Acórdão nº 5226/14.7T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução26 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

AA intentou acção com processo comum contra BB, pedindo que lhe fosse reconhecida a qualidade de herdeira de CC e a condenação da Ré na restituição de €151.178,40 à herança daquele; a sua remoção do cargo de cabeça de casal da mesma herança e ainda que seja reconhecida a sonegação pela Ré de € 151.178,40 enquanto bem da herança, perdendo esta em benefício dos co-herdeiros de CC, o direito que possa ter relativamente a esse bem sonegado; por último pediu que a Ré seja condenada no pagamento à herança de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o momento da prática dos actos ilícitos de sonegação de bens, ou seja, da sonegação de € 2.000,00, a partir de 06.11.2013, em relação a € 2.500,00, a partir de 07.11.2013; em relação a € 2.500,00 a partir de 10.11.2013; em relação a € 144.178,40, a partir de 15.11.2013, até efectiva e integral restituição à herança do montante sonegado pela Ré.

Alegou, em síntese, que CC faleceu no dia 9 de Dezembro de 2013, sendo filha deste e de DD, o qual teve também outro filho; a Ré foi casada, em regime de separação de bens, com CC, sendo o casamento dissolvido pela morte deste.

CC e a Ré partilhavam o mesmo domicílio, sendo o mesmo acompanhado pela Ré em todas as ocorrências do seu dia-a-dia; desde há alguns anos que CC padecia de doença oncológica no aparelho respiratório, e, nesse âmbito e já em estado terminal, foi forçado a internamento hospitalar o que se verificou no período de 4 a 27 de Novembro de 2013, durante o qual não se conseguia deslocar pelo seu próprio pé; que tendo regressado ao seu domicílio, em 27 de Novembro de 2013, não conseguia também e até à data da sua morte efectuar qualquer deslocação.

CC era titular único da conta bancária que identifica; que, a partir de certo momento, a Ré passou a deter o cartão Multibanco daquele, sendo o código do seu conhecimento; que em 6, 7 e 10 de Novembro a Ré fez levantamentos da conta bancária de CC, através do emprego abusivo do cartão Multibanco do mesmo, o que voltou a fazer em 8 de Janeiro de 2014; que salvo quanto à transferência de 8 de Janeiro de 2014, a Ré sempre omitiu a existência de tais transferências bancárias a seu favor, quer à Autora, quer ao outro filho do “de cujus”.

O CC era ainda titular de uma conta de certificados de aforro, sendo a Ré, apenas e só, autorizada na sua movimentação; no dia 15 de Novembro de 2013 a Ré procedeu junto da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública ao resgate da totalidade do montante pecuniário na mesma depositado, transferindo-o para a conta bancária de que é titular.

A Ré sempre omitiu a existência de tal quantia da titularidade de CC, quer à Autora que ao seu irmão.

No dia 10 de Janeiro de 2014 a Ré apresentou participação fiscal relativa ao Imposto de Selo, onde além do mais, identificou como crédito relativo a valores monetários depositados em contas bancárias o valor de € 5.427,39, omitindo os valores a que se reportam os levantamentos acima referidos.

No dia 29 de Janeiro de 2014 perante a Conservatória do Registo Civil de Queluz e em Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos a Ré promoveu a habilitação de herdeiros do falecido CC, apresentando a participação fiscal por si promovida em 10 de Janeiro de 2014; que desde essa mesma data que a Ré tenta sucessivamente agendar a partilha de bens do falecido CC, mas sempre omitindo os bens que ilegitimamente sonegou à sua herança.

A Ré contestou defendendo-se por excepção dilatória.

No mais aceitou os factos alegados pela Autora relativos à saúde e morte de EE e às relações familiares entre aquele, Autora e Ré, as contas bancárias do “de cujus” e os levantamentos por si efectuados daquelas contas.

Impugnou as conclusões que a Autora retira quanto à composição do acervo hereditário, alegando que as quantias que levantou da conta da CGD e da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública já não faziam parte do património de Artur Marques à data do seu óbito, bem como que aquelas quantias tivessem sido retiradas à revelia do falecido CC.

Mais alega que CC, a partir do momento que sofreu dois AVCs e ficou incapacitado de trabalhar viu os seus rendimentos reduzidos a uma pensão de reforma com o valor de € 324,81 em 2006, sendo em 2013 de € 388,34; com este rendimento CC não tinha possibilidade de acorrer às normais despesas da vida doméstica, suportando através da sua conta bancárias tão só as despesas de fornecimentos de bens e serviços de utilidade doméstica. Para além daquele rendimento, possuía CC a conta de aforro referida na petição, da qual não queria levantar dinheiro para acorrer às normais despesas da economia doméstica, com a intenção de não perder os parcos rendimentos que aquela conta proporcionava.

Assim e considerando que a Ré percebia uma pensão de reforma de valor mais elevado, chegou a acordo consigo no sentido de ser esta a custear as despesas normais da vida doméstica, com a condição de a vir a compensar através do levantamento da conta aforro e a entrega do respectivo valor.

Antes da sua hospitalização, em 4 de Novembro de 2013, o falecido CC insistiu para ir levantar a conta aforro e lhe entregar o respectivo montante, dissuadindo a Ré de o fazer; que no entanto, quando ficou claro que estava a entrar na fase terminal o “de cujus” deu-lhe ordens para levantar aquela quantia e depositá-la na sua conta, utilizando a autorização que previamente fora dada, o que fez por mandato e em cumprimento da vontade do seu marido e não com qualquer intenção de diminuir o acervo hereditário.

O “de cujus” em nada contribuía para as despesas domésticas, tendo a Ré pago do seu bolso para além destas e das despesas de lazer do casal, muitas despesas com a saúde do falecido, tal como custeou as despesas do funeral.

O “de cujus” quis ressarci-la do dinheiro que tinha gasto com ele, fazendo passar para a sua titularidade o dinheiro que tinha aforrado.

Quanto aos levantamentos efectuados em Novembro de 2013 da conta do seu marido destinaram-se a pagar despesas relativas à saúde do mesmo, tendo sido o próprio que lhe entregou o cartão de multibanco para que assim procedesse.

Conclui pela procedência da excepção invocada absolvendo-se da instância, ou se assim não se entender, ser a acção julgada improcedente, sendo absolvida do pedido.

Notificada para o efeito, veio a Autora pronunciar-se quanto à matéria da excepção invocada pugnando pela respectiva improcedência, o que aconteceu em sede de saneador.

Foi fixado o objecto do litígio e elaborados os temas da prova.

Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:

  1. Reconheceu à A. a sua qualidade de herdeira de CC, seu pai.

    b) Absolveu a R. dos demais pedidos.

    c) Absolveu a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.

    Inconformada, a Autora apelou para a Relação de Lisboa.

    Aí, e após reapreciação, foram dados por assentes os seguintes factos:

  2. CC faleceu no dia 09 de Dezembro de 2013, pelas 10 horas e 30 minutos, no local da sua residência Rua ...

  3. A Autora nascida em 19.05.1966 é filha de CC e de DD.

  4. CC teve, também, com DD outro filho FF, nascido em ...1969.

    d) A R. foi casada, em regime de separação de bens, com CC, casamento em segundas núpcias deste, sendo o casamento, ocorrido em 13.12.1986, dissolvido pela morte do cônjuge marido.

    e) CC e a R. partilhavam o mesmo domicílio, sito na Rua ..., sendo o mesmo acompanhado pela R. em todas as ocorrências do seu dia-a-dia.

    f) Desde há alguns anos a esta parte que CC padecia de doença oncológica no aparelho respiratório, tendo, com frequência crescente, crises crónicas de foro pneumológico consequentes da sua doença oncológica.

    g) No âmbito da doença referida em f), e já em estado terminal, CC foi forçado a internamento no serviço de Pneumologia do Hospital...

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