Acórdão nº 39/16.4YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO TRINDADE
Data da Resolução19 de Janeiro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : 1 - Município de ... intentou, em 24-05-2016, o presente recurso de revisão, pedindo que seja proferida nova decisão determinando a condenação no pagamento de quantia certa aos recorridos AA e outros, em substituição da condenação na execução da prestação de facto subjacente à decisão recorrida.

A decisão revidenda é, in casu, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/01/2003, proferido na acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, que correu termos, sob o n.º 3654/02, no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, na qual eram autores AA e outros e réus Município de .... e BB – Associação de Municípios de ..., ... e ... para o Tratamento de Resíduos Sólidos, pedindo aqueles a condenação destes a desobstruir o caminho que identificaram, viabilizando o trânsito de pessoas e veículos agrícolas pelo mesmo, e a mantê-lo com a sua actual configuração.

2 - Para tanto e em síntese alegou ser proprietário de um prédio rústico, confinante com outros, igualmente seus, nos quais o réu Município de ... viabilizou que a ré BB instalasse um aterro sanitário, sendo que as terras e lixos que resvalaram do mesmo obstruíram o caminho, de natureza pública, que era utilizado, por si e pela generalidade das pessoas, como passagem e meio de acesso ao dito prédio.

Sustenta, para tanto, que, sendo a CCDTRLVT a entidade competente para emitir parecer sobre as consequências ambientais das obras a realizar em aterro sanitário, o referido “parecer” constitui fundamento bastante para modificar a decisão que condenou os demandados na execução das ditas obras, já que, perante a colisão entre o direito de propriedade dos recorridos e o direito ao ambiente (que se encontra constitucionalmente consagrado), deve ser dada prevalência a este último, ressarcindo-se, em contrapartida, os lesados pelos danos que lhes sejam causados pela impossibilidade da reconstituição natural.

Conclui dizendo que, mostrando-se cumprido o prazo de sessenta dias contado desde a data em que obteve o aludido documento – parecer da CCDTRLVT – e encontrando-se preenchidos os requisitos da alínea c) do artigo 771.º do Código de Processo Civil, deve ser revista a condenação.

O recurso foi liminarmente admitido, os recorridos, em sede de resposta, pugnado pela sua rejeição ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência, invocando, para tanto, a extemporaneidade do pedido de revisão com base no facto de ser aplicável ao caso o anterior Código de Processo Civil na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24-08 e de o processo ter um cariz puramente patrimonial. Mais alegaram que, em qualquer caso, o documento apresentado, não tendo força probatória plena, não se enquadra na noção de documento concretizada pela invocada alínea c) e que também não é determinante para modificar a decisão atento o seu teor meramente opinativo, ao que acresce a circunstância de traduzir uma realidade pré-existente que podia ter sido invocada em momento anterior (e não foi), sendo que a introdução de factos novos (e pré-existentes) não constitui fundamento do recurso de revisão.

Referiram, por fim, que a postura assumida pelo recorrente no processo executivo revela que o mesmo renunciou ao presente recurso, consubstanciando agora a sua interposição abuso de direito, não havendo, para além disso, qualquer colisão de direitos que cumpra acautelar.

Tempestividade do recurso de revisão B.

Da renúncia ao recurso de revisão C.

Do pressuposto de que depende a revisão # A - Tempestividade do recurso de revisão Dispunha o artigo 772.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, então vigente) que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados: (…) b) (…) desde que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08-03 (que entrou em vigor em 15-09-2003) e o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08 (que entrou em vigor em 01-01-2008) introduziram pequenas alterações ao citado preceito, que, no caso, não relevam, tendo apenas a alínea b) passado a constituir a alínea c).

Vê-se do citado normativo que a lei prevê dois prazos a partir dos quais já não é possível interpor o recurso extraordinário de revisão – e, na verdade, compreende-se que assim seja já que se tratam de prazos impostos em nome do valor da segurança jurídica.

Conforme sublinha, a este propósito, Luís Filipe Brites Lameiras (Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª edição aumentada e reformulada, Almedina, Coimbra, Outubro de 2009, p. 300 e 301) é, de facto, justo e razoável que se coloquem limites temporais ao exercício do direito à revisão, sob pena de o caso julgado estar indefinidamente na iminência de ser destruído, esvanecendo-se a segurança e a certeza do direito determinado pelos tribunais, isto é, desprestigiando-se o Estado face à fluidez da sua autoridade judicial.

A esta necessidade de limitação temporal também já Alberto dos Reis aludia (Código de Processo Civil anotado, volume VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, p. 335 a 337), afirmando que Convém que a situação criada pela sentença transitada em julgado se consolide e torne definitivamente estável dentro de prazo relativamente curto.

E foi, de facto, essa a posição que vingou e que se manteve no Código de Processo Civil de 1939, tal como no Código de 1961, mesmo após as suas sucessivas revisões.

Com efeito, embora o legislador reconheça que existem situações excepcionais que justificam que seja posta em causa a intangibilidade do caso julgado, não deixou este último sem protecção atentas as vertentes da segurança e da paz social que lhe são inerentes, antes tendo harmonizado os valores e interesses em conflito através do estabelecimento de um limite temporal à possibilidade de desencadear este meio de impugnação extraordinário. É, pois, esse o sentido do prazo de cinco anos previsto no n.º 2 do artigo 772.º do Código de Processo Civil (tal como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-09-2012, proc. n.º 158-A/2000.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt e no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2005, de 08-06-2005, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos, que naquele é citado).

Trata-se de um prazo peremptório para o exercício de um direito de acção e, por conseguinte, de um prazo de caducidade que, face ao dito regime, não admitia qualquer excepção.

É verdade que no novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06) o legislador veio introduzir uma alteração à enunciada regra, ao prever no actual artigo 697.º, n.º 2, que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade (…) – sublinhado nosso.

Ou seja, respeitando a direitos de personalidade, a lei deixou agora de estabelecer qualquer prazo para a apresentação do recurso (neste sentido: António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2014, p. 428 e 429).

Sucede, porém, que, in casu, o prazo de cinco anos contado do trânsito em julgado da decisão revidenda decorreu integralmente ao abrigo da lei antiga, estando, por conseguinte, há muito exaurido.

Com efeito, a decisão a rever é, como se disse, o Acórdão do Supremo de Tribunal de Justiça de 09-01-2003 – proferido no âmbito de uma acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, instaurada em 11-02-1998 – acórdão esse que transitou em julgado em 27-03-2003 (cf. se vê da certidão de trânsito a fls. 360 dos autos apensos).

Assim sendo, é evidente que o prazo de cinco anos de que o recorrente dispunha para, querendo, interpor recurso de revisão se completou em Março de 2008, altura em que estava em vigor o anterior Código de Processo Civil (com as alterações do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08), no qual não se estabelecia qualquer excepção ao referido prazo de caducidade.

Pelo que, ainda que a lei nova tenha agora excepcionado do aludido prazo as situações em que o pedido de revisão respeita a direitos de personalidade – caso em que o recurso deixou de estar dependente de qualquer prazo –, a verdade é que à data em que essa lei entrou em vigor (01-09-2013) o prazo de cinco anos há muito que tinha decorrido integralmente.

Ora, é pacífico que a regra ínsita no artigo 297.º, n.º 2, do Código Civil – no sentido de ser aplicável a lei que vier, para qualquer efeito, fixar um prazo mais longo – apenas vale se o prazo antigo estiver ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova, não tendo aplicação nos casos, como o dos autos, em que, a essa data, o prazo se mostra transcorrido (vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2012, proc. n.º 2565/10.0TBSTB.S1, disponível em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT