Acórdão nº 6701/09.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N.º 6701/09.0TVLSB.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA, CRL propôs no dia 29-12-2009 ação declarativa sob a forma de processo ordinário contra Rádio e Televisão de Portugal, SA pedindo que seja a ré condenada a pagar à A. a justa remuneração pelas prestações à ré dos artistas, intérpretes e executantes desde 1 de setembro de 2004 nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na redação da Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, no valor de 1,50% do valor das receitas publicitárias e compensação financeira do Estado e contribuição para o audiovisual auferidas anualmente pela ré em montante a determinar em sede de liquidação (ver pedido e articulado superveniente a fls. 1445); condenar a ré no pagamento à autora de juros moratórios sobre as quantias supra indicadas calculadas à taxa legal desde a citação até integral pagamento; e ainda condenar a ré no pagamento suplementar de juros à taxa de 5% ao ano nos termos do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil.

  1. A autora fundamenta o seu pedido no artigo 178.º/2 e 3 do CDADC que prescreve: 2- Sempre que um artista intérprete ou executante autorize a sua prestação para fins de radiodifusão a um produtor cinematográfico ou audiovisual ou videográfico, ou a um organismo de radiodifusão, considerar-se-á que transmitiu os seus direitos de radiodifusão e comunicação ao público, conservando o direito de auferir uma remuneração inalienável, equitativa e única por todas as autorizações referidas no n.º1 à exceção do direito previsto na alínea d) do número anterior. A gestão da remuneração equitativa única será exercida através de acordo coletivo celebrado entre os utilizadores e a entidade de gestão coletiva representativa da respetiva categoria, que se considera mandatada para gerir os direitos de todos os titulares dessa categoria, incluindo os que nela não se encontrem inscritos.

    3- A remuneração inalienável e equitativa a fixar nos termos do número antecedente abrangerá igualmente a autorização para novas transmissões, a retransmissão e a comercialização de fixações obtidas para fins exclusivos de radiodifusão.

  2. Este novo regime de remuneração inalienável, única e equitativa em vigor desde 2004 por força da alteração introduzida neste preceito pela Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, deixa às partes a sua fixação mediante acordo que não foi possível no caso por divergência quanto ao critério equitativo com base no qual se determinará a justa remuneração.

  3. A autora considera que o critério a adotar deve ser o de se fixar uma percentagem de 1,50% das receitas referenciadas supra que, no entender da ré, corresponde a 2.500.000,00€ anuais.

  4. A remuneração do artista, intérprete ou executante (doravante AIE) deve ser, segundo a autora, proporcional ao proveito obtido pelo utilizador das prestações, ou seja, proporcional ao benefício apurado pela entidade que está a divulgar as suas prestações.

  5. Referiu a autora que durante as negociações mantidas com a ré foram debatidos dois critérios: (i) a fixação do valor por minuto de prestações exibidas ou (ii) a fixação de uma percentagem do montante das receitas publicitárias auferidas por cada organismo de radiodifusão.

  6. O primeiro critério foi afastado por não ser tecnicamente possível efetuar a contagem de cada prestação radiodifundida e, ainda que assim não fosse, sempre se suscitariam inúmeras dificuldades para a determinação do valor devido por minuto e por prestação, atendendo à diversidade dos AIE ou à multiplicidade das prestações. Tarefa complexa e com elevado potencial de conflitualidade a impor recursos técnicos e humanos complexos e dispendiosos. Tal critério foi assim arredado do processo negocial.

  7. A ré considerou inadequado o proposto critério da percentagem salientando que desde logo importa delimitar as prestações cuja remuneração equitativa deve ser atribuída à autora e a sua relevância para o operador televisivo. Assim, as prestações abrangidas pela mencionada disposição não incluem as que são radiodifundidas pela primeira vez; as repetições e as "novas transmissões" são efetuadas em horários e canais de menor audiência; as prestações protegidas não abrangem as prestações originárias de países que não são membros da União Europeia, reduzindo-se o conjunto das prestações protegidas ou a menos de 1% tratando-se de "novas transmissões" e a não mais de 16% da duração total da programação, sendo estas constituídas na sua maioria pelas dobragens para língua portuguesa de programas infantis; relevam apenas as prestações de AIE que não sejam contratados por produtores externos; a remuneração referenciada no artigo 178.º/3 do CDADC inclui somente as prestações audiovisuais não editadas comercialmente, estando excluídas quaisquer prestações que se encontrem fixadas em fonogramas (discos, CD e DVD) pois estas estão previstas no artigo 184.º/3 do CDADC.

  8. A ré, assim sendo, considera que as utilizações relevantes para efeitos dos nºs 2 e 3 do artigo 178.º do CDADC representam uma pequena parcela do total da programação emitida, não havendo qualquer relação de proporcionalidade entre a variação das receitas e o grau de utilização ( por nova transmissão, retransmissão ou comercialização) das prestações protegidas, variando as receitas em função do aumento das audiências e sendo inaceitável que a ré pagasse o mesmo, a utilizar-se um critério de percentagem, que pagaria um operador que emitisse em exclusividade repetições de programas.

  9. As indemnizações compensatórias pagas pelo Estado destinam-se a cobrir outras finalidades, não se justificando que a percentagem fosse fixada incluindo-se na receita o montante daquelas.

  10. No entender da ré o critério a consagrar deve incluir o grau de utilização das prestações a remunerar, ou seja, a fixação da remuneração equitativa deve ter em conta o número de horas de difusão dos fonogramas 12.

    As remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes (AIE), performers na terminologia anglo-saxónica, pelas primeiras radiodifusões implicam um custo anual de 450 mil euros, inferior em 1/5 aos 2 milhões de euros pagos a título de remuneração dos direitos de autor.

  11. A ré aceita outros critérios que tenham em conta designadamente (i) a efetiva utilização das prestações em causa e (ii) o efetivo investimento da ré na produção ou aquisição de programas que incluam prestações artísticas protegidas pela lei portuguesa.

  12. Assim, o critério a adotar deve considerar a efetiva utilização (por via de novas transmissões, retransmissões ou comercialização) das prestações em causa, medindo as respetivas (i) duração, (ii) relevância na programação e (iii) o montante do investimento. A ré considera que a proporção de duração das utilizações na programação dos canais na RTP não ultrapassa 27%, as utilizações para "nova transmissão" ocorrem quase sempre em horários e canais de menor valia económica e a aplicação a cada nova transmissão de uma remuneração equivalente a 20% da remuneração inicialmente paga nunca ultrapassaria um montante anual de 200 mil euros ( ver artigos 256 a 276 da contestação).

  13. Após julgamento, foi proferida sentença onde se considerou que a ré é um organismo de radiodifusão, por via hertziana e por satélite, que emite e efetua a comunicação ao público e a comercialização de prestações de AIE, devendo dedicar 60% das suas emissões à difusão de programas originariamente em língua portuguesa.

  14. Considerou-se ainda que a ré, enquanto utilizadora das prestações dos AIE, não efetuou o pagamento de qualquer das remunerações devidas pela radiodifusão de prestações artísticas aos AIE desde 29 de agosto de 2004, encontrando-se adstrita ao pagamento em conformidade com o disposto no n.º2 e no n.º3 do artigo 178.º do CDADC.

  15. No tocante à fixação da aludida remuneração inalienável, equitativa e única entendeu-se que o CDADC estabeleceu um conceito difuso e não um critério pelo qual se paute a remuneração a estabelecer. Mais entendeu a sentença que assentando a causa de pedir " na previsão legal de uma remuneração equitativa, não ocorre qualquer apreciação de diverso objeto […] se, a final, se concluir pela concretização de uma remuneração assente em critério ou critérios diversos do enunciado, em concreto, pela autora".

  16. A sentença, referenciando os factos provados e, em particular, os não provados, considerou que a autora não logrou demonstrar que o valor da remuneração que deva ser prestada pela retransmissão das prestações protegidas, que lhe cabe gerir, seja "fixada, de forma automática, em função do apuramento das receitas (publicitárias e compensação financeira) da ré em termos de se poder concluir que uma percentagem de cada receita publicitária se reflete numa prestação artística protegida. Tal nexo não ficou comprovado".

  17. Mas entendeu a sentença que, tendo sido debatidas durante as negociações, os dois aludidos critérios, a "remuneração equitativa a fixar, devida pela ré aos AIE, nos termos do artigo 178.º/2 e 3 do CDADC, deverá efetuar-se por correspondência com a fixação de um valor por minuto das prestações exibidas.

  18. Esse valor por minuto não deve assentar, em exclusivo, num único critério "cego", antes devendo resultar de uma ponderação sobre a utilização que é feita sobre a obra protegida.

  19. Segue a sentença a orientação ditada pela jurisprudência comunitária onde se sustenta que "a remuneração deve ter uma relação razoável com o valor económico da prestação fornecida", deve ter "uma relação razoável com os parâmetros das emissões em causa, como a sua audiência efetiva, a sua audiência potencial e a versão linguística" (ATJ de 4-10-2011, C-403/08 e C- 429/08, C-403/08 e C-429/08).

  20. A sentença afirma que, na programação da ré, as prestações de AIE variam entre 31,2% a 31,8% da totalidade da programação, numa média que perfaz 31,5%.

  21. Foi proferida a seguinte decisão: "[…) Julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,

    1. Condeno a ré Rádio e Televisão Portugal, SA a pagar à autora...

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