Acórdão nº 53/11.6PKLRS-A-S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução30 de Setembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, devidamente identificado, através de petição subscrita pelo seu Exmo. Mandatário, apresentou providência de habeas corpus.

É do seguinte teor a petição apresentada[1]: 1ºPor sentença de 26/01/2011, que transitou em julgado no dia 15/02/2011, foi o Arguido condenado numa pena de prisão pelo período de 9 meses, a cumprir por dias livres, em 54 períodos correspondentes a outros tantos fins-de-semana, por ter praticado um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

  1. O Arguido está a cumprir uma pena privativa de liberdade em regime contínuo desde 15/07/2015, por decisão do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 103213.4TXLSB-A.

  2. Não se conformando com a sua prisão, o Arguido fez um requerimento ao processo nº 53/11.6PKLRS alegando a prescrição da pena, requerimento que não teve resposta e/ou provimento, presumivelmente por se entender que não ocorreu prescrição da pena.

  3. Face ao tempo em que foi proferida a decisão de aplicação da pena, verifica-se, com base no normativo legal do art.º 122.º do Código Penal, que a pena prescreve ao fim de quatro anos após o trânsito em julgado da decisão que a tiver aplicado.

  4. No caso concreto, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não existem ou existiram circunstâncias susceptíveis de suspender ou interromper a contagem do prazo de prescrição, ex vi do art.º 125.º e 126.º do Código Penal.

  5. Dos elementos retirados dos autos, constata-se que não ocorreu qualquer circunstância interruptiva ou suspensiva da execução da pena supra mencionada, até à data em que decorreu, na totalidade, o prazo prescricional.

  6. A Doutrina e a Jurisprudência unânime, acolhem ter a prescrição, em direito penal, o efeito de determinar o desaparecimento da infracção penal, porquanto se tem subjacente o facto de, não se tendo executado a pena a até determinado momento, se entender que se mostra desnecessária a sua aplicação pois a resposta penal deixa de ter justificação – presume-se a pacificação do infractor com a ordem social.

  7. Ora não se pode o arguido conformar com tal posição.

    Porquanto, 9.ºApesar da interposição dos dois recursos em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs ao arguido a pena de 9 meses de prisão - a cumprir em regime de prisão por dias livres, aos mesmos foi fixado efeito devolutivo, não se inscrevendo assim nas causas de suspensão da prescrição da pena, previstas na alínea a), do n.º 1, do artigo 125.º do CP.

    (Conforme Docs. n.º 1 e n.º 2, que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos) 10.ºDe acordo com o disposto no artigo 122.º, n.

    os 1, alínea d) e 2, do Código Penal, as penas de prisão inferiores a dois anos prescrevem no prazo de quatro anos, começando esse prazo a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.

  8. Contemplando normativamente a suspensão da prescrição, refere o artigo 125.º do citado diploma: «1. A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar; b) Vigorar a declaração de contumácia; c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

    1. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão».

  9. A prescrição da pena, como é sabido, é um pressuposto negativo da punição.

  10. Tendo decorrido um prazo considerado pela lei como suficientemente longo desde o trânsito em julgado da sentença que impõe uma pena sem que se inicie a respectiva execução, esfuma-se a carência de pena e, com ela, as necessidades de prevenção especial e geral da punição.

  11. A prescrição da pena tem, pois, uma natureza mista, substantiva e processual, bem podendo dizer-se que as normas relativas a esta matéria são normas processuais materiais (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, págs. 335 e segts.).

  12. Nas palavras sugestivas do Professor Figueiredo Dias (vide in Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág. 699 e segts.), a prescrição da pena cria um obstáculo à sua execução apesar do trânsito em julgado da sentença condenatória e ganha, nesta medida, o carácter de um autêntico pressuposto negativo ou um obstáculo de realização (execução) processual. Já no que toca à vertente substantiva, pode dizer-se que o problema se põe em termos análogos aos que ocorrem quanto à prescrição do procedimento: ainda aqui a prescrição se funda, na verdade, em que o decurso do tempo tornou a execução da pena sem sentido e, por aí, o facto deixou de carecer de punição (ainda para mais, quando, in casu, conforme resulta dos autos, o recluso já obteve habilitação legal para conduzir).

  13. A interposição dos dois recursos acima descritos, em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória que impôs ao arguido a pena de 9 meses de prisão - a cumprir em regime de dias livres -, aos quais foi fixado efeito devolutivo, não se inscreve nas causas de suspensão da prescrição da pena previstas na descrita alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal.

  14. Razões de certeza e segurança jurídica impõem a execução da pena dentro do prazo que o legislador consagrou, findo o qual o Estado perde o interesse na punibilidade do condenado.

  15. Pelo que, viola o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 125.º, n.º 1 do CP, na interpretação de que aqueles recursos interpostos (aos quais foi expressamente atribuído efeito devolutivo pelo Tribunal) pelo condenado no âmbito do processo de execução impediram que o Estado iniciasse a execução da pena.

  16. Segundo o disposto no artigo 2.º da Constituição, «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».

  17. Ora, assim se vê como a interpretação da al. a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal, no sentido acima referido, ou seja, de essa norma contemplar como circunstâncias suspensivas os dois recursos considerados, interpostos pelo condenado, aos quais o Tribunal competente atribui expressamente efeito devolutivo, pode atentar contra o princípio do Estado de direito democrático, em qualquer uma das raízes abrangentes, nomeadamente na dimensão protectora dos direitos, liberdades e garantias.

  18. Interpretação diversa, essa sim, violaria patentemente o dever do Estado na perda de interesse em fazer cumprir decisões dos tribunais para lá do prazo que o legislador consagrou, ou seja quando o Estado perde o interesse na punibilidade do condenado, em casos, como o presente, onde está demonstrado que a intenção do arguido no iter processual não foi furtar-se ao cumprimento da sanção e é patente a desnecessidade de prevenção especial e geral da punição.

  19. Não pode o arguido ficar indefinidamente a aguardar que se declare a extinção da sua pena.

    In Casu, 23.ºEntre a data do trânsito em julgado da sentença condenatória e o da execução da mesma decorreram 4 anos e 6 meses, pelo que entende o Arguido...

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