Acórdão nº 44/16.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça I - 1. AA, Juíza .... no Tribunal da Relação ..., concorrente nº 19 ao “V Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação”, aberto pelo Aviso publicado no Diário da República, 2ª série, nº 222, de 12 de Novembro de 2015, tendo ficado graduada em nº 44, Veio interpor recurso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que, em 10 de Maio de 2016, aprovou o Parecer do Júri daquele Concurso e efectuou a graduação dos candidatos, nos termos dos arts. 168º e segts do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ).

Pretende a Recorrente a anulação da deliberação proferida pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), porquanto entende que tal deliberação padece de vários vícios que enuncia e que se sintetizam, a título conclusivo, nos seguintes termos: I – Da Falta de Fundamentação 1. É Jurisprudencial e Doutrinariamente pacífico que o dever de fundamentação do acto administrativo deve assumir densidade acrescida quando o mesmo é proferido no exercício de poderes discricionários.

  1. Um dos critérios a levar em conta na avaliação curricular, de acordo com o supra referido Aviso do concurso, consistiu na capacidade de trabalho, sendo que, sob este item, foi a mesma valorada quanto à Recorrente (apenas) como boa, tendo-lhe sido atribuídos 8 pontos em 12 possíveis.

  2. Consta do Parecer, quanto à ora Recorrente, que: "1.6.3. A capacidade de trabalho: Em primeira instância, os relatórios indicam uma quebra do número de processos pendentes, uma produtividade excelente e uma significativa performance sob o ponto de vista da sua eficiência, sendo célere e expedita, quer na marcação das audiências de julgamento, quer na prolação das decisões finais. Como Auxiliar no Tribunal da Relação, não há registo de atrasos, enfrentando o serviço que lhe é distribuído, mas mantendo uma pendência elevada. Globalmente ponderada a sua prestação, qualifica-se como boa a sua capacidade de trabalho." 4. Assim, é decomposta a análise da capacidade de trabalho da Recorrente em duas partes, ou seja, analisa em primeiro lugar o serviço prestado em 1ª instância e, depois, o trabalho em 2ª instância.

  3. A capacidade de trabalho na 1ª instância é classificada (concordantemente com todos os relatórios de inspecção) como "excelente". Na 2ª instância (como auxiliar), refere-se que "não há registo de atrasos", que a Recorrente enfrenta "o serviço que lhe é distribuído", mas que, mantém uma "pendência elevada".

  4. Ou seja, efectua-se no mencionado Parecer (e na decisão recorrida) uma ponderação global da prestação da Recorrente (qualificação apenas como "boa" da respectiva capacidade de trabalho) essencialmente contraditória (e, inerentemente, infundamentada), quer no plano lógico-formal, quer no plano substancial, com os pressupostos de facto que a mesma enuncia.

  5. A qualificação, na deliberação recorrida, das pendências dos candidatos nos Tribunais da Relação como “baixa”, "média" e "elevada", não é um facto mas sim uma (mera) conclusão. Sendo certo que as conclusões extraem-se de factos, a deliberação recorrida é, contudo, absolutamente omissa quanto aos factos que deveriam sustentar aquela conclusão. Tal omissão consubstancia uma óbvia falta de fundamentação.

  6. Assim, coarctou-se à Recorrente a possibilidade de compreender o iter cognoscitivo que foi seguido para qualificar a sua pendência como "elevada", bem como a qualificação das pendências dos demais candidatos, nomeadamente aqueles a quem foi atribuída uma pendência "média" ou "baixa".

  7. O que deverá determinar, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da deliberação (cf. arts. 163º, nº 1, 152º e 153° do CPA) quanto à Recorrente e quanto a todos os mencionados candidatos, que expressamente se peticiona.

  8. Consta do Relatório da 6a Inspecção que foi efectuada ao serviço da Recorrente prestado no Círculo Judicial de Évora e no Tribunal da Relação ...

    (até 31.12.2013) que "[d]as tabelas que antecedem resulta evidenciada uma constante quebra do número de processos pendentes, sendo certo que, para a concretização de tal desiderato sempre assumiu a Senhora Juíza uma atitude de total entrega, fazendo tudo quanto foi chamada a fazer; imprimindo permanentemente celeridade ao seu exercício".

  9. O CSM sufragou o teor do mencionado relatório e homologou a 3ª classificação de "Muito Bom" atribuída à Recorrente. Como é então possível que o mesmo CSM venha agora revogar o seu anterior entendimento e qualificar (sem ter, nesta sede, pelas características estruturais do Concurso Curricular, o acesso integral ao trabalho da Recorrente, de que os serviços de Inspecção dispuseram), contraditoriamente com o anteriormente decidido pelo próprio, que a pendência da Recorrente é "elevada" e penalizá-la acentuadamente por isso? 12. Tal actuação configura um venire contra factum proprium e é violadora do princípio da boa-fé (art. 10° do CPA), pois a consideração, no Parecer homologado, de uma produtividade menos do que "excelente", em directa contradição com o caso resolvido administrativo que se formou com a homologação pelo próprio CSM do relatório (e classificação da proposta) da 6ª Inspecção, viola igualmente o princípio da boa-fé (art. 10.° do CPA).

  10. Tal violação deverá determinar, no entendimento da Recorrente, a anulabilidade da deliberação (cf. art. 163°, nº 1, do CPA) o que expressamente se peticiona.

  11. O juízo sobre o significado da pendência processual de determinado Juiz na respectiva capacidade de trabalho pressupõe, lógica e necessariamente, a contabilização do número de processos que o mesmo recebeu num determinado período e da relação deste número com o número daqueles que findou. Esta operação, básica em qualquer inspecção (e uma avaliação curricular não é uma inspecção), terá de ser necessariamente observada num concurso curricular relativamente ao serviço não inspeccionado, caso se admita a relevância curricular deste último.

  12. A valoração meramente quantitativa dos processos pendentes é, no entender da Recorrente, ilegal (por violação do disposto nos arts. 46°, n. 1 e 47°, nº 7, do EMJ) numa avaliação curricular (uma vez que não permite avaliar do "mérito" do respectivo candidato), que não é uma avaliação de serviço.

  13. Ainda que se admita a valoração de urna determinada pendência processual meramente quantitativa (que não ocorre in casu) e fora de um processo inspectivo, a fundamentação do respectivo juízo sempre terá de passar pela exposição do processo lógico, o que não acontece.

  14. Também aqui o Parecer (e, inerentemente, a deliberação recorrida) é totalmente omisso quanto ao número de processos que foram distribuídos a cada um dos candidatos durante o período considerado (bem como quanto às circunstâncias da prestação de serviço, nomeadamente a intensidade temporal da distribuição), pelo que, também por este motivo, a consideração de determinada pendência (que é desconhecida) apenas quanto a alguns candidatos sem que se considere concomitantemente o número de processos distribuídos e os findos se mostra viciado por falta de fundamentação, para além de configurar entendimento (sufragado pela deliberação recorrida) lógico-formalmente errado, sendo, igualmente, violador dos princípios da igualdade, imparcialidade e boa-fé (artigos 6°, 9° e 10°, do CPA).

  15. Tal violação determina, igualmente, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da deliberação (cf. art.163°, nº 1 do CPA) o que expressamente se peticiona.

    II – Da Violação dos Princípios da Igualdade, Imparcialidade e da Boa-fé 19. Surpreende-se, na deliberação recorrida, a adopção de critérios diferentes para avaliar o critério "capacidade de trabalho" na 1ª e na 2ª instâncias.

  16. A “capacidade de trabalho” dos candidatos colocados na 1ª instância é apenas valorada mediatamente, através da análise dos relatórios de Inspecção.

  17. Há, assim, uma completa omissão relativa à "capacidade de trabalho evidenciada pelos candidatos colocados na 1ª instância quanto ao respectivo serviço não abrangido por nenhuma inspecção, nomeadamente o serviço prestado após o marco temporal final da última inspecção e o marco temporal final considerado para efeitos de CCATR que, sublinha-se, pode ser de vários anos.

  18. Desconhece-se o motivo desta verdadeira dualidade de critérios que, intencionalmente ou não, favorece os candidatos colocados na 1ª instância em detrimento dos candidatos que já exercem funções nos Tribunais da Relação.

  19. É que, das duas uma: ou o CSM valora, quanto a todos os candidatos, apenas o serviço ("capacidade de trabalho") que foi objecto de avaliação inspectiva (em 1ª ou 2ª instância) ou então está obrigado a avaliar o trabalho de todos os candidatos (quer estejam colocados na 1ª instância, em comissões de serviço ou nos Tribunais da Relação) não abrangido por qualquer inspecção.

  20. O que não pode é avaliar tal trabalho quanto a uns e não o valorar quanto a outros, como fez. Ao fazê-lo, tratou de forma diferente situações objectivas iguais, com ostensiva violação do princípio da igualdade e sem o respeito pelo critério preestabelecido (ou seja a ponderação da "quantidade e qualidade do serviço [todo o serviço] prestado em primeira instância") a que estava vinculado, consagrado constitucionalmente (artigos 266°, nº 2 e 13° da CRP) e no CPA (art. 6°) e sem fundamentar minimamente tal tratamento discriminatório.

  21. Assim, atento o exposto, o CSM interpretou os artigos 46°, nº 1 e 47°, nº 7, do EMJ, de forma a violar os princípios da igualdade, não discriminação e imparcialidade previstos nos artigos 6º e 9º do CPA, em desenvolvimento do disposto no artigo 266°, nº 2 e 13° da CRP, ou seja, efectuando daqueles normativos uma interpretação ilegal e inconstitucional que, para os devidos efeitos, expressamente se invoca.

  22. Tal violação deverá determinar, na opinião da Recorrente, a anulabilidade da deliberação (cf. art. 163°, nº 1, do CPA), o que expressamente se peticiona.

  23. É de sublinhar que, ao contrário do teor do critério constante do Aviso de abertura do...

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