Acórdão nº 879/14.9TBSSB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PIÇARRA
Data da Resolução15 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e «Banco CC, SA» (BCP), alegando, em síntese, que: É única herdeira de seu pai, DD, falecido em 4/1/2014, que viveu em união de facto com EE, irmã da R., e igualmente falecida, em 3/12/2013.

Seu pai era titular de contas de depósito no Banco R. que, apesar de informado de que esse dinheiro era, praticamente na sua totalidade, produto de rendimentos auferidos pelo seu pai, e não pela companheira deste, procedeu indevidamente à entrega à R. de metade de todo o dinheiro ali depositado.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação solidária dos RR. nos seguintes termos: a) a restituírem-lhe a quantia de €268.723,44 de que a R. beneficiou; b) a pagarem-lhe juros sobre aquela quantia, à taxa legal, vencidos, que computou em €4.064,00, à data da instauração da acção e vincendos até integral pagamento; ou em alternativa, c) a reporem aquela quantia em benefício da A., por ter havido enriquecimento sem causa à custa desta.

O Banco R. contestou, alegando, no essencial, que as contas bancárias referidas pela A. eram solidárias, em nome do pai dela e da irmã da R., pelo que se orientou pela presunção legal emergente do art.º 516º do Cód. Civil de que o dinheiro em causa pertencia a ambos os titulares, em partes iguais, desconhecendo e não tendo de saber se o dinheiro era pertença efectiva de apenas um dos titulares. E, perante o falecimento da irmã da R. não poderia deixar de entregar metade do valor dos depósitos à sucessora daquela, procedimento esse que foi, aliás, aceite pela A., concluindo, nessa base, pela sua absolvição do pedido.

Também a R. contestou, alegando, por sua vez, que tinha direito a metade do dinheiro depositado nas contas solidárias em nome do pai da A. e da sua irmã, por esse dinheiro ser produto da vida em comum de ambos ao longo de cerca de 30 anos, pelo que o Banco R. procedeu correctamente ao entregar-lhe metade desse dinheiro, em aplicação da presunção de comparticipação em partes iguais decorrente do art.º 516º do Cód. Civil, e, com tal fundamento, pediu em reconvenção o reconhecimento da união de facto que existiu entre o pai da A. e a sua irmã, a condenação da A. a reconhecer essa união de facto e que o valor de €268.723,44 pertence à R., enquanto herdeira daquela.

Na sequência da normal tramitação processual, foi realizado o julgamento e lavrada sentença que, na parcial procedência de acção e da reconvenção, condenou os RR. a pagar à A., solidariamente, a quantia de €267.979,91, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre €23.187,40 desde 3/4/2014 e sobre €244.792,51 desde 10/3/2014, vencidos e vincendos, até integral pagamento, reconhecendo ainda a união de facto entre o pai da A. e a irmã da R. por mais de 20 anos.

Discordando dessa decisão, apelou o Banco CC, com total êxito, tendo a Relação de Évora, revogado a sentença, no tocante ao recorrente, e decidido absolvê-lo do pedido.

Agora inconformada, interpôs a Autora recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem: a. O Banco CC montou nesta causa uma estratégia de desconexão unilateral, procurando libertar-se, crê-se que infrutiferamente, de qualquer responsabilidade, através de argumentos insólitos e denodados esforços dialécticos, assentes numa interpretação forçada do direito que sinceramente não se afigura colher vencimento.

  1. É facto público e notório do n° 1 do artigo 412° do Código de Processo Civil que, à semelhança usual da generalidade das entidades bancárias, o Banco CC igualmente costuma fazer rodear todas as suas operações de balcão de uma cadeia rigorosa e precisa de exigências administrativas ou burocráticas que não raro atinge mesmo o excesso a outrance.

  2. Ainda que não seja qualificada como facto notório, essa prática é uma presunção segura a que se chega através de juízos baseados na experiência comum (artigos 349° e seguintes do Código Civil) e como tal uma concludente subsunção fáctica à normação.

  3. Causa por isso ainda maior assombro, indignação ou revolta aqui o ânimo leve e impúdico com que transferiu para BB a quantia de quase 300 mil euros mediante a simples exibição da sua relação de mera herdeira de EE e só pelo simples facto de o nome desta falecida figurar também na conta dos autos.

  4. Só que simultaneamente já tinha falecido, entretanto, depois desta o outro titular e a sua filha ora recorrente se apresentava de igual modo como candidata aos referidos fundos.

  5. Alega o Banco CC ter-se limitado a socorrer-se da presunção do artigo 516° do Código Civil.

  6. Mas desconhece ou omite que essa presunção só pode funcionar no confronto normal e pacífico entre vivos, sob pena de ter de se abrir em juízo a possibilidade de realizar a prova tendente a ilidi-la, como aqui veio a acontecer a favor da recorrente, pelo que o Banco CC ao invés e prematuramente aplicou-a de modo arbitrário e avulso.

  7. Efectivamente, não funciona quando já se perfila um conflito potencial ou real de cariz jurídico-sucessório, que só pode ser dirimido por acordo entre os protagonistas ou pelo recurso a juízo e nunca por um banco carecido de quaisquer funções jurisdicionais.

  8. É o caso vertente e em que, omitindo mesmo o exercício de um seu direito de regresso e obrigando a recorrente ao ónus de seguir para tribunal, com toda a gama de incómodos e despesas inerentes e onde enfim logrou justamente ilidir aquela presunção, impendia por isso sobre o Banco CC a obrigação de reter aquele depósito até ser proferida a competente decisão (nesse sentido o acórdão da Relação de Lisboa de 26Jan2016 citado pela própria douta sentença da primeira instância).

  9. O Banco CC agiu perante herdeiros como se estivesse diante dos próprios titulares que, todavia, entretanto já tinham falecido e aí e nesse preciso momento começou a residir a ilicitude da sua conduta.

  10. O próprio artigo 516° in fine abre justamente a possibilidade como no caso em apreço da relação jurídica tecida entre os titulares dimanar que só um deve obter o benefício do crédito.

  11. Como sabiamente se extrai da douta sentença da primeira instância, observando com atenção o caminho nefasto percorrido pelo Banco CC, bem poderia ter sucedido este se ter precipitado ainda mais, entregando a totalidade da quantia em causa a BB.

  12. O que se espera de um banco como o Banco CC é que, pelo seu superior conhecimento das técnicas de intervenção, esta se processe com o domínio absoluto da factualidade concreta e da legalidade a esta aplicável, sem quaisquer desvios e muito menos comprometedores.

  13. Infelizmente estes aconteceram no caso sujeito e sinceramente se julga plenamente geradores da correspondente responsabilidade civil.

  14. Tal como as entidades privadas, também os bancos estão sujeitos ao direito comum e mormente às normas que preveem a responsabilidade civil.

  15. BB é presuntivamente tão humilde como ressalta dos autos que a irmã o era e, ainda que o não fosse, forçosamente recebeu in casu do Banco CC quanto aos elementos essenciais e acrescidos do acto ou compromisso aquela conduta comunicativa com pretensões de normatividade (na curiosa expressão do professor Baptista Machado in RLJ, 117°, página 232 ) e as inerentes informações que vieram a revelar-se deficientes, distorcidas, falsas ou incorrectas e daí grave e sumamente danosas e nocivas para o património da recorrente, que ficou desfalcado na...

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