Acórdão nº 81/16.5T8VLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelFERREIRA PINTO
Data da Resolução26 de Outubro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 81/16.5T8VLG.P1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1] Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I Introdução: a.

Da 1.ª instância: AA instaurou, em 09 de janeiro de 2016, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Valongo, Instância Central, 4ª Secção do Trabalho, J1, a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BB – …, S. A.”, peticionando que a ação seja julgada procedente, por provada, e, consequentemente, a Ré condenada: 1) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho, na mesma categoria profissional, vencimento e demais retribuições, no local e no desempenho das funções que exerceu até ao dia 05 de maio de 2015; 2) A pagar-lhe, a titulo de indemnização por danos morais, a quantia de € 12.500,00, acrescida de juros vincendos, contados desde a citação da ré, até efetivo e integral pagamento; 3) A pagar-lhe, a titulo de retribuições vencidas até 31/12/2015, a quantia de € 5.602,97, acrescida de juros vencidos e vincendos desde os respetivos vencimentos parciais, até efetivo e integral pagamento; 4) A pagar-lhe as retribuições, nas quais se integram prémios e demais direitos, vincendas até à efetiva e plena reintegração do autor no seu posto de trabalho; 5) A publicar um pedido de desculpas ao trabalhador e dar conhecimento efetivo do mesmo aos trabalhadores da ré.

6) A pagar custas, procuradoria e demais encargos processuais.

Para o efeito, alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, em fevereiro de 1982, tem a categoria profissional de caixeiro de 1ª classe e, no âmbito desta categoria, tem como funções, entre outras, as de rececionar mercadorias provenientes dos fornecedores, introduzindo as respetivas referências e quantidades no sistema informático, com vista à gestão dos stocks. O Autor auferia, à data do despedimento, como retribuição mensal bruta a quantia de € 754,64, que a sua Administração lhe fixou, por comunicação feita em 25 de março de 2015, para o ano de 2015, com efeitos a partir de janeiro, acrescida do prémio de assiduidade, de valor correspondente a 10% do seu vencimento, ou seja, € 75,46 (€ 754,64 x 10%), quantia que sempre recebeu com regularidade.

Em 05 de Maio de 2015, foi impedido de retomar as suas funções na Ré e, posteriormente, despedido ilicitamente, por não ter sido notificado de qualquer nota de culpa contra ele deduzida.

~~~~~~~~ Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação.

~~~~~~ Citada, a Ré contestou: · Por exceção: invocando a caducidade do direito que o Autor tinha de impugnar o despedimento, por não ter usado meio processual próprio e por não o ter feito no prazo legal [artigos 98º-C, do CPT, e 387º, n.º 2, do CT]; · Por impugnação: impugnando os factos essenciais da causa de pedir, dizendo que rejeitava “a encenação alegada pelo A. nos artigos 6º a 142º, da petição inicial” que não passava de “uma alegação deturpada pelo “non sense” do procedimento do A.” e que omitia “por completo que foi suspenso no dia 5.5.2015, de manhã, as sucessivas recusas de receber as cartas que a R. lhe enviou, inclusive a carta de suspensão, que se recusou a receber em mão, e os esclarecimentos prestados ao seu procurador e as informações dadas pela ACT.” Concluiu, pedindo que a ação devia improceder, que o depoimento de parte devia ser indeferido e que o Autor devia ser condenado como litigante de má-fé.

~~~~~~~ O autor respondeu, alegando que “a manifesta falta de notificação da nota de culpa ao trabalhador, implica a impossibilidade de este exercer o seu direito de defesa, o que inquina de nulidade insuprível, a partir daí, o procedimento disciplinar instaurado pela ré” e terminou como na petição inicial.

Na audiência preliminar, foi proferido o despacho saneador e as partes acordaram quanto à matéria de facto.

b.

Da sentença: Posteriormente, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo a Ré da totalidade do pedido.

Absolvo o Autor do pedido de indemnização como litigante de má-fé requerido pela Ré.

Custas pelo Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.” .

II Da apelação: O autor, não se conformando com tal decisão, interpôs recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões: 1) Vem o presente recurso interposto da sentença final proferida pelo Tribunal “a quo” que, em suma, julgou “(…) a presente ação totalmente improcedente por não provada absolvendo a Ré da totalidade do pedido”.

2) O tribunal “a quo” dá como provado, e bem, que: Ø “J). Com data de 02 de junho de 2015, a Ré enviou ao Autor uma carta registada com Aviso de receção na qual declarava estar a organizar o processo disciplinar tendente ao seu despedimento juntando em anexo a Nota de Culpa elaborada, concedendo ao Autor o prazo de 10 dias úteis para responder por escrito e reiterando que continuava suspenso sem perda de remuneração, tendo essa carta sido enviada para o Autor para a morada Rua ..., …, …, ..., ... ....

Ø K). Essa carta foi devolvida à Ré com a menção de "retirou sem deixar novo endereço 03.06.2015”.

3) A referida carta teve o seguinte percurso nos CTT: • foi registada a 02/06/2015; • o Sr. Carteiro no dia seguinte (03/06/2015) mencionou o suprarreferido; e • no dia 04/06/2015 a citada carta foi recebida (devolvida) nas instalações da Ré.

4) O tribunal “a quo” considerou que - “Ora, sendo essa a morada do Autor e tendo a carta sido enviada para o endereço correto, nada obrigava a Ré a tentar notificar novamente o Autor de um outro modo.” 5) A Nota de culpa consubstancia uma declaração receptícia que apenas produz efeitos a partir do momento em que entra no poder do destinatário ou dele é conhecida, nos termos gerais do artigo 224º, n.º 1, do Código Civil.

6) Incumbe ao emitente dessa declaração receptícia, in casu, à Ré, o ónus da prova de que a carta que continha a aludida declaração – A NOTA DE CULPA - não foi recebida por culpa do destinatário, conforme artigos 224, n.º 2, e 342º, n.º 1, do Código Civil.

7) A Nota de culpa sendo uma declaração recipienda, como tal, ou seja, como declaração receptícia, a eficácia da comunicação do seu conteúdo dependerá, sempre, do conhecimento pelo destinatário.

8) Não tendo havido efetiva receção da declaração, pelo trabalhador, esta só pode ser considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida, conforme 242º, n.º 2, do Código Civil, o que significa que, havendo culpa do declarante, de terceiro, caso fortuito ou de força maior, estará, então, afastada a aplicabilidade da norma.

Pelo que, 9) haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que, sem ação ou omissão culposa do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração, demonstração essa que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação.

Assim, 10) Não preenche tal ónus a mera indicação de devolução da carta, constando do envelope que «retirou sem deixar novo endereço», o que, para além do mais, como está demonstrado e adquirido nos presentes autos é falso.

11) A manifesta falta de notificação/conhecimento por parte do trabalhador da Nota de Culpa, pretensamente enviada pela R., na sua carta de 02 de junho de 2015, configura uma invalidade do procedimento disciplinar - cf. artigos 381º - c), e 382º nº. 2 – a), do CT (equivalente à nulidade insuprível prevista na alínea a), do n.º 1, do art.º 12º da LCCT/89); Pelo que, 12) a posterior decisão proferida no procedimento disciplinar, encontra-se inquinada da referida invalidade do procedimento, o que só por si, deve levar a que, sem mais, seja declarada a ilicitude do despedimento, por invalidade do procedimento disciplinar.

Terminou dizendo que, pelas razões por si invocadas, deve dar-se provimento ao recurso.

~~~~~~~~~~ A ré contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões: 1º. O A./recorrente queixa-se de coarção [sic] de direito de defesa por não ter recebido a nota de culpa do processo disciplinar; 2º. Não tem razão, porque a nota de culpa não foi por ele recebida por culpa própria, já que foi enviada para a sua residência e nesse local foi dada informação errada ao carteiro de que tinha retirado para outro endereço; 3º. O A. também não recebeu a decisão de despedimento, por não a ter ido reclamar aos correios, dando-se a carta como recebida, ex vi legis (nº 7, in fine, do art.º 357º do CT).

  1. O A. não impugnou o despedimento, ato final do processo disciplinar e que verdadeiramente é o ato que em última análise o lesou e integrou todos os vícios que o processo disciplinar tivesse (e não tinha), concretamente a coarção [sic] do direito de defesa de que o A. se queixa.

  2. A presente ação é, pois, anómala e um meio processual impróprio e extemporâneo de o A. fazer valer os seus direitos, nomeadamente de impugnar o despedimento.

Finalizou dizendo que o recurso deve ser julgado improcedente.

~~~~~~~~ Distribuídos os autos no Tribunal da Relação do...

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