Acórdão nº 5232/13.9TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA - Catering & Companhia, Lda. (A.), intentou ação declarativa, sob o regime experimental, em 07/08/2013, contra a BB - Companhia de Seguros, S.P.A.

, sucursal em Portugal da CC, S.P.A.

(R.

), alegando, no essencial, o seguinte: .

A A., enquanto proprietária de um estabelecimento comercial, consistente em restaurante, denominado DD, sito na Rua …, n.º …, em Leça da Palmeira, celebrou com a R., em 04/06/2010, um contrato de seguro com as seguintes coberturas: do edifício ou fração onde o restaurante se inseria, pelo valor de capital de € 100.000,00; do recheio do estabelecimento, avaliado em € 135.750,00; a cobertura complementar de perdas de exploração, pelo capital de € 120.000,00; .

Em 18/08/2010, cerca das 02h30, ocorreu um incêndio no referido restaurante, o que provocou a destruição completa do mesmo e do seu recheio, determinando o seu encerramento desde aquele dia até à data da propositura da ação; .

A A. participou à R. o indicado sinistro, no âmbito do sobredito contrato de seguro, reclamando o pagamento dos valores por que foram avaliados os bens segurados, bem como do capital de € 82.712,58, correspondente às perdas de lucros decorrentes do encerramento do restaurante, desde 18/08/2010 a 06/08/2013; .

Porém, a R. recusou tal pagamento.

Concluiu a A. a pedir a condenação da R. a pagar-lhe a quantia total de € 351.501,78, acrescida de juros de mora civis vencidos e vincendos, desde 18/08/2010 e até integral pagamento, bem como a quantia mensal de € 2.300,00, por perdas de exploração, acrescida de juros de mora vincendos desde a data da apresentação da petição inicial.

  1. A Ré contestou, a arguir a anulabilidade e a impugnar os factos e os valores alegados na petição inicial, sustentando que: .

    O contrato de seguro foi celebrado com base em falsas declarações da A, já que esta nunca teria sido proprietária do edifício onde estava instalado o estabelecimento comercial, nem desse estabelecimento comercial ou do seu recheio, nunca chegando a adquiri-lo por trespasse; .

    O contrato sempre seria nulo, por falta de interesse, relativamente à cobertura referente aos bens de que a A. não era proprietária; .

    O estabelecimento ocupava apenas parte do rés-do-chão e não também o 1.º andar; .

    Na situação dos autos, estamos perante uma situação de fogo posto, sendo autor do incêndio o legal representante da A., não estando, como tal, coberto pelo contrato seguro que abrange apenas o sinistro fortuito, súbito e imprevisto; .

    Os danos causados a terceiro não estão cobertos pelo contrato de seguro celebrado.

    Nessa base, concluiu pela declaração de nulidade ou anulação do contrato de seguro em referência e pela improcedência da ação com a consequente absolvição da R. dos pedidos.

  2. Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual foi apresentada pela A. a resposta escrita de fls. 294-295, foi fixado o valor da causa, proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio, sendo também enunciados os temas da prova.

  3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 476-489, datada de 15/12/2015, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição da R. do pedido.

  4. Inconformada com tal decisão, a R. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, através do acórdão de fls. 557-588, datado de 15/12/ 2016, julgou improcedente a apelação, confirmando, ainda que com fundamentação diversa, a sentença recorrida.

  5. Mais uma vez inconformada, a R. vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O contrato de seguro junto e discutido nestes autos é válido e eficaz entre as suas partes; 2.ª - Não havendo prova de qualquer causa de exclusão das coberturas previstas em tal contrato, deve a R. ser condenada a pagar à A. os valores indemnizatórios peticionados.

    1. - Isto porque a A. com o incêndio ocorrido ficou sem o seu estabelecimento e com isso teve perdas de exploração.

    2. - O acórdão recorrido julgou improcedente tais pedidos por considerar que os móveis existentes no estabelecimento da A. segurado pertenciam ao sócio-gerente da A. e não à A., e porque, sendo bens pertencentes a terceiro, estavam excluídos da cobertura do seguro contratado por força do disposto na al. b) do n.º 3 do art.º 5.º das condições gerais do contrato do seguro; 5.ª - E também decidiu não atribuir indemnização à A. recorrente por perdas de exploração, entendendo que A. apenas subscreveu a cobertura de "custos fixos", prescindindo da cobertura do respeitante a "lucro líquido" ou do respeitante a outros danos por “inatividade comercial”, não tendo a A. comprovado quaisquer perdas em " custos fixos".

    3. - À A. não está vedado este recurso, posto que a improcedência resulta de fundamento essencialmente diferente do sentenciado em 1.ª instância (art.º 671.º, n.º 3 CPC).

    4. - Porém, não assiste razão ao decidido pelo Tribunal “a quo”, porquanto o objeto segurado era um estabelecimento – restaurante - e não apenas um recheio móvel; 8.ª - Ainda que se aceitasse que o recheio está excluído de cobertura, o valor perdido no incêndio com a perda total deste estabelecimento não está, porque não se limitava a este.

    5. - Aliás, as condições gerais do seguro previam “conteúdo - bens objeto da atividade comercial do segurado – no valor de € 135.750,00, não especificando que tal conteúdo era apenas o recheio móvel.

  6. ª - Se assim o fosse, o seguro não tinha conteúdo de cobertura.

  7. ª - E o mesmo se diga quanto à cobertura do imóvel, onde se encontrava instalado o estabelecimento.

    1. - Resulta da prova produzida e atendida pela sentença da 1.ª instância e acórdão recorrido que a A. também contratou seguro quanto ao imóvel e que não havia quaisquer dúvidas que ambas a partes sabiam que não era da propriedade do A..

    2. – A A. assim contratou porque o corretor de seguros e técnica de avaliação de risco da R., verificando no local que se tratava de edifício antigo, comunicaram ao legal representante que também devia cobrir o imóvel, para a final assegurar o risco pretendido, isto é, o restaurante; 14.ª - Pretendeu-se afinal assegurar pelo menos a subsistência estrutural do rés-do-chão de tal prédio onde o estabelecimento estava instalado, porque sem tal espaço, o estabelecimento também não tinha como funcionar.

    3. - Ou há manifesta má-fé da R. que tem conhecimento por diversos documentos juntos ao processo de seguro que o recheio e o imóvel não são juridicamente reconhecidos como sua propriedade e ainda assim aceita celebrar o seguro, não sanando a falta de na apólice não ter sido aposta uma cruz, onde se indica "bens de terceiro", ou não há faltas a considerar, mas o seguro que cobre um estabelecimento que foi totalmente destruído por um incêndio e tem de cobrir o valor de indemnização, que por apólice assegura, seguindo a sua avaliação de risco, e do bem segurado (um estabelecimento).

    4. - Interpretação em sentido diverso sempre teria de ser vedada, considerando configurar manifesto abuso de direito (art.º 334.º do CC), que para os devidos efeitos se invoca.

    5. - Em suma, tendo por válido e eficaz o contrato de seguro sub judice, sempre o Tribunal terá de condenar a R. pagar à A. o valor indemnizatório que lhe cabe por ter assegurado com tal seguro o seu estabelecimento, como peticionado.

    6. - Quanto às perdas de exploração, ainda que podendo ser de aceitar o entendimento vertido no acórdão recorrido, também é indubitável que ficou fixado pelas partes a razão mensal de € 2.300,00 e que a cobertura do seguro previa um mínimo de três meses para perdas de exploração.

    7. - Á data da celebração do seguro o restaurante não estava a funcionar e foi comprado para ser posto a trabalhar com um novo conceito de cozinha, sendo por isso que o sócio-gerente da A. também não sabia que valor é que haveria de segurar a este título.

    8. - Mais uma vez por aconselhamento do corretor de seguros foi preenchida a apólice do modo a que se encontra junta aos autos.

    9. – É evidente que quem faz o investimento na compra de um restaurante tem em vista um lucro para a sua exploração, ainda que possa não se concretizar.

    10. - No caso sub judice, o sócio-gerente da A. nem teve tempo de apurar se fez um bom ou um mau investimento, porque o estabelecimento ardeu poucos meses após abrir, sendo essa a razão pela qual a A. nem dispunha de mais elementos relativamente à sua facturação dos que juntou à sua p.i.

    11. - Pelo que no mínimo por perdas de exploração, a R. seguradora sempre tem de ser condenada a pagar à A. o valor de € 6.900,00.

    Pede a Recorrente que se julgue válido e eficaz o contrato de seguro ajuizado e se condene a R. na indemnização que contratou pela perda total do estabelecimento e bem assim em indemnização pelas respetivas perdas de exploração.

  8. A R. contra-alegou a sustentar a confirmação do julgado.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto do recurso Estamos no âmbito de uma ação declarativa instaurada em 07/08/2013, em que as decisões impugnadas foram proferidas em 15/12/2015 (na 1.ª instância) e em 15/12/2016 (na Relação), pelo que é aqui aplicável o atual regime recursório, por via do disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/ 2013, de 26-06.

    Assim, muito embora o acórdão recorrido tenha confirmado, por unanimidade, a sentença absolutória da 1.ª instância, o certo é que o fez com base em fundamentação que se tem por essencialmente diferente, não se verificando, por isso, o impedimento da dupla conforme, nos termos preceituados no n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

    Considerando que o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC, as questões a decidir consistem em saber se assiste à A. o direito a ser indemnizada, no quadro do contrato de seguro por ela celebrado com a R. em 04/06/2010, pelos danos resultantes do incêndio ocorrido em 18/08/2010 no estabelecimento comercial acima identificado, respeitantes: a) – à perda do...

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