Acórdão nº 6091/03.5TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Março de 2017
Magistrado Responsável | HELDER ROQUE |
Data da Resolução | 07 de Março de 2017 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Revista nº 6091/03.5TVLSB.L1.S1 Acção com Processo Ordinário Comarca … – … – Inst. Central – Secção Cível – J2 Relação … – 6ª Secção Cível Supremo Tribunal de Justiça – 1ª Secção Cível ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, entretanto, falecida e representada pelos herdeiros habilitados BB, CC e DD, propôs a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra EE, entretanto, falecido e representado pelos herdeiros habilitados FF e GG, “HH, Lda”, “II”, representada pelo seu Presidente, JJ e, actualmente, “SEGURO KK, SA”, todos, suficientemente, identificados, alegando, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidáriamente, a pagar-lhe a quantia de 26 496,00 euros, alegando, para tanto, e, em síntese, que no dia 6 de Setembro de 1999, no decurso das festas de Nossa Senhora da Saúde, em …, quando o réu EE, ao serviço da ré HH, Lda, que lhe havia sido encomendado pela ré II, e segurado pela ré “SEGURO KK, SA”, procedia ao lançamento de fogo de artifício, tombou uma caixa de bombas pirotécnicas que explodiram e dispararam na horizontal, junto ao chão, atingindo a autora, que se encontrava a assistir ao espectáculo, no local destinado ao público, atrás das grades de segurança, causando-lhe diversos ferimentos, no membro inferior direito, que lhe determinaram despesas em tratamentos, consultas, exames médicos, taxas moderadoras e medicação, no valor global de 29 943$00 (1496,11 euros) e sofrimentos que avalia em 25 000,00 euros, pelos quais são responsáveis os réus, nos termos do artigo 493° n°2 do CC.
Na sua contestação, os réus EE e HH, Lda arguiram a exceção da prescrição, impugnando os danos invocados e os valores peticionados e alegando que foram tomados todos os cuidados exigíveis e previsíveis, pois a operação de lançamento de fogo de artifício encontrava-se licenciada pela II, os contestantes estavam habilitados para a tarefa, foi feita a participação à PSP e à corporação de bombeiros, que estiveram no local, o qual foi isolado com a colocação de um gradeamento a uma distância adequada, a II celebrou contrato de seguro com a 4a ré e, por outro lado, as caixas com o material pirotécnico foram colocadas no chão para evitar que pudessem cair e explodir, processando-se o lançamento do fogo directamente das caixas até que, por razão ignorada, mas que se supõe originada pela trepidação do rebentamento de um foguete, uma das caixas tombou para ao lado e um dos foguetes saiu na horizontal dirigindo-se para um sector onde se encontravam pessoas, tendo o réu EE imediatamente levantado a caixa impedindo que mais foguetes pudessem ser lançados na direcção do público e tendo a autora sido prontamente assistida no local pelos bombeiros e conduzida ao hospital, concluido com o pedido da improcedência da acção e da absolvição do pedido.
Na sua contestação, a ré II arguiu a ilegitimidade passiva e a prescrição e impugnou a versão da petição inicial e os danos invocados, alegando ainda que foram tomadas todas as cautelas exigíveis, pois foram contratados o 1o e a 2a ré, ambos com larga experiência de actividade pirotécnica, foram erguidas barreiras de proteção metálica à frente do palco e foram convocados os bombeiros e a PSP, concluido pela procedência das excepções e a absolvição da instância ou do pedido.
Finalmente, a ré seguradora, na sua contestação, arguiu a excepção da prescrição e ainda o limite do capital seguro, bem como a existência de outros lesados, por conta dos quais já efectuou pagamentos, com a consequente diminuição do capital seguro disponível, concluindo com o pedido de procedência da exceção da prescrição oun que o julgamento ocorra de acordo com a prova a produzir e tendo em conta as excepções fundadas no contrato de seguro.
Na réplica, a autora opôs-se às exceções cdeduzidas.
No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as exceções da ilegitimidade e da prescrição.
A sentença julgou “a acção parcialmente procedente e (após rectificação que eliminou a condenação em juros) condenou (a) solidariamente os réus FF, LL, HH, Lda e II de … a pagar aos autores a quantia de 25 498,80 euros; (b) a ré SEGURO KK, SA a pagar aos autores, solidariamente com a ré II de …, a quantia atrás referida, até ao limite de 4 271,17 euros”.
Desta sentença, a ré “II de …”, interpôs recurso de apelação, com subsequente apresentação de alegações, tendo o Tribunal da Relação “julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida”.
Deste acórdão da Relação de …, a ré “II de …”, interpôs agora recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações com as seguintes conclusões que, integralmente, se transcrevem: 1ª - O lançamento e queima de fogos-de-artifício, à data dos factos, eram regulados por lei especial, concretamente o Decreto-Lei n.° 376/84 de 30/11, a qual, nesta qualidade, afasta desde logo a aplicação direta do artigo 493.°, n.° 2, do Código Civil.
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- Dispõe, inter alia.
o art.° 38.°, n.° 1 do decreto-lei que precede que o fogo deve ser lançado por pessoas tecnicamente habilitadas, devendo o seu lançamento ser feito sem perigo ou prejuízos para terceiros.
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- O art.° 493 n.° 2 do C. Civil, não se aplica à II, que é mera organizadora da festividade, não exerceu qualquer "atividade perigosa", não recaindo sobre ela qualquer presunção de culpa que de\/a ilidir.
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- Quem exerceu, no caso em concreto a atividade perigosa de manuseamento e lançamento de fogo-de-artifício foi o respetivo lançador, sendo que a recorrente/II unicamente encomendou à empresa, 2.
a ré, foguetes, material pirotécnico e a prestação de um serviço, o lançamento de fogo.
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- A palavra "quem" ínsita no aludido art.° 493.°, n.° 2 refere-se ao agente, aquele que, com a sua atuação, causou os danos, in casu. ao lançador do fogo e à empresa de pirotecnia para quem ele trabalhava.
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- Se se considerar que a argumentação que precede nâo colhe, vale contra a II e o seu presidente a presunção de culpa estatuída no artigo 493.°. n.° 2.
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- As festividades de Nossa Senhora da Saúde, em …, contaram com a presença de agentes da PSP de … (facto provado sob 2 da sentença recorrida); que controlavam o local da festa (facto provado sob 3 da sentença recorrida) e a quem a II pagou os respetivos serviços, cfr. documento não impugnado de fls. 215; a II requereu e obteve a licença de lançamento de fogo-de-artifício (facto provado sob 4 da sentença recorrida); tal comissão contratou com o primeiro réu e com a empresa 2.° ré, aquele por ser trabalhador com muitos anos de atividade pirotécnica e esta por ser uma empresa credível no mesmo ramo (facto provado sob 5 da sentença recorrida); foram erguidas barreiras de protecção metálica, à frente do palco, no Largo ..., em …, para que entre o palco e o local do lançamento do fogo, não houvesse público de permeio (factos provados sob 6 e 7 da sentença recorrida); o palco tinha uma estrutura metálica revestida na parte superior e no tardoz a chapa galvanizada (facto provado sob 8 da sentença recorrida); no local encontravam-se ainda os Bombeiros Voluntários de …, com o seu chefe, e diverso material: uma viatura de combate a incêndios e ambulância (facto provado sob 9 da sentença recorrida), que foram previamente informados pela II e ajudaram "com as restantes autoridades presentes a delimitar a zona de lançamento, criando para o efeito barreiras de protecção", vide documento não impugnado de fls. 208.
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- Não era exigível à II que tomasse mais providências do que as que efetivamente tomou, pelo que a haver responsabilidade desta sempre a mesma teria que ser baseada na culpa.
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- A forma como o sinistro ocorreu encontra-se descrita na sentença recorrida, sob factos provados 14 a 17, 20, 56, 57 e 60.
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- Ficou provado que foi o primeiro réu que, a dado passo, ao lançar o fogo-de-artifício, permitiu que caísse uma caixa de foguetes, por falta de estabilização no solo, os quais depois dispararam na horizontal, junto ao chão, em vez de subirem na vertical, e rebentaram contra o público assistente, assim atingindo a primitiva autora, dando origem ao acidente (pontos 10° e 12° a 16° do elenco factual).
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- Foi tal falta de estabilização, seguida do tombo da caixa de foguetes e posterior projeçao e rebentamento dos foguetes que foi causa adequada do sinistro.
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- A II não tinha que intervir no processo de lançamento dos foguetes, mas ainda que interviesse não evitava que os mesmos fossem lançados, com os resultados danosos daí advenientes.
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- A II não tem qualquer poder de controlo ou fiscalização sobre o processo de lançamento dos foguetes, mas ainda que tivesse esse poder tal facto não se mostra sequer alegado nos autos.
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- Só após o início do lançamento dos foguetes se consegue observar se a caixa dos foguetes está, ou não, estabilizada no solo, e ainda que se queira intervir, caso a caixa não esteja estabilizada no sol, isso não trava o processo de lançamento dos foguetes, uma vez acendido o rastilho (vide resposta dada aos pontos 56, 57 e 60).
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- A II não tem que controlar ou dar instruções sobre a queima e lançamento de fogo-de-artifício a especialistas nessa arte.
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- O acórdão sob recurso refere que a falta de estabilização no solo das caixas de foguetes se trata de uma imperícia pessoal do lançador que a II podia controlar e prever para evitar o sinistro, não concretizando, contudo, um único dever de cuidado ou conduta que esta tenha omitido.
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- Resulta dos factos provados que o acidente ocorreu por falha humana do fogueteiro, 1.° réu, que deixou cair uma caixa com bombas pirotécnicas, uma vez que, durante o lançamento dos foguetes, não logrou estabilizar no solo essa caixa.
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- O art.° 493.° do CC consagra uma excepção quanto ao ónus da prova de um dos elementos da responsabilidade civil subjectiva — a culpa — e não quanto aos restantes elementos, designadamente a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
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- Perante os factos provados é manifesto que a aqui recorrente não teve qualquer...
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