Acórdão nº 86/17.9YRPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução10 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Tribunal de Grande Instância de Perpignan, França, emitiu em 10 de Março de 2017, Mandado de Detenção Europeu (MDE) contra AA, de nacionalidade portuguesa, identificado nos autos, por ser suspeito da prática, como cúmplice, de crimes de corrupção e fraude, incluindo aquela que afecta interesses financeiros da União Europeia, p. e p., respectivamente, pelos artigos 121º-6, 121º-7, 432-11, 443-17, 126-6 e 121-7, do Código Penal Francês e 369º, 414º, 432ºbis, 435º e 438º do Código Aduaneiro Francês, puníveis com a pena máxima de dez anos de prisão (a que correspondem, na legislação portuguesa, os crimes de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal e de fraude qualificada, p. e p. pelo artigo 104, nº 1, a), do R.G.I.T.).

Veio o requerido a ser detido em Portugal, em 28 de Março de 2017, e, oportunamente inquirido no Tribunal da Relação do Porto, declarou não consentir na entrega ao Estado requerente, solicitando prazo para deduzir oposição, o que foi deferido, ficando a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a detenção.

Deduzida oposição, o requerido invocou, em síntese, que; não praticou os crimes a se refere o Mandado em apreço , nunca se deslocou ao território de França, sendo que na descrição de factos que consta do mesmo Mandado se refere apenas que estava em contacto com um funcionário da Alfândega francesa; nunca teve intenção de se furtar a qualquer processo em território de França ou de Andorra O Tribunal da Relação do Porto, veio a proferir em 10de Abril de 2017, a seguinte decisão: “IV - Nos termos expostos, julga-se improcedente a defesa apresentada e defere-se o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu em apreço, emitido pelas autoridades judiciárias francesas, relativo a AA, passando-se, após trânsito, os devidos mandados de captura e entrega, devendo esta última ter lugar no mais curto prazo possível (artigo 29º da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto).

Consigna-se que, ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº 1 b), da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto, a entrega fica sujeita à condição de o requerido, após ter sido ouvido, ser devolvido a Portugal a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente, lhe venha a ser aplicada.

Sem custas. Após trânsito, comunique à autoridade judiciária de emissão do M.D.E., devendo ser comunicado igualmente o período cumprido em detenção à ordem destes autos para efeitos de desconto no período de prisão eventualmente a cumprir (artigos 28º e 10º, nº1, da Lei nº 65/2003, de 23 de agosto - aqui se consignando que o requerido esteve detido desde as 9 horas do dia 28 de março de 2017).

Uma vez que se mantêm os respetivos pressupostos (ver fls 32), o requerido continuará sujeito a detenção.” Inconformado com o acórdão da Relação, dele veio o requerido interpor recurso para este Supremo Tribunal, apresentando na motivação do recurso as seguintes: “VI – CONCLUSÕES

  1. O Mandado de Detenção Europeu apresenta incongruências que levam ao seu indeferimento liminar, na medida em que não reflete o descrito na decisão judicial que leva à emissão do mesmo, nomeadamente em relação à qualidade do recorrente (cúmplice ou autor) e seu grau de participação, que por sua vez implicará o enquadramento das normas punitivas ao abrigo do direito francês.

  2. Não pode a entidade que emitiu o Mandado de Detenção Europeu ao abrigo de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva, alterar a qualidade do agente de cúmplice para autor, e consequentemente alterar a natureza e qualificação jurídica da infração pelo seu grau de participação.

  3. Pelo artigo 3.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto, é imposto que o conteúdo e a forma do Mandado de Detenção Europeu tenha por suporte a existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1.º e 2.º do mesmo diploma, o que pressupõe que a emissão do respetivo Mandado tenha o mesmo suporte legal, o que no caso concreto não acontece, violando desta forma o artigo 3.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

  4. Caso o Estado de execução não possa decidir da execução por considerar que as informações comunicadas são insuficientes para que possa decidir da entrega, deve solicitar que lhe sejam comunicadas informações complementares, pelo que ao não requerer informações complementares suficientes para a sua decisão viola o n.º 3 do artigo 16.º, o n.º 2 do artigo 22.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

  5. A decisão de entrega do recorrente ofende os direitos, liberdades e garantias devidamente consagrados na Constituição.

  6. O recorrente não praticou os crimes de que vem acusado.

  7. A única ligação que tinha com o funcionário da alfândega francesa, que foi detido em flagrante delito em data em que o recorrente se encontrava em Portugal, que por si só demonstra que após o recorrente ter regressado a Portugal o crime cometido por aquele funcionário se manteve pelo que o recorrente nada tem a haver com as eventuais práticas criminosas praticadas por aquele funcionário da alfândega, era quando o mesmo ligava para realizar uma encomenda, situação completamente legal, até porque o recorrente não sabe nem tem obrigação de saber o fim para que se destinam os bens, muito menos onde os mesmos serão depositados.

  8. A venda do tabaco e álcool em Andorra é completamente legal, e se feita em quantidades superiores às autorizadas caberá uma multa ou coima administrativa, a ser aplicada a entidade patronal do recorrente e nunca a este.

  9. A aplicação do princípio do reconhecimento mútuo não implica que as decisões do Estado de execução não sejam objeto de um controlo adequado, uma vez que a decisão-quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia, pelo que assentando o acórdão ora recorrido no Princípio do Reconhecimento Mútuo, viola o artigo 21º e 26.º da Constituição da República Portuguesa, assim como o Considerando (8) da Decisão-Quadro do Conselho de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI) j) O recorrente nunca praticou qualquer crime em território francês, inclusive encontrava-se em território que não pertence à união europeia, pelo que o Acórdão recorrido viola o ponto ii) da alínea g) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003, de 23 de Agosto.

    NESTES TERMOS, E nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e ser substituída por outra que se coadune com as pretensões expostas.

    Assim se fazendo justiça.

    O Exmo. Procuradpr-Geral Adjunto naquele Relação, apresentou resposta onde explicita em conclusão: I. O mandado de detenção europeu é executado com base no princípio do «reconhecimento mútuo». O que significa que as decisões penais de um Estado membro são reconhecidas e operam automaticamente em qualquer dos Estados-Membros da União Europeia; II. Não cabe ao estado membro de execução exercer qualquer controlo sobre as provas que sustentam a indiciação que é imputada ao requerido, nem sobre o mérito da decisão da AJ do Estado de emissão em perseguir criminalmente o requerido; III. Ainda assim, apesar de se estar perante «crimes de catálogo», a execução do MDE não foi determinada de forma automática, antes tendo sido ponderado que os factos que determinam a sua emissão, tal como descritos pela autoridade de execução, integram os domínios da criminalidade fixados na Decisão-Quadro; IV. Como foi ponderada a inexistência de causas de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, tendo a sua execução ficado condicionada – uma vez que a pessoa procurada é de nacionalidade portuguesa – a que, após ser ouvido, o mesmo seja devolvida a Portugal a fim de aqui cumprir a pena que, eventualmente lhe venha a ser aplicada [artº 13º, alínea b), da Lei nº 65/2003, na redacção da Lei nº 35/2015]; V. A transposição da Decisão-Quadro e introdução do procedimento de entrega, no âmbito da União Europeia, baseado no princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal, tem cobertura constitucional, tendo pela Revisão Constitucional de 2001, sido excepcionadas das proibições de extradição contidas nos nºs 3 e 4 do artº 33º da CRP, a aplicação das normas de cooperação judiciária penal estabelecidas no âmbito da União Europeia [nº 5, do mesmo artigo e redacção]; VI. Pelo que não se vê que a execução do MDE, de reserva de juiz, ofenda os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição, nomeadamente no artº 21º [direito de resistência] e 26º [outros direitos pessoais], assim como o Considerando (8) da Decisão-Quadro do Conselho, invocados pelo recorrente; VII. Por sua vez, resultando do respectivo formulário, para além dos demais requisitos de forma e conteúdo, o grau de participação da pessoa procurada como AUTOR [flªs 13, ponto 045], o facto de, no termo Descrição da Circunstâncias [flªs 12 e ss, ponto 044], se referir que, no estado actual do processo, o mesmo é considerado cúmplice destas fraudes e infracções, não releva como causa de recusa [obrigatória ou facultativa] de execução do MDE, nem justifica qualquer pedido de informação complementar ao estado de emissão, uma vez que do formulário consta a indicação da natureza e qualificação jurídica da infracção e a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento e lugar da sua prática, apenas se mostrando, ainda, nesta fase do processo, indeterminado o grau de participação que neles teve a pessoa procurada [autor/cúmplice]; VIII. Acresce que, constando do MDE que a pessoa procurada praticou os factos que consubstanciam as infracções a que é relativo o Mandado em apreço não só em Andorra, mas também em Porta, no território francês, e, mais genericamente, neste território entre 1 de Janeiro de 2015 e 9 de Março de 2017; IX. A prática da infracção apenas parcialmente fora...

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