Acórdão nº 8013/10.8TBBRG.G2.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório.

AA veio interpor, em 23/6/16, recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, por entender que o acórdão proferido pelo STJ em 5/5/16 (acórdão recorrido) está em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo Tribunal, em 17/3/16 (acórdão fundamento), no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (arts.688º e segs., do CPC – serão deste Código os demais artigos citados sem menção de origem).

Nesse recurso, suscitou o recorrente a questão prévia relacionada com o trânsito em julgado do acórdão recorrido, alegando que o acórdão proferido em 5/5/16, de que foi notificado em 9/5/16, transitaria em julgado no dia 24/5/16, se contra ele não tivesse sido deduzida reclamação, pelo que o termo do prazo de 30 dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido, a que alude o art.689º, nº1, ocorreria no dia 28/6/16, ou no dia 23/6/16, caso se considere inaplicável ao caso o disposto no art.139º, nº5.

Mais alega que, no dia 19/5/16, o recorrente reclamou do acórdão de 5/5/16, por nulidade (omissão de pronúncia), mas que tal reclamação ainda não foi decidida, sendo que, se a mesma for considerada manifestamente infundada, nos termos do art.670º, o que o recorrente apenas admite como mera hipótese e contra as suas mais convictas expectativas, o referido acórdão considera-se, para todos os efeitos, transitado em julgado, por força do disposto no nº5, do art.670º.

Alega, ainda, que se ocorresse tal eventualidade, poderia frustrar-se a possibilidade de interposição deste recurso extraordinário pelo decurso do respectivo prazo, já que este se conta a partir do trânsito em julgado do acórdão recorrido, o qual se reportaria a 24/5/16 e fixaria o termo do prazo deste recurso no dia 23/6/16.

Por isso que, por mera cautela e, ainda, por considerar que, se a reclamação pendente não vier a ser considerada manifestamente infundada, como espera, poderá renovar o recurso, interpôs, desde logo, em 23/6/16, o presente recurso.

2 – Fundamentos.

2.1. O recorrente remata as suas alegações com mas seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido adoptou o entendimento de que o intermediário financeiro não incumpre qualquer dever de informação perante o seu cliente quando, apesar de lhe ter assegurado que o produto financeiro proposto era um instrumento substancialmente idêntico a um deposita a prazo (disponibilidade do capital investido, acrescido dos juros remuneratórios acordados), não o informou dos riscos associados ao investimento proposto.

  1. Tal entendimento está em frontal oposição com o sufragado, no domínio da mesma legislação e com base num quadro factual sobreponível, pelo Acórdão STJ de 17-03-1016 (procº 70/13.1TBSEI.C1.S1), no sentido de que o intermediário financeiro incumpre os seus deveres de informação perante o cliente sempre que, apesar de lhe ter assegurado que o produto financeiro proposto era um instrumento sem qualquer risco, com reembolso do capital e juros garantidos, não o informou dos riscos associados ao investimento proposto.

  2. Justifica-se e impõe-se, por isso, a prolação de acórdão para uniformização de jurisprudência sobre esta questão controvertida.

  3. Os intermediários financeiros devem prestar aos seus clientes - maxime aos investidores não qualificados - todas as informações necessárias para que estes tomem decisões de investimento esclarecidas e fundamentadas (artigo 312º, 1, CVM), sendo essa necessidade aferida de acordo com os fatores que o investidor em causa subjetivamente considera relevantes para a sua decisão, e assumindo-se, na ausência de indicações em sinal contrário, que para o concreto investidor em causa são relevantes aquelas informações que são tipicamente relevantes para um investidor com as suas características.

  4. São relevantes para a decisão do investidor o conhecimento da natureza e dos riscos associados ao instrumento financeiro objeto do investimento, em particular, do risco de perda da totalidade do investimento, devendo estes ser explicitados com um grau suficiente de pormenorização (artigos 312º, 1, al. d), primeira parte, e artº 312º-E, 1, parte final, e 2, al. a), parte final, CVM).

  5. É, de igual modo, relevante para a decisão do investidor o conhecimento dos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (artigo 312°, 1, al. e), CVM).

  6. As informações divulgadas pelo intermediário financeiro a investidores não qualificados não devem dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma atividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem darem igualmente uma indicação correta e clara de quaisquer riscos relevantes (artigo 312º-A, 1, al. a), CVM), e devem ser apresentadas de modo a serem compreendidas pelo destinatário médio (artigo 312º-A, 1, al. b), CMV).

  7. Devem tais informações ser completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e licitas (artº 7º, 1, CVM), e apresentadas de modo a serem compreendidas pelo seu destinatário, tendo em conta a sua experiência como investidor, os seus conhecimentos técnicos, a sua base informativa prévia à comunicação, e demais fatores que podem influir na apreensão por este do significado de declaração informativa (artº 312ºA, 1, al. e), CVM).

  8. Quando o intermediário dê ênfase a quaisquer beneficios potenciais de uma atividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro deve indicar também, de forma correta e clara e sem qualquer ambiguidade, quaisquer riscos relevantes, i.e., quaisquer riscos suscetíveis de influir na decisão de investimento do seu destinatário (artigo 312º -A, 1, al. b) CVM).

  9. A natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa devem ser «explicitados com um grau seficiente de pormenorização».

  10. Os citados preceitos do CVM, bem como todo o regime dos deveres de informação dos intermediários financeiros, operam parte da transposição da Diretiva dos Mercados e Instrumentos Financeiros (Diretiva 2004/39/CE), e da sua diretiva de implementação (Diretiva 2009/73/CE).

  11. Na eventualidade de formulação de acórdão uniformizador de jurisprudência que interprete direito interno correspondente à transposição de normas de diretivas europeias (em conformidade com as quais aqueles preceitos de direito interno devem impreterivelmente ser interpretados) em sentido contrário às exigências do direito da União Europeia, constitui-se o risco de se desencadear uma multiplicação de decisões jurisdicionais violadoras do direito da União Europeia, com potenciais consequências indemnizatórias para o Estado.

  12. Deve, por isso e por imposição do disposto no artº 267º, § lº, al. b) do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, ser suscitada ao Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo Supremo Tribunal de Justiça, a seguinte questão prejudicial: «Devem os artigos 19º da Diretiva 2004 / 3 9 / CE, 17° e 31 º da Diretiva n. o 2006 / 7 3 / CE, ser interpretados no sentido de impor aos Estados-Membros que estabeleçam normas que vinculem os intermediários financeiros a informar os seus clientes dos riscos do seu investimento, mesmo em casos em que esse investimento beneficia de uma garantia de capital e de rentabilidade? Mais particularmente, decorre daqueles artigos a obrigatoriedade de os Estados-Membros estabelecerem normas que vinculem os intermediários financeiros a informar os seus clientes dos riscos do investimento que subsistam, ainda que mitigados, apesar da estipulação dessas garantias, e dos riscos de não fundonamento dessas garantias, quando estas sejam estipuladas?» 14. Revertendo ao caso concreto: os contratos sub judice apresentam os seguintes traços comuns: - o Recorrente adquiria à BB um conjunto de ações da CC, S.A.; - o Recorrente ficava com a opção de vincular a BB à recompra dessas ações, em momento pré-definido e posterior à celebração de cada contrato; - sendo o preço de recompra das ações definido através da soma do valor inicialmente pago pelo Recorrente pelas ações e de um valor correspondente a uma taxa percentual aplicada, ao ano, sobre o valor da aquisição das ações, definido como "rendimento".

  13. A estipulação conjunta da aquisição de ações e da opção de revenda a um preço fixo acrescido de uma remuneração pré-estabelecida apresenta-se como um mecanismo de garantia do capital e da estabilidade do investimento independente do valor de mercado das ações e sem risco de liquidez.

  14. Nessa medida, tais contratos apresentam alguma similitude com depósitos a prazo, que eram o único tipo de investimento que o Recorrente aceitaria realizar, como se provou.

  15. Sobre tais similitudes prevalecem, contudo, acentuadas diferenças: - a recuperação do capital e a perceção do rendimento depende do exercício da opção de revenda; - a entrega de capital e a sua recuperação na "maturidade" do investimento não são movimentos unilaterais, como sucede nos depósitos a prazo, mas contraprestações da transmissão das ações em sentido inverso; - logo, a recuperação do capital investido e o auferimento da remuneração estipulada pressupõem a possibilidade da sua revenda na "maturidade" do investimento.

  16. O DD não facultou ao Recorrente - que é um investidor não qualificado - qualquer informação, muito menos informação pormenorizada, correta, verdadeira, dara e sem qualquer ambiguidade, acerca dos riscos relevantes do investimento, 19. induzindo-o a efetuar o investimento não obstante ter ficado provado que: - o Recorrente nunca fez qualquer aplicação na bolsa, nem adquiriu a nenhum banco qualquer produto diverso dos depósitos a prazo e era avesso a esse tipo de aplicações, sempre tendo colocado as suas economias em depósitos a prazo; - o DD, através de um seu administrador, garantiu ao Recorrente que os contratos de transmissão de ações eram aplicações substancialmente iguais aos depósitos a prazo, em especial quanto ao seu prazo e à sua remuneração; - sem a garantia de que os contratos celebrados eram substancialmente idênticos aos depósitos a prazo, o Recorrente...

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