mesma interpôs então a Ré CC a competente apelação, em que pediu a alteração da matéria de facto dada como provada e a revogação da sentença recorrida.
1.5.- No início e decurso da audiência de julgamento no dia 3/12/2013, na sequência da falta de comparência dos Autores, e não tendo sido prescindida a requerida prestação de depoimento de parte, proferiu o Exmº Juiz a quo decisão de condenação - de cada um dos Autores - no pagamento de 1 UC de multa.
Na sequência da decisão condenatória (em multa) que antecede, e aduzindo estar em causa a obtenção de informação/conhecimento pertinente para efeitos de interposição de competente recurso - cujo objeto será a decisão de condenação dos Autores em multa - , requereu de imediato o Exmº Mandatário dos Autores que os envelopes juntos aos autos a fls. 230 e 231 (correspondentes a expediente relacionado com a notificação dos AA para a audiência de julgamento) fossem abertos e o respetivo conteúdo de pretensa notificação dos Autores exibido, sendo que o requerido foi pelo Exmº Juiz a quo indeferido, com o fundamento de inexistência de fundamento legal e por se tratar de diligência inútil.
Finalmente, invocando como justificação para a junção de concreto documento - datado de 17/7/2003 - contrariar o afirmado pela Ré em sede de depoimento de parte, requereram os Autores a junção aos autos de um documento, pretensão esta que foi objeto de despacho de indeferimento do Exmº Juiz a quo, com o fundamento de não se verificar a previsão legal do nº 3, do artº 423º, do CPC.
1.6.- Inconformados com qualquer das três decisões/despachos indicados em 1.5, atravessaram nos autos os Autores instrumento de apelação autónoma, pedindo que, na integral procedência do recurso, seja revogada a decisão de condenação dos autores em multa por não comparecerem na audiência, e ainda na parte em que decidiu não admitir a junção de documento, para com ele ser confrontada a ré.
1.7.- Debruçando-se sobre a/s apelação/s indicadas em 1.6., proferiu o Exmº Juiz a quo o seguinte despacho: “Por ser admissível, se encontrar em tempo, e o(a)(s) recorrente(s) ter(em) legitimidade, admito o recurso interposto pelo(a)(s) AA. a fls. 252 e seg. (Ref. …), que é de apelação (cfr. artº. 644º/2 d). e e). do C. P. Civil), a subir nos próprios autos (na medida em que já foi proferida sentença final e seria inútil processá-lo em separado) e com efeito meramente devolutivo (artº. 647º/1 C.P.C.)”.
1.8.
- O Tribunal da Relação proferiu, em relação às duas apelações, a seguinte decisão: «Termos em que, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ..., em: «6.1. - Não conhecer do recurso dos AA AA e BB, interposto de decisões interlocutórias proferidas pelo tribunal a quo e identificadas no item 1.6. do presente Ac. ; 6.2.
- Concedendo provimento à apelação interposta pela Ré CC: a) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto; b) revogar a sentença apelada no tocante à decidida condenação da Ré CC a entregar, de imediato, aos AA. o imóvel referido na al. a) do n.º 1 da referida condenação; c) julgar o pedido reconvencional deduzido pela apelante CC procedente, porque provado, e , consequentemente, vão os AA condenados a reconheceram a situação de arrendatária da reconvinte, devendo absterem-se de praticar actos impeditivos do gozo da coisa arrendada; d) manter, no mais, o decidido pelo tribunal a quo em sede de sentença , designadamente no tocante à condenação dos RR. a reconhecerem que os AA. são proprietários, na proporção de ½ indiviso para cada um, dos seguintes prédios: I - Do prédio misto composto de casa de um pavimento, corte, alpendre, barra, eido, eira e …, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ...; II - Do prédio rústico composto de terreno eucaliptal, pinhal e mata de carvalhos, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº …, da freguesia de ....
* 7. - Das custas - Os AA suportarão as custas da apelação identificada em 1.7. ; - As custas da acção serão suportadas pelos AA. apelados e Ré apelante CC, e na proporção, respectivamente, de 4/5 e de 1/5 ; - As custas da reconvenção serão suportadas in totum pelos AA e apelados».
Inconformados, interpõem os autores recurso de revista, em cuja alegação formulam as conclusões exaradas a fls. 485 a 491 e que se consideram aqui integralmente reproduzidas.
Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto de recurso, são as seguintes as questões a decidir: I – Despacho de condenação de cada um dos autores em multa de 1 UC II – Junção de documento em audiência de julgamento; III – Nulidade do acórdão recorrido (art. 674.º, n.º 1, al. c) do CPC) por oposição entre os fundamentos e a decisão IV – Alteração da matéria de facto; V – Anulação do acórdão recorrido e ampliação da matéria de facto; VI – Oponibilidade, ao novo proprietário do imóvel, do contrato de arrendamento rural assinado apenas por um dos herdeiros comproprietários; VII – Caducidade do contrato de arrendamento por falecimento do arrendatário, marido da ré.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Fundamentação de facto A factualidade fixada pelas instâncias é a seguinte: A – FACTOS PROVADOS: 2.1. - Está registada a favor dos Autores, na...
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