Acórdão nº 1074/13.0 PBVIS-B1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | SOUTO DE MOURA |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
AA [ ... ..., ..., ...,] foi condenado a 16/9/2015, em processo comum e por juiz singular, na Comarca de ..., Instância local, Secção Criminal, juiz ..., na pena de três anos de prisão efetiva, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artº 152º, n°s 1, al. b), e nº 2, do CP. Recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que por acórdão transitado em julgado a 18/2/2016, considerou o recurso totalmente improcedente. É desta decisão que arguido interpõe, agora, recurso extraordinário para revisão de sentença, ao abrigo da al. d), do nº 1, do artº 449º, e al. c ), do nº 1, do art. 450º, ambos do CPP. A – RECURSO No seu recurso, o arguido apresentou as seguintes conclusões da fundamentação: 1.
O presente recurso não tem como fim corrigir a medida da sanção ou a determinação da forma de a executar mas, outrossim, carrear para os autos “…a descoberta superveniente de factos e de meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitam …”graves dúvidas sobre a justiça da condenação” - artgº. 449º. nº. 1 al. d) do CPP.
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A junção de prova documental/relatórios médicos e periciais evidencia que a decisão proferida a quo, e confirmada ad quem, padece de erro compatível com a grave dúvida que assola a justiça da condenação sentenciada, erro esse que impõe a prolação de uma outra decisão.
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O condenado mereceu a censura do tribunal a quo e a sua punição em pena privativa de liberdade, por 3 anos, pela prática de um crime de violência doméstica (artg. 152º nº 1 al. b) e nº 2 do CP) perpetrado sobre a ofendida BB.
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Em sede de audiência de julgamento foi suscitada a questão da inimputabilidade/imputabilidade diminuída do arguido, sendo a dúvida sobre tal estado sido caucionada pelas declarações prestadas pelo próprio, pelas declarações prestadas pela testemunha CC, e, declarações prestadas pela ofendida BB.
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Da acta de audiência de julgamento de 2/5/2014, resultou a necessidade de realizar perícia psiquiátrica e perícia à personalidade do arguido para aferir do seu grau de perigosidade (requerimento da defesa, sufragado pelo Ministério Público e MMº Juiz a quo).
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A perícia psiquiátrica e perícia à personalidade do arguido, veio a mesma a revelar-se frustrada, pois, pese embora notificado para o efeito, o condenado não compareceu nem apresentou justificação para tal omissivo comportamento.
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Em audiência de julgamento, 15/7/2014, chamado a pronunciar-se sobre a ausência do condenado, então arguido, às perícias ordenadas, referiu o Ministério Público que “…perante o requerido pelo arguido a fls. 147 e 148, e perante o depoimento da sua mãe, ouvida nessa sequência nos termos do artg. 340º do CPP, considerou-se a possibilidade de estar suscitada a questão da imputabilidade diminuída do arguido… Perante o comportamento do arguido, outra solução não nos resta do que entender que o mesmo não quis, não quer e nem pretende sujeitar-se a tal perícia, que apenas terá sido requerida com fins meramente dilatórios… promovo a continuação da audiência de discussão e julgamento, sem a realização às perícias/exames, tanto mais que nunca foi apresentado qualquer documento que ateste que o arguido alguma vez foi objecto de qualquer seguimento psiquiátrico ou que padece de qualquer doença nesse âmbito…”, sendo concordante a posição do tribunal a quo e preterindo-se, então, a realização das perícias outrora ordenadas.
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Em sede decisória – sentença – o tribunal a quo, a propósito da questão da imputabilidade, ou falta dela, escreveu que “…o arguido, estamos em crer, não padece de qualquer problema psicológico ou psiquiátrico que justifique o seu comportamento, tendo aliás ele próprio inviabilizado a realização dos exames…” – cfr. certidão nº 1 junta a final, pag. 9, 2º paragrafo.
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A questão da imputabilidade/inimputabilidade do condenado é a razão primacial que deverá ser analisada à luz da prova ex novum que se junta agora, e, não antes, por um motivo maior que decorre dos próprios relatório que a final se juntam: o condenado, só após o início de tratamento medicamentoso e acompanhamento médico bastante (iniciado após decurso do processo e sob forma medicamentosa sub-reptícia), assumiu a sua doença, sendo mesmo, a negação de tal enfermidade do foro psiquiátrico a causa próxima de não comparecimento aos exames determinados.
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Ou seja, a doença do foro psiquiátrico do arguido surge como causal e determinante quer da sua ausência aos exames ordenados em audiência de julgamento, quer do comportamento delituoso assumido e susceptível de impelir um estado de inimputabilidade.
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A novel prova que constitui o substacto do presente recurso e objectiva o fundamento da revisão proposta da sentença condenatória - ostensivamente desfalcada de tal decorrência incapacitante - compreende uma panóplia de relatórios psiquiátricos e psicológicos, e, unanimemente, se conclui que o arguido é, e era à data dos factos ilícitos, portador de anomalia psíquica que sugestiona a inimputabilidade (ou imputabilidade diminuída) para atribuição culpabilidade em sede criminal na prática delitiva assacada.
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O requisito exigido pelo art. 449º nº 1 al. d) do CPP para que seja cogitável revisar a sentença a quo demanda a existência de prova nova que, singular ou cumulativamente com aqueloutra já apreciada no processo, suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação, densificando-se este conceito nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque[1] com situações que “…dizem respeito à imputação do crime e à determinação das sanções principais e acessórias, bem como à atribuição de indemnização civil. Estão, portanto, incluídos os seguintes casos: a) O conhecimento posterior da inimputabilidade do arguido à data dos factos pelos quais foi condenado, provada com base em relatórios psiquiátricos que não foram oportunamente juntos aos autos… ou melhor, que não puderam ser oportunamente juntos…”; em identidade interpretativa, na jurisprudência, veja-se o Acordão do STJ, de 18/10/2000, in SATSJ, nº 44, 74.
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Apelando ao bosquejo factual supra e ao teor dos relatórios psiquiátricos e psicológicos que se juntam e que são a prova novel, evidencia-se a gravidade dubitativa sobre a justiça da condenação proferida a quo, porquanto, se considerou imputável o condenado sem que as perícias determinadas (se foram determinadas, ao tempo foram tidas por importantes ou exigíveis!) hajam sido cumpridas, e, mercê dessa omissão, postergou-se o devido enquadramento imposto pela lei penal ao juízo de culpabilidade que, sabemo-lo agora, era à data dos factos merecedor de critério de inimputabilidade/imputabilidade diminuída.
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São meios de prova novos a legitimar a revisão da sentença a quo: a) Consulta de psiquiatria não programada, efectuada pela Drª FF, em 18/2/2016, a qual, após observação e diagnóstico, o orientou para consultas sequenciais da especialidade, conforme se constata do Diário Clinico junto a final; b) Em 6/6/2016, foi emitido Atestado Médico junto a final, pelo Drº DD (médico de família), dando conta do percurso do condenado nas consultas médicas de rotina e indiciação de comportamento disruptiva prolongado no tempo; c) Relatório Psiquiátrico elaborado pela Drª EE (médica psiquiátrica) que alvitrou (primeiro relatório/informação clinica de 17/5/2016), “…não tenho qualquer dúvida que estamos perante um homem com um diagnóstico psiquiátrico da linha psicótica, de evolução crónica, e que o mesmo deve ser tido em conta na decisão judicial relativa ao crime de violência doméstica que assume ter cometido…”, tendo sido solicitado pela própria relatório psicológico para melhor diagnóstico sequencial; d) Relatório de Perícia Psicológica Forense em 30 de Maio de 2016, da autoria da Drª GG (psicóloga forense), e no qual se conclui que “…Da avaliação realizada conclui-se que padece de um quadro depressivo major, além da ocorrência de episódios maníacos e presença de sintomas característicos da esquizofrenia (subtipo paranóide)… Este quadro de anomalia psíquica tem vindo a desenvolver-se ao longo dos anos e é muito provável que o agravar da sintomatologia tenha ocorrido durante o período em que residia em ..., altura em que ocorreram as situações de agressão e violência para com a ex-companheira: BB… É extremamente provável que o examinado padeça de um regime de imputabilidade claramente prejudicado…”; e) Relatório Psicológico Forense, foi o condenado novamente observado pela Drª EE, sendo elaborado Relatório Psiquiátrico (segundo relatório/informação clinica de 3 de Junho de 2016) que “…venho reforçar a minha impressão de que estamos perante um homem que apresenta um quadro psicopatológico compatível com o diagnóstico de uma perturbação psicótica. O quadro clinico tem uma evolução...
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