Acórdão nº 580/13.0TNLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (A.) intentou, em 19/11/2013, junto do Tribunal Marítimo de Lisboa, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a BB - seguros, S.A. (R.), alegando, em resumo, que: - O A., na qualidade de dono da embarcação CC II, celebrou com a R., em 23/08/2006, um contrato de seguro marítimo “cascos”, com cobertura dos danos daquela embarcação previstos nas respetivas condições gerais e especiais; - No dia 14/06/2011, a referida embarcação, encontrando-se fundeada na Marina de …, em Resende, afundou-se na sequência de uma avaria do casquilho de uma válvula de canalização da embarcação e da consequente entrada de água no seu interior; - O A. suportou o custo do reflutuamento da sobredita embarcação, efetuado por empresa especializada, no valor de € 2.500,00, tendo a reparação sido orçamentada em € 55.200,00; - Apresentada a participação do sinistro à R., por esta foi realizada uma peritagem à embarcação e assumida informalmente a responsabilidade pela indemnização dos danos verificados; - Porém, em 17/10/2011, a R. declinou qualquer responsabilidade por considerar que o sinistro estava fora do âmbito de cobertura do seguro, ao abrigo da cláusula 4.ª, n.º 2, alínea i), das condições gerais da apólice, respeitante a exclusões; - Além das cláusulas gerais da apólice, o A. contratou a inclusão de condições especiais extras, estando os danos em causa abrangidos na respetiva cláusula 1.ª, n.º 1, alínea a); Concluiu o A. a pedir que a R. fosse condenada a pagar-lhes o seguinte: a) - € 39.500,00, pela reparação da embarcação CC II; b) - € 2.500,00, pelas despesas de reflutuamento; c) – os juros de mora, vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.

  1. A R. contestou, sustentando, no essencial, que: - Segundo as condições particulares do contrato de seguro, este garante os danos na embarcação com um capital por sinistro limitado a € 39.500,00 e uma franquia correspondente a 10% do valor do prejuízo resultante do sinistro, se, como no caso, o sinistro tiver ocorrido quando a embarcação se encontre fundeada ou estacionada sem qualquer guarda; - Para além das exclusões constantes da cláusula 4.ª das condições gerais, ficam excluídos do âmbito de cobertura os danos decorrentes de situações de afundamento da embarcação devido a acumulação de água no seu interior, exceto se devido a um acidente de navegação que origine um rombo no casco, conforme cláusula 4.ª, n.º 2, alínea i), das condições gerais; - O afundamento da embarcação em causa ocorreu em consequência da acumulação de água no seu interior, por sua vez, derivada de avaria do casquilho de uma válvula da canalização, estando, nessa medida, excluído da cobertura do seguro; - Não obstante isso, à data do sinistro, a embarcação do A. apresentava o desgaste de 18 anos de uso, encontrando-se muito desatualizada no mercado, não valendo mais do que € 31.150,00, sendo o valor dos salvados de € 7.750,00; - Assim, a R. nunca poderia ser condenada a pagar quantia superior a € 21.060,00; Concluiu a R. pela total improcedência da ação e consequente absolvição do pedido 3.

    Findos os articulados, foi proferido saneador tabelar e identificado o objeto do litígio, como estando centrado na questão se saber se o alegado sinistro se encontra ou não abrangido pela cobertura do seguro, consignando-se ainda a correspondente enunciação dos temas da prova. 4.

    Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 185-203, datada de 01/03/2016, a julgar a ação parcialmente procedente e a condenar a R. a pagar ao A. a quantia global de € 26.650,00, sendo € 23.500,00 a título de danos na embarcação e € 3.150,00 por despesas de salvamento, acrescida de juros de mora desde a citação.

  2. Inconformada com tal decisão, veio a R. interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou a apelação procedente, revogando a decisão recorrida e, por consequência, improcedente a ação com a absolvição da R. do pedido.

  3. Desta feita, inconformado, o A. pede revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - O contrato de seguro celebrado entre seguradora e segurado regula-se pelas condições gerais, especiais e particulares da apólice.

    1. - O contrato de seguro é um típico contrato de adesão, ao qual são aplicáveis as normas constantes do DL 446/85, de 25/10.

    2. - A seguradora não logrou alegar e provar em juízo ter dado cumprimento efetivo ao dever de informação acerca do seu teor, ao destinatário da proposta contratual, o A. ora Recorrente; 4.ª - Por força do disposto no artigo 8.º, alínea b), do DL 446/85, de 25/10, a cláusula 4.ª das condições gerais da apólice considera-se excluída do contrato de seguro celebrado entre seguradora e segurado; 5.ª - Tratando-se de uma cláusula inexistente, é permitido o conhecimento desta invalidade oficiosamente pelo tribunal, mesmo quando não suscitada pelas partes; 6.ª - Não era ao A. que incumbia o ónus de alegar a violação dos deveres prescritos nos artigos 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25.10.

    3. - O facto do ora recorrente discutir a exclusão de uma determinada cláusula em juízo, não significa que dela tivesse tido conhecimento aquando da celebração do contrato de seguro.

    4. - Assim, excluída a cláusula 4.ª do contrato de seguro, deve considerar-se a R. seguradora, ora recorrida, responsável pelo ressarcimento ao recorrente dos danos na embarcação e dos gastos de salvamento ocorridos naquela embarcação, como muito bem decidiu o Tribunal de 1ª Instância.

    Pede o Recorrente que seja revogado o acórdão recorrido e reposta a decisão da 1.ª instância.

  4. A Recorrida apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.

    Das conclusões do Recorrente resulta que o objeto da revista se circunscreve ao seguinte: i) - a questão de saber se incumbia à R. o ónus de alegar e provar ter dado cumprimento efetivo ao dever de informação acerca do teor da cláusula 4.ª, n.º 2, alínea i), das condições gerais do contrato de seguro em referência, no sentido da exclusão da cobertura do tipo de danos em causa; ii) – em caso afirmativo, ajuizar sobre a procedência da ação.

    III – Fundamentação 1. Factualidade provada Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade: 1.1.

    O Autor (A.) é dono da embarcação CC II, com a matrícula 1048-AL-4; 1.2.

    Em 23/08/2006, o A. celebrou com a R. um contrato de seguro marítimo cascos, para a embarcação CC II, titulado pela apólice n.º 07…/ …/003, ao abrigo do qual estão cobertos os danos daquela embarcação previstas nas condições gerais e especiais, com o teor constante a fls 12 a 41, e 75 a 78, aqui dadas por reproduzidas na íntegra; 1.3.

    No dia 14/06/2011, quando fundeada na Marina de …, em R…, em local com guarda, esta embarcação afundou na sequência de uma avaria do casquilho de uma válvula de canalização do WC da embarcação e da consequente entrada de água no seu interior; 1.4.

    O afundamento da embarcação foi detetado pelo guarda da marina, durante a revista aos pontões, pontos de amarração e respetivas embarcações ali fundeadas; 1.5.

    À data do sinistro, a embarcação encontrava-se fechada em todos os acessos.

    1.6.

    Emergiu em cerca de 90% da sua totalidade, nas águas interiores da fluvina, em estado normal de acostagem; 1.7.

    Cerca de três...

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