Acórdão nº 29101/14.9TTLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LEONES DANTAS
Data da Resolução16 de Novembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - AA, 2 - BB, 3 - CC, 4 - DD, 5 - EE, 6 - FF, 7 - GG, 8 - HH, 9 - II, 10 - JJ, 11 - KK, 12 - LL, 13 - MM, 14 - NN, 15 - OO, 16 - PP, 17 - QQ, 18 - RR, 19 - SS, 20 - TT, 21 - UU, 22 - VV, 23 - XX, 24 - ZZ, e 25 - AAA, instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o METROPOLITANO DE LISBOA, E.P., pedindo a condenação da Ré: a) A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos Autores, retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até dezembro de 2013; b) A pagar a cada um dos Autores o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que, a partir de janeiro de 2014 e até ao momento da sentença, tenha deixado de pagar a cada um dos Autores, nos valores supra indicados, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um até integral pagamento; c) A pagar a cada um dos Autores, a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, igualmente acrescido dos competentes juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Invocaram como fundamento das suas pretensões, em síntese, que foram todos trabalhadores da Ré, sendo-lhes aplicáveis, para além das diversas normas legais e constitucionais, as normas constantes dos diversos e sucessivos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho celebrados entre a Ré e os Sindicatos representativos dos trabalhadores ao seu serviço, sendo que, pelo menos desde 1971, foi em tais IRCTs consagrado, reconhecido e executado pela Ré o direito dos trabalhadores a receberem complementos de pensões de reforma que visavam aproximar o valor de tais pensões do quantitativo líquido que cada trabalhador receberia se, na altura da reforma, se encontrasse, ou continuasse, ao serviço ativo.

Relativamente a todos os trabalhadores que foram admitidos na empresa Ré até 31/12/2003 – como é o caso dos Autores – verteu-se na esfera jurídica de cada um o citado direito a, uma vez reformado, receber – pago ou assegurado pela empresa Ré – um complemento da pensão que lhe fosse atribuída pela Segurança Social, sendo que em 2003 foram criados pela Ré mecanismos para permitir a criação de um Fundo de Pensões de reforma sustentável para os trabalhadores da empresa Ré, que assegurasse o respeito pelo direito dos Autores e dos seus colegas aos complementos de reforma.

Até dezembro de 2013 sempre a empresa Ré cumpriu com as suas obrigações normativas para com os Autores, assegurando o pagamento dos respetivos complementos das suas pensões de reforma.

Porém, a partir de janeiro de 2014 e sob a invocação do artigo 75.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014, a Ré cessou unilateralmente o pagamento dos referidos complementos.

A verdade é que tal disposição não pode ter a virtualidade jurídica de conferir alguma espécie de licitude à cessação dos pagamentos dos complementos a que a Ré se encontrava e encontra juridicamente vinculada, disposição que, interpretada e aplicada como foi pela empresa Ré como fundamento para a cessação do pagamento dos mencionados complementos, se revela, a vários títulos, manifestamente inconstitucional por violação, designadamente, do direito à contratação coletiva consagrado no art. 56º n.º 3 da CRP, bem como do princípio da confiança e da segurança jurídica ínsito na ideia do Estado de Direito consagrado no art. 2º da Lei Fundamental.

Submetidos à situação de verem súbita e drasticamente diminuídas as suas disponibilidades financeiras, os Autores sentiram-se marcadamente revoltados e traídos na sua confiança, bem como muito vexados, humilhados e angustiados sem saberem qual irá ser o seu futuro e o dos seus familiares mais próximos.

A Ré apresentou contestação, concluindo que o artigo 75.º da LOE 2014 não viola qualquer norma ou princípio constitucional e que desconhece, sem ter de conhecer, a existência de danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, razão pela qual entende que a ação deve ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido.

Entretanto, BBB e CCC, foram habilitados como herdeiros do Autor «6 - FF».

Em 08/04/2016, por se entender que os autos continham todos os elementos que permitiam a prolação de decisão de mérito, foi proferido saneador/sentença que, apreciando as questões da inconstitucionalidade do artigo 75º da Lei n.º 83-C/2013 de 31-12 (LOE/2014) e dos danos não patrimoniais invocados pelos Autores, concluiu com a seguinte: «4. Decisão: 4.1. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se: 4.1.1. Julgar totalmente improcedente o pedido e, em consequência absolver a ré Metropolitano, EP do pedido.

4.2. Custas a cargo dos autores».

Inconformados com esta decisão, dela recorreram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa que veio a conhecer dos recursos interpostos por acórdão de 8 de fevereiro de 2017, com um voto de vencido, e que integrou o seguinte dispositivo: «Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação deduzida pelos Autores/apelantes e, consequentemente, decidem manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas a cargo dos Autores/apelantes.» Irresignados com este acórdão, vários autores interpuseram do mesmo recurso para o Tribunal Constitucional.

Por sua vez, os autores - 2 - BB, 4 - DD, 7 - GG, 8 - HH, 11 - KK, 12 - LL, 14 - NN, 15 - OO, 16 - PP, 17 - QQ, 18 - RR, 20 - TT, 21 -UU, 22 - VV, 25 - AAA, vieram do mesmo interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1ª Está em causa nestes autos a apreciação da vigência ou não na ordem jurídica portuguesa de uma alteração legislativa que, subitamente, autorizou a Empresa Ré Metropolitano de Lisboa a cessar o pagamento aos AA., como seus ex-trabalhadores entretanto reformados – bem como a todos os reformados de todas as empresas do setor público empresarial relativamente às quais se verificasse o circunstancialismo nele previsto, como sucedeu também – nomeadamente com a Carris – dos respetivos complementos de reforma consagrados e reconhecidos, e desde há muito, na respetiva contratação coletiva, 2ª Muito em particular à luz dos preceitos e princípios não apenas da Constituição formal, mas também da Constituição material e do Direito Internacional vigente, em particular do Direito Comunitário, desde a DUDH até ao Tratado da União e da Carta Comunitária dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores, 3ª Para aferir se é ou não de ter por legítima e digna de proteção, designadamente constitucional – como o próprio Tribunal Constitucional consagrou no seu recentíssimo Acórdão nº 3/2016, de 13/1/16, em sentido diametralmente oposto ao pelo próprio TC consagrado no Acórdão nº 413/2014, tão elogiado, glosado e citado pelo Acórdão recorrido – a crença de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, “manteria uma configuração consentânea com a finalidade e com a natureza originais” dos complementos de reforma, 4ª Estando assim em causa questões não casuísticas e pontuais, mas questões suscetíveis de amplíssima capacidade de expansão da controvérsia que lhes respeita, 5ª Porque, por um lado, está em questão fundamentalmente o respeito por preceitos e princípios fundamentais da nossa Sociedade e da nossa Ordem Jurídica, à luz não apenas do direito supralegal interno mas também do internacional, maxime comunitário, a cuja interpretação e aplicação conformes, aliás, os órgãos jurisdicionais nacionais estão vinculados e que devem respeitar com particular rigor, sob pena de o Estado português poder ser condenado pelo Tribunal de Justiça da U.E., como recentemente sucedeu. Contudo, 6ª Para além da problemática cuja apreciação, pela sua enorme relevância jurídica, se revela indispensável para uma melhor aplicação do Direito, os interesses aqui em causa – que podem abranger milhares de trabalhadores e que se prendem com a admissibilidade de soluções legais consubstanciadoras do seu lançamento na miséria mediante cortes até 60% no respetivo rendimento disponível – são de inegável e particularíssima relevância social.

7ª Mais que os interesses – inteiramente legítimos – dos AA. ora recorrentes, o que está aqui verdadeiramente em causa é, assim, o interesse geral de uma boa e correta aplicação do Direito, com natureza e função uniformizadora que a Jurisprudência deste STJ inquestionavelmente tem.

8ª Acresce que na questão sub judice não existe “dupla conforme sem voto de vencido”, visto que existe um voto de vencido, aliás de inquestionável qualidade e em que verdadeiramente se analisam (ao invés do Acórdão) algumas questões decidendas.

9ª Acresce que, quanto aos AA. ora recorrentes, o valor dos complementos de reforma a considerar no critério (ainda que erróneo) – e com aqueles não concordam mas se veem, por razões da sua capacidade financeira, constrangidos a conformar-se – do Acórdão para efeitos do valor da causa e de recorribilidade das decisões é superior a € 30.000,01 e, logo, inexiste qualquer razão para o STJ se eximir a conhecer do objeto do presente recurso.

10ª O Tribunal não está vinculado pelo enquadramento que as partes dão à questão mas, por um lado, tem de conhecer oficiosamente o Direito, todo o Direito (o que é, aliás, uma decorrência do princípio da legalidade do conteúdo das decisões judiciais), não se podendo eximir a fazê-lo sob fórmulas tabelares como as de que “não se vislumbram” violação de determinados preceitos, sem proceder a qualquer efetiva apreciação da questão, como tem também e forçosamente de resolver todas as questões que lhe tenham sido submetidas, ainda que possa interpretar e aplicar normas jurídicas distintas, ou até as mesmas que as partes invocaram, mas num sentido diferente do alegado por elas.

11ª A eximição do Tribunal da Relação de Lisboa à análise e decisão das questões...

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