Acórdão nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

AA (A.), técnica oficial de contas, intentou ação declarativa, sob a forma de processo sumário, em 10/11/2010, contra a Companhia de Seguros BB, S.A.

, alegando, no essencial, que: .

A A., na qualidade de contabilista, desempenha as funções de técnica oficial de contas (TOC), sendo trabalhadora subordinada da sociedade “CC - Consultaria de Gestão (CC), Ld.ª”, beneficiando, como segurada, do seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a R. e a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas; .

Por contrato de prestação de serviço celebrado entre a CC e a DD (DD), Transportes Rodoviários de Mercadorias, Ld.ª, a A. desempenhou as funções de TOC da DD; .

Em 16/2/2004, a A., ao enviar à administração fiscal a declaração periódica de IVA da DD, referente ao 4.º trimestre de 2003, cometeu um erro numérico no preenchimento dessa declaração, decorrendo daí que a DD fosse punida com coima de € 30.000,00, acrescida de € 44,50, a título de custas, verbas essas pagas pela DD; .

A DD exigiu então tais verbas à A., tendo esta reclamado à R. o pagamento de tais quantias, mas esta recusou ressarcir o sinistro, alegando, contra a verdade dos factos, que a A. não poderia ser responsabilizada pela verificação do lapso em questão, uma vez que à data do sinistro não era a TOC responsável pela entrega das declarações fiscais da DD; .

Posteriormente, para evitar que a DD rescindisse o contrato de prestação de serviço com a sua entidade patronal, a A. pagou à DD aquela quantia de € 30.044,50; .

O referido contrato de seguro cobre o dever de indemnizar que impende sobre a A. resultante do erro que esta cometeu, conforme previsão “indemnizações legalmente exigíveis ao segurado decorrentes do pagamento de coimas, fianças, taxas administrativas e juros compensatórios ou de mora (de natureza não penal) aplicado aos seus clientes em consequência de erro profissional do segurado”.

Concluiu pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00, referente ao valor da coima que lhe foi aplicada, acrescida de custas debitadas e de juros de mora.

  1. A R. contestou a ação, sustentando a improcedência da ação, ao que a A. replicou.

  2. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar e selecionados os factos tidos por relevantes com organização da base instrutória (fls. 213-216).

  3. Realizado a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 345-363, datada de 02/03/2015, na qual foi inserida a decisão de facto e a respetiva motivação, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição da R. do pedido, tendo também aí sido fixado o valor da causa em € 30.044,50.

  4. Inconformada, a A. interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação do Porto que julgou a apelação parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia de € 27.040,05, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, a contar de 16/11/2010, conforme acórdão de fls. 604-627, de 19/05/2016.

  5. Desta feita, inconformada a R. vem pedir revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O presente recurso tem por objeto o acórdão recorrido que, julgando a apelação parcialmente procedente, declarou nula a sentença proferida em 1.ª instância e julgou a ação parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à recorrente a quantia de € 27.040,05, acrescida dos juros legais; 2.ª - A recorrente entende que não foi cometida nulidade na sentença de 1.ª instância, não concordando com as diversas considerações de apreciação da sentença e do processo (quanto às alegações das partes) e de direito, por não traduzirem as questões efetivamente discutidas em 1.ª instância, e conferindo-lhes uma dimensão que não têm.

    3.ª – O Tribunal “a quo” conheceu de facto, alterando a resposta ao quesito 8 (que havia sido desdobrada no facto 18 e no facto não provado a) da sentença de 1.ª instância), dando-o como provado, assim o ressuscitando da sede dos factos não provados, e eliminando o facto 18; 4.ª - Porém, tal operação não só está desacompanhada de toda e qualquer ponderação da prova produzida, e portanto, não se encontrando devidamente fundamentada, como inverte e altera a decisão da 1.ª instância, sem sequer infirmar a evidente correção do seu raciocínio, este sim, baseado na prova produzida, e manifestamente fundado, lógico, coerente, e crítico das provas; 5.ª - Nesta parte a decisão recorrida viola diversas normas processuais, nomeadamente os artigos 154.º e 662.º, n.º 1, e 2, alínea c), do CPC, bem comete as nulidades ínsitas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC, “ex vi” arte 666.º do CPC; 6.ª - Na verdade, a R. comunga da sentença da 1.ª instância, pelos fundamentos aduzidos na mesma, a qual revela uma análise cuidada dos factos e do direito, analisando criticamente a prova produzida, em raciocínio que não merece qualquer reparo porque coerente, lógico, e baseado nas provas oferecidas, nas regras da experiência e do senso comum, não padecendo dos vícios que lhe vêm assacados.

    7.ª - Para o efeito, importa transcrever a parte pertinente da decisão da 1.ª instância, centrando-a no segmento determinante para aferição da razão da absolvição da ré, o qual se extrai da parte em que o tribunal afirma que "... a A., contrariamente ao que lhe competia (cf. artigo 342.º, n.º l, do CC), não logrou provar um dos factos constitutivos, alegado, do seu direito, qual seja o de a mesma ter efetuado o pagamento da quantia peticionada (cf. facto não provado sob a al. a)...”, nem alegou que a "CC - Consultaria de Gestão, Ldª" (CC) repercutiu no seu vencimento a quantia satisfeita a "DD" ou que, de algum modo, lhe exigiu o pagamento do montante em apreço." 8.ª - Portanto, na base desta decisão, encontra-se, apenas e só, o facto que ficou a constar na alínea a) dos factos não provados ou seja, na base da decisão do tribunal não se encontra outra circunstância que não seja o facto da autora não ter logrado a prova de que efetuou o pagamento da quantia que agora vem peticionar à ré, apesar de o ter alegado; 9.ª - Em face desta sentença da 1.ª instância, veio a A. alegar que a mesma continha uma decisão surpresa, sem que lhe fosse dada oportunidade de se pronunciar, por teria sido considerada parte ilegítima no processo, conhecendo o tribunal de factualidade que lhe estava vedada, o que, como se viu, é perfeitamente desenquadrado da verdadeira essência da decisão da 1.ª instância; 10.ª - A verdade é que a procedência da presente ação dependia da prova, entre outros, da existência do danos/prejuízo alegados (a A. afirmou ter sofrido uma diminuição no seu património), porém, conforme resulta expressamente da sentença, a A. não logrou provar o pagamento nem qualquer outra diminuição patrimonial consequente, como apenas a ela competia, razão pela qual, sempre a ação deveria improceder, porquanto, o efetivo pagamento pela A. da quantia correspondente ao alegado prejuízo é facto constitutivo do seu direito (art.º 342.º, n.º 1, do CC); 11.ª - Não se ignora que, na decisão da 1.ª instância, se tecem outras considerações, nomeadamente sobre a circunstância da DD ter sido reembolsada (por via da prestação de serviços) por pessoa distinta da A.; 12.ª - Porém, tais considerações constituem apenas o resultado da prova testemunhal trazida a julgamento pela própria A., não podendo o tribunal ignorar esses depoimentos (isso sim, constituiria nulidade grave), sendo certo que o facto ou argumento fundamental e essencial que conduziu à decisão de absolvição, como já se viu, foi integrado, apenas e só, pela falta de prova de pagamento pela A., em resultado da sua não prova - facto não provado a) da sentença; 13.ª - Tais considerações do tribunal de 1.ª instância, nomeadamente sob um eventual direito de sub-rogação legal de terceiro, não passam disso mesmo, ou seja, traduzem a mera opinião do tribunal acerca do caminho que poderia ser seguido em face da prova que foi produzida, mas não integram os argumentos que conduziram à decisão final e a absolvição da R.; 14.ª - Na verdade, vejam-se os fundamentos do juízo crítico do tribunal, insertos na sentença da 1.ª instância, onde se conclui pela realidade efetivamente valorada por esse tribunal: “Destes depoimentos resulta, pois que o recibo a fls. 64, apesar de emitido a favor da A. em 19/07/2010, apenas prova que "DD" considerou a quantia em causa (€ 30.044,50) paga e não que foi a A. quem efetivamente a pagou, motivo pelo qual se julgou não provado o facto sob a al. a)”.

    15.ª - Portanto, como correta interpretação da sentença (apreciação da prova e resposta que constitui o facto 18), apenas se pode entender que passou a constar da decisão, como facto provado, essa mesma consideração de que a DD considerou a quantia liquidada, ou seja, perante a pergunta (A autora liquidou à DD, em 19/07/2010, a quantia em causa?), o tribunal deu apenas por provado que a DD deu esse valor como pago na data indicada.

    16.ª – No facto 18, acrescenta-se ainda que esse pagamento que a DD considerou efetuado, se deu por via de uma prestação de serviços da CC, durante cerca de 10 meses; 17.ª - Tal entendimento constitui apenas uma explicação ou concretização do modo como a DD considerou pago o valor em causa (por via de um encontro de contas com a CC), o que, na economia da decisão, constitui um facto meramente instrumental ou acessório, que em nada relevou para o sentido da decisão final e seu fundamento; 18.ª – O ato de pagamento que vem perguntado no art.º 8.º da Base Instrutória é muito naturalmente desdobrável nos dois momentos ou óticas em que o tribunal o desdobrou (a perspetiva do credor e do devedor), sem que se esteja a exorbitar os seus poderes de conhecimento, ou sequer a conhecer factos novos não invocados; 19.ª - Com este comportamento, a 1.ª instância respondeu afirmativamente quanto a uma parte da questão, declarando que o credor considerou liquidado o valor em causa (explicando os termos em que isso resultou da prova, como facto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
43 temas prácticos
43 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT