Acórdão nº 826/14.8PVLSB.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2017
Magistrado Responsável | HELENA MONIZ |
Data da Resolução | 23 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Instância Central — ....ª secção criminal — ...) foi julgado e condenado AA pela prática de um crime de homicídio simples, previsto e punido pelo art. 131.º, do Código Penal (CP), na pena de 13 (treze) anos de prisão.
Foi ainda decidido «[j]ulgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes/demandantes BB, CC e DD e consequentemente condeno o arguido/demandado AA a pagar-lhes a quantia de 156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros), na proporção de 50% (78.000,00€ - setenta e oito mil euros) para a assistente BB, e 25% (39.000,00€ - trinta e nove mil euros) para cada um dos filhos e ora assistentes/demandantes CC e DD, a título de danos patrimoniais, e, ainda, a atribuição da quantia de €100.000,00 (cem mil euros) à assistente/demandante BB, €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) à assistente/demandante CC e €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) ao assistente/demandante DD a título de danos não patrimoniais, nos termos do artº. 496, nº 2 e 3 do CC, pelos respetivos sofrimentos, improcedendo tudo o mais», e foi determinado o «cumprimento do artº. 8º, nº 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro (recolha de ADN) à entidade competente (Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária ou Instituto Nacional de Medicina Legal (INML))».
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Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 20.10.2016, julgou improcedente quer o recurso pelo arguido, quer o recurso interposto pelos assistentes, e confirmou “a douta sentença recorrida, quer na sua vertente criminal, quer na cível” (cf. fls. 1359/verso).
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Ainda inconformado, veio agora o arguido recorrer deste último acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. fls. 1365 e ss), tendo apresentado as seguintes conclusões: «1. Verifica-se omissão de pronúncia no douto Acórdão Recorrido por omissão de pronúncia face à violação do artigo 104° n° 1 do Código Penal (artigos «5» e «6» das Alegações de Recurso do Arguido) e à apreciação da subsunção dos factos ao tipo de crime de homicídio privilegiado (erro de julgamento), nos termos conjugados dos artigos 379° n° 1 alínea c) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 425° n°4 do mesmo Código, artigo 97° n° 5 do Código de Processo Penal e 205° n° 1 da Constituição da República Portuguesa.
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O Arguido apresenta um quadro de alucinações auditivas, em que sem tratamento especializado representa um perigo para a sociedade, sendo necessária uma medida de segurança a fim de assegurar a cessação de consumos, o tratamento e a reabilitação - como pasmado no relatório do Perito Psiquiatra de 04 de abril de 2016 e na medida em que o Acórdão Recorrido não toma conhecimento desta realidade fáctica, profusamente espelhada nos Autos, efetua uma interpretação Inconstitucional dos artigos 24° n° 1 e 25° nº 1 da Constituição da República Portuguesa, interpretados em conjunto com o artigo 64° n° 1 da Lei Fundamental na medida em que se basta com a decisão proferida em 1ª Instância, sem averiguar da necessidade de internamento do Arguido, ao abrigo do artigo 104° do Código Penal, viola o seu direito à vida, integridade física e saúde, impedindo o seu tratamento para a doença grave que padece - esquizofrenia.
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Pelo que, nos termos do artigo 3º n°3 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação inconstitucional dos artigos 24° n° 1 e 25° n° 1 da Constituição da República Portuguesa, interpretados em conjunto com o artigo 64° n° 1 da Lei Fundamental operada pelo Acórdão Recorrido determina a sua invalidade, na modalidade de nulidade, por força do disposto neste mesmo artigo 3º n°3, a qual desde já se invoca para todos os efeitos legais, 4. Verifica-se erro de julgamento na subsunção da conduta do Arguido na prática de um crime de homicídio simples, face a matéria de facto apurada, porquanto não foi dado como provado o conhecimento e a vontade de matar um terceiro, em especial censurabilidade e a perversidade de caracterizam o acto frio e insensível de tirar a vida a um terceiro.
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Face a matéria de facto dada como provada, o Arguido praticou um crime de homicídio privilegiado, uma vez que agiu motivado por um compreensível estado de emoção violenta, provocado por uma situação pela qual o mesmo não pode ser censurado e à qual também o homem «fiel ao direito» não deixaria de ser sensível.
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Assim, a emoção violenta traduz-se na crença distorcida da realidade, face à doença psicológica que afeta o Arguido que este teria de matar antes de ser morto, para sua defesa e preservação.
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A compreensibilidade deve assentar na doença do foro psicológico que o Arguido apresenta, pois a adição deve e merece ser alvo de tratamento e acompanhamento médico enquanto forma de vivência em sociedade, sendo certo também que o Arguido possui uma vulnerabilidade neurofisiológica de fundo genético.
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Verificam-se o requisito da comoção violenta, não controlável, nos factos dados como provados, em que o Arguido toma comportamentos que se encontram ao nível da sobrevivência do próprio ser humano, «antes matar que ser morto».
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A compreensibilidade da emoção pressupõe a identificação de um observador do mesmo tipo social do agente com a emoção por este experimentada no momento do homicídio. Tal identificação só se alcança por via do conhecimento das causas ou razões de tal emoção, nas concretas circunstâncias endógenas e exógenas em que se encontrava o Autor.
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Deverá pois ser de aplicar ao caso sub judice o normativo previsto no artigo 133° do Código Penal Caso tal não se entenda, 11. O Tribunal Recorrido viola o disposto no artigo 104° do Código Penal, uma vez que tendo resultado provado que o Arguido padecia de anomalia psíquica anterior à prática dos factos, deve ser ordenado o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena.
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Tal deve-se à necessidade de o Arguido continuar com o seu tratamento em instituição especializada, sem a qual continuará a configurar perigo para a sociedade e sendo esta a única medida que permite assegurar a cessação dos consumos aditivos, como plasmado no Relatório da Perícia Médico-Legal de 04 de abril de 2016, 13. O internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena é uma forma de cumprimento desta, em que a perigosidade criminal surge verdadeiramente para fazer face a um perigo de carácter penitenciário, pois que o tratamento adequado para o Arguido apenas poderá ser atingido através de estabelecimento próprio para o efeito o que, a ser negado tal direito, coloca em causa o próprio princípio da ressocialização, o que é oposto e viola os fins das penas.
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[também no original não tem qualquer conteúdo] Sem prescindir, 15. O Tribunal Recorrido viola o disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal, porquanto aplica pena superior à medida da culpa, não valorizando as atenuantes fornecidas pelo caso concreto e tendo em conta a matéria de facto dada como provada.
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Quer o Tribunal a quo quer o Tribunal Recorrido não valoraram devidamente o facto de o Arguido não ter antecedentes criminais e encontra-se plenamente inserido a nível social e profissional, com uma profissão que lhe permitia viver condignamente, e com um historial contínuo de descontos para a segurança social, tendo a seu cargo dois filhos menores, fruta da relação com a sua atual esposa, um núcleo familiar estável, ter colaborado na descoberta da verdade, esclarecendo, na medida que a sua doença o permite, os factos por si praticados e encontrar-se verdadeiramente arrependido, tendo consciência que, dado o factor patológico, »não estava em si» e ter praticado os factos de que vem condenado sob um quadro de psicopatologia tóxica, assente numa vulnerabilidade neurofisiológica de fundo genético, que levou a que fosse considerada a sua imputabilidade diminuída.
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Esta imputabilidade diminuída que se traduz numa carência de poder, que por sua ver determina a diminuição da reprovação da conduta e também uma diminuição do grau de culpa, 18. Pelo que vimos expondo e sem prescindir do que se deixou alegado, o Arguido, ora Recorrente, pugna, assim, perante Vossas Excelências, sapientes e experientes Juízes Desembargadores, por uma pena que, justa, nunca poderá ser superior a 8 anos.
PELO EXPOSTO, VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS CONSELHEIROS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DEVERÃO: 1. Revogar o Acórdão Recorrido, absolvendo o Arguido da prática de um crime de homicídio simples e condenando-o na prática de um crime de homicídio privilegiado; 2. Revogar o Acórdão Recorrido, condenado o Arguido a cumprir a pena que lhe for aplicada num estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena, nos termos do artigo 104° do Código Penal e 3. Revogar o Acórdão Recorrido, substituindo-o por outro que condene o Arguido em pena nunca superior a 8 (oito) anos; fazendo-se assim a costumada Justiça!».
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O recurso foi admitido por despacho de 07.12.2016 (cf. fls. 1399).
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O Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal da Relação de Lisboa, respondeu pela rejeição do recurso, porque o arguido reedita as mesmas questões já levadas a conhecimento do Tribunal da Relação no recurso interposto, pelo que o recurso deve ser rejeitado por ausência de motivação, ao abrigo do disposto nos arts. 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, als. a) e b), e 420.º, n.º 1, als. a) e), todos do Código de Processo Penal (CPP); entendeu ainda que deve proceder-se à correção do recurso a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.º 2, do CPP; sob pena de ser rejeitado. E concluiu ainda que a ser conhecida a questão de direito relativamente à medida da pena deve esta ser mantida.
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Os assistentes, CC, BB e DD responderam, ao abrigo do disposto no art. 413.º, n.º 1, do CPP, considerando, em síntese, não existir omissão de pronúncia dado que o tribunal...
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