Acórdão nº 958/11.4PAMTJ. L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA MENDES
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No processo supra referenciado da .... Secção.... .... da Instância Central de ..., Comarca de Lisboa, foi condenado, entre outros, AA, como os sinais dos autos, pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punível pelos artigos 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código Penal, e de um crime de roubo previsto e punível pelos artigos 204º, n.º 1, alínea f) e 210º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, nas penas de 15 anos e 5 anos e 6 meses de prisão, respectivamente, sendo-lhe imposta a pena conjunta de 18 anos de prisão.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa foi aquela decisão confirmada.

O arguido interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem ipsis verbis aos constantes dos autos.: I. O recorrente invocou a utilização de meios proibidos de prova invocando a nulidade do modo de obtenção da ficha decadatilar do arguido junto das autoridades suíças por violar o princípio nemo tenetur se ipsum accusare bem como invocou a nulidade do exame pericial de fls. 1435 por a ficha decadatilar do recorrente ter sido introduzida numa base de dados biométricos não prevista na lei nem sujeita a parecer prévio da CNPD.

  1. Mais invocou o recorrente que a obtenção da sua ficha decadatilar constitui meio de obtenção de prova nulo por ter sido requerida por autoridade judiciária incompetente para o efeito.

    não estão regulamentadas e a sua utilização, para efeitos criminais, obriga a parecer prévio da CNPD, parecer esse que não existe. c) Impugnou a matéria de facto provada e não provada, especificando os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, indicando as provas [documental e testemunhal] que, no seu entender, impunham decisão diversa, fazendo a necessária referência aos suportes técnicos, em cumprimento do disposto no número 4 do artigo 412.º do CPP. d) Invocou a insuficiência da matéria de facto para a decisão, fundamentando, de facto e de direito.

    e) Impugnou a determinação da medida concreta da pena bem como da pena única aplicada, fundamentando, de facto e de direito.

  2. A decisão do recurso interposto pelo recorrente consta de fls. 78 a 110.

    Xl. Salvo melhor opinião, e com o respeito devido, o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação.

  3. Em matéria de recurso de facto a lei processual penal garante ao arguido um duplo grau de jurisdição, ou seja, uma dupla garantia de apreciação da prova.

  4. A concretização do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, como garantia fundamental de defesa do arguido, imposta pela Constituição da República Portuguesa obriga a que o Tribunal da Relação aprecie, efectivamente, o recurso interposto pelo arguido, reexaminando as provas por este indicadas.

  5. A remissão constante para a fundamentação do acórdão recorrido não satisfaz tal exigência.

  6. Além do que, relativamente à nulidade de obtenção de meio de prova e à utilização de prova proibida, o tribunal a quo elabora em erro sobre o objecto do recurso, tomando posição sobre a recolha e análise dos vestígios lofoscópicos e não da ficha decadatilar do arguido - cf fls. 79 do acórdão recorrido. XVI. O recorrente impugnou o modo de obtenção da ficha decadatilar, junto das autoridades suíças, ficha decadatilar essa que veio a ser utilizada para o exame comparativo com os vestígios lofoscópicos recolhidos.

  7. Assim como o recorrente impugnou o exame pericial atenta a inserção de dados biométricos do recorrente (provenientes da aludida ficha decadatilar) na base de dados AFIS, cuja utilização não se encontra legalmente prevista nem foi objecto de parecer prévio obrigatório da CNPD .

  8. Concluindo o recorrente que o exame pericial resultante da utilização dessa base de dados constitui prova proibida, nos termos do artigo 127.º do CPP.

  9. O tribunal a quo, sobre a nulidade da obtenção da ficha decadatilar, decide assim: XX. Ora, além de a decisão incidir sobre matéria que não foi objecto de recurso pelo recorrente é patente a falta de fundamentação da decisão nesta parte.

  10. Relativamente ao recurso sobre matéria de facto [em toda a sua extensão], o tribunal a quo não apreciou os fundamentos do mesmo, nem fez qualquer análise crítica da prova produzida e invocada pelo recorrente (subjacente ao desiderato do duplo grau de jurisdição em matéria de facto).

  11. Sobre esta parte do recurso o tribunal a quo considerou, além do mais que se alegará, que o recorrente não observou parcialmente os requisitos dos números 3 e 4 do artigo 412.º do CPP [cf. fls. 80 do acórdão recorrido], mas sem razão pois o recorrente indicou os concretos pontos de facto que considerou incorrectamente julgados, as concretas provas que, por si ou conjugadas com outras, impunham decisão diversa e fez menção ao suporte técnico onde se encontrava gravada a prova testemunhal que invocou para sustentar a sua discordância, cumprindo escrupulosamente os mencionados dispositivos legais.

  12. A fls. 102 do acórdão recorrido, o tribunal a quo conclui que o tribunal de 1.ª instância valorou os depoimentos conexionando-os com os restantes elementos de prova e pronuncia-se sobre a perícia lofoscópica para concluir que esta apenas permite provar que o arguido esteve dentro da casa da vítima e que "ínexistindo justificação plausível e convincente do próprio para a sua presença anterior naquele local são os restantes depoimentos que apoiam a ligação do arguido à cena do crime. Através de prova indirecta? Concerteza.(…).” XXIV. Este parágrafo é elucidativo da pouca atenção do tribunal a quo ao recurso do recorrente; este não pôs em causa a sua presença no local do crime nem a sua participação no crime de roubo, que, de resto, confessou em audiência de julgamento, razão pela qual o tribunal de 1.ª instância não necessitou de recorrer a prova indirecta para dar como provado que o arguido esteve no local do crime e cometeu um crime de roubo.

  13. O que o recorrente impugnou, relativamente à sua pessoa, foram os factos relacionados com a sucessão de acontecimentos no local do crime e relativos às agressões à vítima e, consequentemente, à sua participação/responsabilidade no crime de homicídio.

  14. Matéria que o tribunal a quo não apreciou nem fundamentou a sua decisão ao julgar o recurso improcedente nesta parte.

  15. Relativamente à invocada insuficiência da matéria de facto para a decisão o tribunal toma posição a fls. 105 do acórdão recorrido.

  16. Também nesta parte, a decisão do tribunal a quo não se encontra fundamentada; temos dúvidas até se, no caso da invocada insuficiência da matéria de facto para a decisão, se trata de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia tal a ligeireza com o que o tribunal a quo decide a questão suscitada pelo arguido, recorrendo a um argumento fácil: não se XXXIV. No caso concreto, e como supra explanámos suficientemente, o tribunal a quo não apresentou qualquer raciocínio sobre os argumentos invocados pelo recorrente, nem qualquer reexame da prova invocada por este, estribando a sua decisão na mera adesão aos fundamentos do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância. XXXV. Termos em que o acórdão recorrido deve ser julgado nulo por falta de fundamentação.

  17. Do texto do acórdão proferido pelo tribunal de 1.ª instância, em matéria de facto, resulta evidente que não se determinou quem agrediu a vítima e lhe provocou as lesões que, necessariamente, conduziram à sua morte, dando como provado que foi um ou ambos os arguidos [AA/BB] XXXVII. O acto de amarrar e amordaçar a boca de uma pessoa, de per si, não é causa adequada da morte por asfixia devida a obstrução das vias aéreas superiores, embora constitua violência.

  18. A condenação por homicídio qualificado exige que se determine quem foi o autor das lesões que conduziram à morte, não se bastando com a menção "um ou ambos".

  19. Provado ficou que o recorrente e o co-arguido entraram na residência da vítima com a intenção de subtraírem os bens que aí encontrassem ou que a vítima tivesse consigo, admitindo-se que os arguidos tenham previsto a necessidade de colocar a vítima na impossibilidade de resistir para a aquietar e impedir de alertar os vizinhos.

  20. Tal impossibilidade de resistência alcança-se pela amarração das mãos e pela colocação de uma mordaça na boca que, como se referiu, constituem, também uma forma de violência na medida em que limitam a liberdade de expressão e de movimentos da vítima.

  21. Realidade diversa são agressões violentas que conduzem à morte da vítima.

  22. Tais agressões consubstanciam uma nova resolução criminosa relativamente ao crime de roubo padrão, acordado - expressa ou tacitamente - entre os arguidos.

  23. Pelo que quanto a essa nova resolução criminosa – agressões violentas susceptíveis de virem a causar a morte, que se previu e com a qual o agente se conformou - impunha-se ao tribunal de primeira instância apurar, em concreto, de quem partiu a nova resolução criminosa, excedendo o acordado, e quem fez o quê no âmbito dessa nova resolução criminosa.

  24. A mera colocação de uma mordaça na boca de uma pessoa e a amarração das mãos não são causa adequada da morte por asfixia, o que o tribunal de 1.ª instância não relevou na decisão.

  25. A causa adequada de morte por asfixia resulta, no caso concreto, das lesões que provocaram hemorragias internas na cavidade craniana e nasal da vítima e que levaram a que esta respirasse sangue ou sufocasse com sangue que foi coagulando ao longo da cavidade nasal.

  26. Importando, por isso, apurar quem e com que intenção agrediu a vítima e quando esta já estava, aparentemente, dominada com que intenção lhe colocou a mordaça, quem e com que intenção deixou a vítima prostrada no chão, violentamente agredida e amordaçada.

  27. Não tendo o tribunal de primeira instância apurado quem teve a iniciativa de agredir violentamente a vítima violou o disposto no artigo 374...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT