Acórdão nº 44/14.5T8VIS-B.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

Por sentença proferida no dia 17.10.2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência de AA, Lda.

Junta aos autos a lista de créditos reconhecidos, foi apresentada impugnação pela BANCO BB, SA, relativamente (no que aqui interessa) ao crédito reclamado e reconhecido a CC, LDA, discordando da qualificação do crédito, como garantido com base no direito de retenção (contrato-promessa), pondo ainda em causa a entrega de sinal, a tradição da coisa e a posse das fracções.

Esta credora respondeu à impugnação.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que, relativamente ao aludido crédito impugnado, o reconheceu pelo montante de € 260.000,00, mas como crédito comum, por não beneficiar do direito de retenção.

Discordando desta decisão, a credora "CC" interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a decisão recorrida, considerando que o crédito da Apelante corresponde ao dobro da quantia entregue a título de sinal, € 260.000,00, e juros vencidos, desde a data da resolução, qualificando-se tal crédito como garantido no direito de retenção sobre as fracções autónomas identificadas no ponto 3 da matéria de facto dada como provada na sentença, que se graduará, prévia e prioritariamente, em relação ao crédito da credora BANCO BB.

Inconformada, vem agora a credora BANCO BB pedir revista, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição integral):  1. O Recurso que ora se subjuga à mui douta e criteriosa apreciação de V. Exas. é interposto ao abrigo do artigo 14° do CIRE, porquanto, o Acórdão proferido pela Relação de … sob sindicância encontra-se em clara oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2015, proferido no âmbito do processo 1999/05.6TBFUN-I.LlSl (acórdão fundamento), acórdão este que é reforçado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n° 4/2014 de 20/03/2014 publicado in DR la Série, n° 95, de 19/05/2014, pelo Acórdão deste Supremo datado 25 de novembro de 2014, proferido no âmbito do processo n° 7617/l1.6TBBRG-C.G l.S 1 da 6a Secção, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de fevereiro de 2014, pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de novembro de 2013, todos disponíveis em www.dgsi.pt. facto que legitima a apresentação do presente.

  1. Sempre seria, no entanto, admissível, porquanto o legislador no artigo 14° do CIRE apenas ressalvou de recurso para este Venerando Tribunal dois pontos específicos do processo de insolvência - autos principais e embargos opostos à sentença de declaração de insolvência -, não restringindo a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos demais apensos e situações verificáveis no decurso do processo de insolvência, como, nomeadamente, o apenso de Reclamação de Créditos.

  2. Foi dado como não provado, na Sentença de 1ª Instância que: "1 – Desde finais de 2009 a CC, Lda venha habitando as fracções objecto do contrato-promessa", atento, nomeadamente, que "a reclamante, na reclamação de créditos que apresentou referiu ser uma sociedade que se dedica à actividade de compra e venda de prédios, revenda dos adquiridos para esse fim, à administração e arrendamento de bens imóveis, compra e venda de participações sociais, tudo levando a crer, na ausência de prova em contrário e de acordo com as regras de normalidade e experiência comum, que a aquisição destas fracções não seria para seu uso, ou de familiares ou de quadros da empresa como foi referido, mas sim para revenda" - vide Sentença -, com todas as reservas, cuidados e salvaguardas necessárias.

  3. O facto de ter sido dado como provado o constante, nomeadamente, em 6. e 9. dos factos provados não determina que a ora Recorrida "desde finais de 2010 (...) vem ocupando, utilizando e fruindo as fracções objecto do contrato-promessa, para fins habitacionais de alguns quadros da empresa". O que resulta daqueles factos é que lhe foi dada essa possibilidade! De as ocupar, utilizar e fruir. Mas isso não é demonstrativo de que tal viesse a acontecer. Não existem nos autos factos concretos de utilização das frações, nem tal resulta dos depoimentos prestados em audiência indicados na alínea E) das conclusões de recurso apresentadas pela ali Apelante, aqui Recorrida.

  4. No artigo 1º da Reclamação de Créditos apresentada pela ora Recorrida, esta refere que é uma sociedade que se dedica à atividade de compra e venda de prédios, revenda dos adquiridos para esse fim, à administração e arrendamento de bens imóveis, compra e venda de participações sociais e, nesse seguimento, refere, no artigo 2º daquela, que celebrou com a Insolvente, a 31 de agosto de 2009, um contrato de promessa. A Recorrida, ao assim articular, faz crer que, efetivamente, foi no exercício da sua atividade profissional que celebrou aquele contrato promessa.

  5. Um promitente-comprador não consumidor de imóvel, com traditio, cujo contrato-promessa (com eficácia meramente obrigacional) não foi cumprido pelo administrador da insolvência, não goza do direito ao recebimento do sinal em dobro nem da qualificação do seu crédito como garantido por via do direito de retenção.

  6. Na definição patente no artigo 2°, n° 1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, "considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de beneficios.

    " (sublinhado nosso).

  7. A qualidade de consumidor deve ser entendida no seu sentido estrito, correspondente à pessoa que adquire um bem ou serviço para uso privado, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.

  8. Ainda que se entendesse como válida a alteração da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido ("Desde finais de 2010 a CC, Lda vem ocupando, utilizando e fruindo as fracções objecto do contrato-promessa, para fins habitacionais de alguns quadros da empresa, de familiares e de amigos do legal representante da Apelante") sempre esta matéria de facto não se enquadra no conceito estrito de consumidor, porque a aquisição da fracção não se destinou a satisfazer as necessidades pessoais e familiares do adquirente, não se tratando de habitação própria permanente do adquirente.

  9. A Recorrida é uma sociedade comercial por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de … sob o n° 000 000 540, que se dedica à atividade de compra e venda de prédios, revenda dos adquiridos para esse fim, à administração e arrendamento de bens imóveis, compra e venda de participações sociais.

  10. A aquisição das frações "G" e "AG" não se destinavam a uso próprio, pelo que, não sendo a compradora, ora recorrida, consumidor no sentido estrito a que se referem os acórdãos "interpretativos" deste Supremo, datados de 17/11/2015 (acórdão fundamento) e 25/11/2014 ( ambos em www.dgsi.pt) do AUJ n° 4/2014, de 20.03.2014, publicado no Diário da República, I Série, n° 95 de 19/05/2014, não pode o seu crédito ser garantido por via do direito de retenção, devendo, ao invés, ser classificado de crédito comum.

  11. Consumidor é a pessoa singular que adquire uma habitação própria e permanente com recurso às suas poupanças e eventual crédito bancário, sendo, portanto, a "parte mais débil", tendo em consideração que está em causa a sua habitação e o investimento no imóvel com recurso às suas poupanças, pelo que, somente este fim pode ser configurado no sentido de consumidor para efeitos de reconhecimento do direito de retenção previsto no art° 755° n° I alínea f) do Código Civil.

  12. A Recorrida, enquanto sociedade que se dedica à atividade de compra e venda de prédios, revenda dos adquiridos para esse fim, à administração e arrendamento de bens imóveis, compra e venda de participações sociais, não pode ser considerada consumidor por não ter adquirido os imóveis para seu uso pessoal, como melhor resulta da mais recente Jurisprudência chamada a decidir sobre tal querela, nomeadamente, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2014.

  13. Na definição patente no artigo 2°, n° 1, da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho, alterada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, "considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios".

  14. Também, a recusa pelo Administrador da Insolvência seria sempre admissível e, consequentemente, a aplicação dos artigos 102° e seguintes do CIRE, porquanto, é legítimo que se endosse ao próprio insolvente, em termos de imputabilidade reflexa, o incumprimento definitivo daquele contrato, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2014.

  15. O negócio titulado pelo contrato promessa celebrado entre a insolvente e a Credora ora Recorrida ainda se encontrava em curso, como bem notado na Sentença de 1ª Instância, facto que determina a aplicação dos artigos 102° e seguintes do CIRE.

  16. Dispõe artigo 102° do CIRE que "… em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração da insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento." 18. Se houvesse total cumprimento daquele contrato não teria, certamente, a Recorrida, reclamado o seu crédito, como fez nos presentes autos, tanto mais que, não se verifica a celebração da escritura pública definitiva com o consequente distrate da hipoteca a favor da credora BANCO BB, S.A., e, consequentemente, o cumprimento, total, daquele contrato.

  17. Considerando-se que ocorreu o incumprimento definitivo (sendo certo que, a ora Recorrente é terceiro...

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