Acórdão nº 2210/12.9TASTB-AB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Agosto de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução09 de Agosto de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

AA, em prisão preventiva à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional de ..., «a aguardar decisão da Reclamação apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 405.º do Código de Processo Penal», vem requerer: «Providência de HABEAS CORPUS em virtude de prisão ilegal, Nos termos e com os seguintes fundamentos: 1º Em 27 de Março de 2014, o arguido (ora requerente) foi apresentado ao Juiz de Instrução Criminal de ..., para primeiro interrogatório judicial.

  1. Neste interrogatório foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, que está a cumprir desde 29 de Março de 2014, no estabelecimento prisional de ....

  2. Procedem os presentes autos por crimes subsumíveis na previsão do n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal.

  3. Em 21/07/2014 foi proferida douta decisão do Meritíssimo Juiz nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, que declarou a excepcional complexidade do processo.

  4. De acordo com o nº 3, do artigo 215º, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido três anos e quatro meses, tendo em conta os crimes referidos e a excepcional complexidade. 6º Sucede que, nos presentes autos, tal prazo está claramente ultrapassado.

  5. Pelo que, a prisão preventiva aplicada ao ora Requerente extinguiu-se em 29 de Julho de 2017.

  6. Não obstante, não foi dada ordem de libertação ao ora Requerente, conforme impõe o nº 1, do artigo 217º, do Código de Processo Penal.

    Porquanto, 9.º Foi o ora Recorrente no dia 19 de Julho de 2017 notificado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na pessoa da sua ilustre defensora, do despacho de não admissibilidade de recurso para o STJ. Do despacho referido, datado de 17/07/2017, consta o seguinte: “ Os crimes pelos quais o arguido foi condenado deram lugar a uma condenação em pena de 5 anos e 6 meses de prisão pelo que não é admissível recurso para o STJ.

    Do mesmo modo, não é admissível recurso para o STJ do acórdão que decide a nulidade arguida daquele primeiro acórdão.

    Assim sendo, não recebo o recurso interposto a fls. 20369 por não ser admissível. Notifique.” 10.º No dia 18 de Julho de 2017, o Tribunal da Relação de Lisboa notificou o Tribunal de 1.ª Instância, através de via fax, do ofício n.º 11968286, - em cumprimento do despacho proferido no dia 17 de Julho de 2017, - cujo conteúdo se transcreve: “ Por ordem da Exma. Senhora Juiz Desembargadora de Turno, tenho a honra de comunicar a V. Exas. que o acórdão proferido nestes autos a 6 de Abril de 2017, transitou em julgado relativamente a todos os recorrentes, pelo que em consequência os arguidos AA, BB e CC encontram-se em cumprimento de pena desde a data do trânsito. Para melhor esclarecimento segue fotocópia do douto despacho e da douta promoção.” 11.º Sucede que, foi o ora Reclamante incompreensivelmente notificado na pessoa da sua defensora no dia 24 de Julho de 2017, pelo Tribunal da 1.ª Instância, da Liquidação da Pena. 12.º Com o devido respeito, consideramos que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 06 de Abril de 2017 ainda não transitou em julgado.

  7. Ora vejamos, O Código de Processo Penal não define o conceito de trânsito em julgado pelo que, aplicando subsidiariamente o disposto no Código de Processo Civil (por força do disposto no artigo 4º do CPP), este conceito é definido pelo artigo 628º do Código de Processo Civil e que diz o seguinte: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.” 14.º Assim, entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa no despacho datado de 17/07/2017, só pode considerar-se transitada em julgado, depois de decorrido o prazo normal e legal da respectiva possibilidade de reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso, nos termos do disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal.

  8. E o ora Arguido apresentou reclamação no dia 27 de Julho de 2017, pelo que não podia o Tribunal da Relação de Lisboa e o Tribunal de 1.ª Instância anunciar o trânsito em julgado do Acórdão proferido em 06 de Abril de 2017, sem ter em conta o prazo para a possibilidade de reclamar para o Presidente do Tribunal a quem é dirigido o recurso.

  9. Nesta conformidade, o arguido encontra-se ilegalmente preso, sendo essa ilegalidade proveniente do facto de se manter preso para além do prazo previsto no artigo 215.º, n.º 3, do CPP, em conjugação com o nº 2, alínea c), do artigo 222º, do CPP.

  10. Dúvidas não há que, na presente data a manutenção da prisão preventiva do arguido não obstante o despacho homologatório de liquidação de pena, com o trânsito em julgado, está ferida de uma ilegalidade grosseira, manifesta, indiscutível, rapidamente verificável sem margem para dúvidas, porque, se mantém para além do prazo fixado na lei.

  11. Acresce que o artigo 28.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, estipula que a prisão preventiva está sujeita aos prazos estipulados por lei, os quais se encontram especificadamente plasmados no artigo 215.º do Código de Processo Penal.

  12. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consagra, com carácter de direito fundamental, a providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal! Nesta conformidade a providência de Habeas Corpus tem sempre lugar quando se está perante uma clara situação de prisão ilegal e não se substitui, nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão.

    Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere - mais precisamente “nos oito dias subsequentes” no artigo 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão “ordenada por entidade incompetente”, “mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial”, e como o tem de ser o “facto pela qual a lei a não permite”.

    Ora no caso em apreço, verificado que é que o trânsito em julgado ainda não ocorreu, contrariamente ao alegado pelo Tribunal de 1.ª e 2.ª instância, na medida em que foi apresentada reclamação do despacho de não admissão de recurso nos termos do artigo 405.º do CPP e visto que ao longo do processo foram invocadas inconstitucionalidades que permite ainda ao ora Arguido recorrer para o Tribunal Constitucional.

    Nestes termos, designadamente os do artigo 222.º, n.º 1 e 2, alínea c) e artigo 223.º, n.º 4, al. d), e do artigo 215.º, n.º 3, todos do...

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