Acórdão nº 5817/07.2TBOER.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução04 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: “AA, S.A.”, com sede na ..., veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido, em 14 de fevereiro de 2012, pela 1.ª Secção, deste Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo nº 5817/07.2TBOER.L1.S1[2], em que eram recorrentes BB e “CC, LDA.” e recorrido DD, ao abrigo do disposto pelos artigos 696.º, n.º 1, f) e 697.º, n.

os 1 e 2, b), ambos do Código de Processo Civil (CPC), pedindo que, na sua procedência, seja revogado o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que julgue a revista procedente e, em consequência, a ação improcedente, por não provada, atento o preceituado pelo artigo 701º, n.º 1, b), do CPC), formulando as seguintes conclusões que, em seguida, se transcrevem, integralmente:

  1. Em 29 de Dezembro de 2016 a CC – Sociedade Jornalística e Editorial Lda. foi extinta por meio de fusão, através da transferência global do respectivo património, com transmissão dos direitos e obrigações para a AA, S.A. que é, por isso, parte legítima, nos termos do disposto no artigo 631.º, n.º 1, do CPC, devendo passar a ocupar a posição de Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.

  2. Por entender que a expressão “delírio provocado por consumo de drogas duras”, constante do artigo de opinião de autoria do Réu BB, publicado na edição de 07 de Outubro de 2004 da revista “...”, propriedade da Recorrente, era imputada à pessoa do Autor, Dr. DD, que na altura desempenhava as funções de Primeiro-Ministro de Portugal e que, assim sendo, o referido artigo de opinião lançava a suspeita de que o mesmo era um potencial consumidor de drogas duras, não se tratando, por isso, de uma crítica objetiva mas sim pessoal ao Autor e, portanto, ilícita, foi proferido acórdão em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1, que confirmou as decisões anteriores, tendo a Recorrente e o seu jornalista BB sido solidariamente condenados ao pagamento de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização por danos morais ao (então recorrido) Dr. DD.

  3. Não se conformando com tal condenação a Recorrente apresentou queixa no TEDH, à qual foi atribuído o n.º 55442/12, no âmbito da qual foi proferido acórdão em 30 de Agosto de 2016, a ...ª Secção do TEDH, que admitiu a queixa e declarou que houve violação do artigo 10.º da CEDH, condenando o Estado Português a pagar à Recorrente o montante de €30.000,00 (trinta mil Euros), acrescido de juros, por danos materiais e o montante de €8.919,00 (oito mil novecentos e dezanove Euros) acrescido de juros, a título de custos e despesas.

  4. Em tal acórdão o TEDH decidiu que a condenação da Recorrente, máxime os fundamentos da negação da Revista pelo STJ, constitui uma ingerência ao direito à liberdade de expressão da Recorrente que não era necessária numa sociedade democrática, pelo que não cumpre os requisitos previstos no parágrafo 2 do artigo 10º, da CEDH.

  5. O TEDH considerou que as expressões do artigo de opinião em causa, apesar de serem caracterizadas por um certo grau de provocação, não podem ser consideradas um ataque pessoal e gratuito contra o ex-Primeiro Ministro, configurando crítica sobre questão de interesse público no âmbito da actividade jornalística.

  6. Pelo que, o acórdão proferido em 14 de Fevereiro de 2012 pela 1ª Secção desse Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 5817/07.2TBOER.L1.S1 é inconciliável com o mencionado acórdão do TEDH, que se tornou definitivo em 30 de Novembro de 2016, sendo obrigatório e tendo força vinculativa, nos termos do artigo 8º da CRP e do artigo 46.º da CEDH.

  7. Encontrando-se assim, reunidos os fundamentos para que se proceda à sua REVISÃO, nos termos da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.

  8. O presente recurso é tempestivo e encontra-se instruído com os elementos necessários, nos termos do disposto nos artigos 697.º, nºs 1 e 2, alínea b), e 698.º, nºs 1 e 2 do CPC.

  9. Devendo admitir-se o recurso de revisão, por se encontrarem verificados os pressupostos e requisitos previstos nos artigos 696.º, n.º 1, alínea f), 697.º e 698.º, todos do CPC, fazendo consignar nos autos que a AA, S.A. assume, para todos os efeitos legais, a qualidade de parte activa em substituição da presentemente extinta CC - ..., Lda. ao abrigo do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC.

Na sua resposta, o recorrido DD conclui no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, e, em consequência, improcederem os pedidos formulados, com vista à revogação do acórdão recorrido, considerando, nomeadamente, que: 1. O Recorrido não foi parte no processo que correu termos no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), não tendo sido ouvido e/ou chamado a pronunciar-se sobre o mesmo, o que se mostraria essencial na ponderação dos direitos em causa – maxime, direito ao bom-nome, imagem e reputação versus direito à liberdade expressão –, atenta a sua natureza e na medida em que o “direito ao bom-nome e reputação consiste, essencialmente, no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social, mediante imputação feita por outrem” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4ª edição, revista, 2007, 464 e 466); …………………………………………………………………………………… 18. Ora, antes de mais, não poderá deixar de referir-se que, ao contrário do que se faria esperar, a defesa do Estado português conformou-se com a decisão proferida pelo TEDH, ao não requerer a devolução do assunto ao Tribunal Pleno, conforme resulta do doc. 4 junto ao recurso de revisão, permitindo que o mesmo se tornasse definitivo – o que ocorreu a 30 de novembro de 2016.

19. Quem apresentou queixa junto do TEDH contra o Estado Português para denunciar violação da “sua” liberdade de expressão foi a CC, LDA. (ora AA, S.A.) e não o jornalista BB, cuja alegada violação do direito à respetiva liberdade de expressão – este sim – poderia eventualmente suscitar-se nesta sede para efeitos de sindicância sobre a inconciliabilidade das duas decisões.

…………………………………………………………………………………………… 21. De facto, foi BB, Réu nos presentes autos, quem escreveu o artigo em questão.

22. Mas, BB não apresentou naquela instância internacional qualquer queixa visando ofensa a alegado direito infringido! 23. O que significa que este Réu conformou-se com a decisão que lhe imputou uma ofensa ilícita à reputação do visado, ora Recorrido, aceitando-a.

………………………………………………………………………………………… 25. Foi entendimento unânime nas instâncias nacionais que o Réu BB com a referência “Será um delírio provocado pelo consumo de drogas duras (…)”, resvalou para a ofensa gratuita à pessoa do Autor, ora Recorrido, de forma perfeitamente descontextualizada e sem qualquer substrato opinativo ou informativo, que o legitimasse, o que fez através de um meio particularmente abrangente e merecedor de grande credibilidade por parte da maioria do público leitor.

26. O reexame do caso judicial ora suscitado pelo recurso de revisão interposto relativamente ao Réu/jornalista em questão é atentatório do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado relativamente a este, que o aceitou.

29. A reabertura de processos só se revela indispensável perante sentenças em que o TEDH constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de uma violação da Convenção em virtude de erros ou falhas processuais de uma gravidade tal que suscite fortes dúvidas sobre a decisão e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências...

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