Acórdão nº 444/15.3JAPRT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No processo comum nº 444/15.3JAPRT da comarca de Bragança, Bragança – Inst. Central – Sec.Cível e Criminal – J1, foi submetido a julgamento em tribunal colectivo, o arguido AA, solteiro, nascido a 25.08.1975, filho de BB e de CC, natural de Malange – Angola, com residência na Rua ....., n.º.., ......, em Bragança, titular da autorização de residência P001784459, actualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de Bragança., na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, que lhe Imputava a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de: - 22 (vinte e dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e punidos pelos artigos 171, n.º1 e 177, n.º1, alínea b) do Código Penal; e, - 1 (um) crime de actos sexuais com adolescentes, agravado, previsto e punido pelos artigos 173, n.ºs 1 e 2 e 177, n.º1, alínea b) do Código Penal.

A ofendida/demandante DD, através da sua legal representante e mãe EE, id. nos autos, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado AA, dele reclamando o pagamento da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação a que alude o art. 78.º do Código de Processo Penal até efectivo integral pagamento, para ressarcimento dos danos não patrimoniais que sofreu, e ainda, , que o tribunal declare o arguido/demandado responsável pelo pagamento de toda e qualquer despesa hospitalar resultante dos exames, consultas e perícias a que a menor foi submetida e que ainda se encontre por liquidar, bem como pelo pagamento das custas e demais encargos processuais.

Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 17 de Março de 2016,com a seguinte: “- Decisão Tudo visto, após deliberação, acordam os juízes que compõem o tribunal colectivo em:- Absolver o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada e com dolo directo, de 1 (um) crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido pelo art. 173, nºs 1 e 2 do Código Penal, com a agravação prevista na alínea b) do n.º1 do art. 177.º do mesmo diploma legal; - Alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública (por reporte aos vinte e dois crimes de abuso sexual, previsto e punidos pelos artigos 171, n.º1, com a agravação plasmada na alínea b) do n.º1 do art. 177.º do mesmo diploma legal), na medida em que foram provados, para a prática pelo arguido AA, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de 1 (um) de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171, n.º1 do Código Penal, com a agravação consagrada na alínea b) do n.º1 do art. 177.º do mesmo diploma legal; - Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, na forma consumada e com dolo directo, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo art. 171, n.º1 do Código Penal, com a agravação consagrada na alínea b) do n.º1 do art. 177.º do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; - Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (cf. artigos 513, n.º1 do Código de Processo Penal e 8, n.º9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa a tal regulamento).

*** Mais decide o tribunal colectivo, julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido cível aduzido pela ofendida/demandante DD, através da sua legal representante e mãe EE, e, em consequência: - Condenar o demandado AA a pagar à ofendida/lesada DD, a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros moratórios à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento; - Absolver o demandado do mais peticionado pela demandante civil.

*** As custas relativas ao pedido cível serão suportadas pelo demandado e pela demandante, na proporção do decaimento. (cf. art. 527, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal) *** Fixa-se o valor desta causa cível enxertada neste procedimento criminal nos €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), o qual corresponde à utilidade económica do pedido. (cf. artigos 296, n.º1, 297, n.º1 e 306, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 4.º do Código de Processo Penal) *** Estatuto coactivo do arguido O arguido AA encontra-se, no âmbito deste processo, desde 04.08.2015, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva. (cf. fls. 174 e ss.) Tal estatuto coactivo foi sendo revisto e mantido, nos prazos legais, tendo a última revisão ocorrido aos 03.03.2016.

[…] Pelo exposto e uma vez não existem motivos para se determinar a sua revogação ou substituição, decide-se que o arguido AA continuará a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva em que actualmente se encontra (arts. 191º, nº1; 193º, nº1; 202º, nº1, al. a); 204, alíneas a) e c); 213.º e 215.º, todos do Código de Processo Penal).

A medida deverá ser revista dentro de três meses, como impõe a alínea a) do n.º1 do art. 213.º do Código de Processo Penal, pelo que deverá ser aberto termo de vista ao Ministério Público, oportunamente, para promover o que tiver por conveniente a respeito da revisão do estatuto coactivo do arguido.

*** Após trânsito: - Remeta boletim ao registo criminal (cf. art. 6, alínea a) e 7, n.º1, alínea a) da Lei n.º37/2015, de 5 de Maio).

*** Em obediência ao disposto nos artigos 1, nºs 1 e 2 e 8, n.º2 da Lei n.º 5/08, de 12 de Fevereiro, determina-se a recolha ao arguido, após trânsito em julgado da presente decisão, do perfil de ADN, para fins de investigação criminal.

Em momento anterior à recolha deverá ser cumprido o direito à informação do arguido, nos termos previstos no art. 9, alíneas a) e c) da citada lei.

O perfil deverá ser incluído na base de dados de perfis de ADN. (cf. art. 18, n.º3 da referida lei) Comunique ao INML.

*** Notifique e proceda ao depósito do acórdão na secretaria. (cf. artigos 372, n.º5 e 373, n.º2 do Código de Processo Penal) D.N.” Inconformado com a decisão condenatória, dela o Ministério Público interpôs recurso para este Supremo Tribunal, concluindo a motivação do recurso, nos seguintes termos: “1)-Não são praticáveis – porque aleatórios e não compatíveis com a concisão que a juridicidade pressupõe –, na definição e integração material do conceito de “crime de trato sucessivo” (ou prolongado ou exaurido), critérios assentes essencialmente em considerações abstracto-formais e espácio temporais, de molde, a partir daí, classificar um concreto facto-crime como tal.

2)-Só pelo recurso ao bem-jurídico tutelado (na sua relação inevitável com o concreto objecto da accão protegido) é que pode decidir-se, com o acerto que se exige, sobre a integração de um facto-crime em tal categoria conceitual-penal.

3)-Tal categoria conceptual (que não legal) em nada se adequa, no plano da realização da justiça material, aos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, maxime o de “abuso sexual de crianças”.

4)-Cada acto sexual cometido com criança representa, inexoravelmente, para ela (e para a comunidade), a mais que uma relevância típica autónoma, um novo e diverso atentado à sua sexualidade, uma nova lesão no seu estado somático-psíquico-emocional, que inelutavelmente colocou mais longe de poder vir a gozar, na idade certa, de uma sexualidade sem complexos, sem traumas e de satisfação plena.

5)-Sendo a sexualidade um dos atributos mais restritos e caros da pessoalidade, é lícito afirmar que a sua salvaguarda, como princípio, acompanhou, por motivos práticos e éticos, os alvores da Civilização, o que, lógica e razoavelmente, há-de, para o abusador sexual, implicar (psicológica, emocional e culturalmente) a necessidade de uma renovação íntima do querer em cada acto, tendo como barreira a ultrapassar, em cada momento, uma réstia que seja da natural inibição que desde sempre acompanha o ser-humano relativamente à sexualidade das crianças.

6)-Nesta medida, a decisão de manter uma relação de carácter sexual com uma criança não passará, nunca, de eventual.

Será sempre um projecto de actuação 7)-Porque ancorada nas regras da experiência comum e na normalidade do acontecer emocional e psicológico do ser que age – não infirmadas por uma qualquer situação anómala –, impor-se-á que o agente será o sujeito de vários processos decisórios, tantos os autónomos actos de abuso sexual de criança que cometa e, daí, tantas, quantas as violações do bem jurídico-penal; 8)-Assim afrontando com efectiva multiplicidade a expectativa de eficácia de uma e mesma norma de determinação – que se pretende preservada –, sendo, pois, de lhe assacar outros tantos juízos de censura subjectiva, pois que a culpa é o “ter de responder por uma personalidade contrária (no caso) ou indiferente ao deve-ser jurídico-penal”.

9)-A concreta conformação e interpretação do direito substantivo (penal) positivado nunca poderá ser condicionada pelas vicissitudes postas pelo concreto arranjo e desempenho do direito adjectivo (processual-penal) e das entidades judiciárias, mormente a nível probatório.

Apurar quantas vezes ocorreu o abuso sexual, ainda que numa miríade de possibilidades, é julgar.

10)-Comete 22 crimes de ““abuso sexual de crianças”, agravados, p. e p. nas disposições do arts. 171º/1 e 177º/1-b) do Código Penal, quem (verificados todos os elementos objectivos e subjectivos): -Durante cerca de dois anos, em, pelo menos, vinte e duas ocasiões, na sala ou no quarto da sua residência, aproveitando as situações em que a ofendida, de 12 e 13 anos de idade, afilhada da sua companheira, que trabalhava por turnos (assim como a sua mãe, que morava no mesmo prédio), ia a sua casa para jantar e se encontrava apenas na sua presença, a apalpava nas pernas, nos seios e na zona da vagina, isto por cima...

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