Acórdão nº 172/15.0JABRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO CAETANO
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório AA, [...], foi julgado no processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 172/15.0JABRG da ....ª Secção Criminal-..., da Instância Central de ..., da Comarca de ... e, quanto à parte penal (única que doravante interessa considerar), condenado nas seguintes penas: a) – Doze anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do CP; b) – Um ano de prisão, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.ºs 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alín. a), do CP; c) – Nove meses de prisão, pela prática de um outro crime de ameaça agravada, p. e p. pelas mesmas disposições legais; d) – Dois anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1, alíneas c) e d), do Regime Jurídico das Armas e Munições.

Em cúmulo jurídico de todas essas penas foi condenado na pena única de 13 anos e 6 meses de prisão.

Desse acórdão recorreram a assistente BB, bem como o arguido, para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 13.06.2016, quanto à parte penal, negou provimento a ambos o recurso e confirmou na íntegra, a decisão nessa parte recorrida.

Ainda inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes extensas e prolixas conclusões, que se transcrevem, elas próprias delimitadoras do objecto do recurso (art.º 412.º, n.º 1, do CPP): “I. No dia 09 de Março de 2012, o arguido AA denunciou à GNR de ..., posto do ..., que, entre as 17h do dia 07.03.2012 e as 12h45m do dia 09.03.2012, havia ocorrido um furto na residência do seu irmão, CC, sita nua rua..., o que deu origem ao processo nº 45/12.8GEBRG que correu termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de ..., no qual foi proferida a decisão de arquivamento que consta de fls. 571 e cujo teor de dá por integralmente reproduzido.

  1. Desde então, o arguido AA passou a suspeitar que DD e EE fossem os autores do aludido furto, não se conformou com a decisão de arquivamento e disse, por diversas vezes, que ia matar o DD.

  2. No dia 19 de Fevereiro de 2015, pelas 21h00, o arguido deslocou-se, juntamente com FF, seu filho, e GG, à data namorada deste último, à pastelaria do ..., situada a poucos metros da residência do arguido, sita em ..., local onde todos tinham previamente jantado, tendo todos eles ingerido bebidas alcoólicas.

  3. Durante o tempo que ali estiveram, o arguido comentou o furto da residência do seu irmão e, na sequência dessa conversa, pediu a GG que contactasse o HH, proprietário do estabelecimento comercial localizado na sede do Grupo Desportivo ..., para que lhe fornecesse o contacto telefónico do DD, o que veio a suceder.

  4. Em seguida, o arguido, com o propósito de matar o DD, conduziu o veículo automóvel com a matrícula ...-EU-..., juntamente com FF e GG, em direcção ao café localizado na sede do Grupo Desportivo ..., sito na Praceta do..., ..., local que sabia ser frequentado habitualmente pelo DD e EE.

  5. O arguido parou o veículo automóvel que conduzia nas proximidades da sede Grupo Desportivo ..., saiu do seu interior e colocou à cinta, por detrás das costas, a arma de fogo (pistola), transformada para disparar munições de calibre 6,35mm, carregada com 6 munições.

  6. Uma vez no interior do estabelecimento de restauração, o arguido pediu uma cerveja, tendo sido, nessa altura, abordado primeiro pela GG e depois pelo FF que lhe pediram para ir embora, porém, o arguido mandou-os sair e permaneceu no interior do café.

  7. O arguido pediu uma segunda cerveja, altura em que chegou EE, deslocando-se o arguido para o exterior do café.

  8. O EE, também, se deslocou para o exterior daquele estabelecimento de restauração, com o propósito de fumar um cigarro.

  9. Nessa ocasião, o arguido deslocou-se na direcção do EE, empunhando a arma de fogo na mão direita, e, encontrando-se a 2/3 metros daquele, apontou-a para a zona do peito e tentou um disparo, o que não conseguiu, porque a arma estava na posição de segurança.

  10. Acto contínuo, o arguido desbloqueou a patilha de segurança, accionou o gatilho realizando um disparo, com a arma apontada na direcção do peito de EE.

  11. O EE, após a primeira tentativa de disparo falhada, tentou fugir para o interior do estabelecimento, sendo que, aquando do movimento de rotação para fugir, foi atingido no braço esquerdo pelo disparo que o arguido realizou após desbloquear a arma de fogo.

  12. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o projéctil de munição de arma de fogo atingiu EE no bordo lateral da transição do terço superior com o terço médio do braço esquerdo, seguindo em profundidade e atingindo os músculos bicípite braquial, tricípite braquial e gordura axilar, arco médio da 5ª costela esquerda, face lateral do terço inferior do lobo superior do pulmão esquerdo, com trajecto intrapulmonar, com presença de projéctil de metal amarelado localizado no terço superior do lobo inferior do pulmão esquerdo, junto ao hilo, condicionando o trajecto no corpo como da esquerda para a direita, ligeiramente de trás para a frente e ligeiramente de cima para baixo.

  13. Tais lesões foram causa directa, necessária e adequada da morte de EE.

  14. Quanto à medida da pena, o artigo 131.º do Código Penal prevê a pena de 8 a 16 anos de prisão para o crime de homicídio.

  15. O ora recorrente sofreu um acidente de viação, com perturbações mentais que conduz a que as convicções delirantes sejam totais e não admitam crítica ou dúvida, tendo então também associado um estado depressivo subjacente, que ainda mantém, estando sujeito a medicação com hipnóticos (para combater a insónia), antidepressivos e ansiolíticos.

  16. O arguido é, na prática, um delinquente primário. Sempre teve bom comportamento anterior e sempre foi respeitado por todos, como consta do Relatório Social.

  17. Mantém bom comportamento no Estabelecimento Prisional onde está preso e frequenta o Curso de Formação Profissional, no âmbito do Centro Protocolar da Formação Profissional para o Sector da Justiça.

  18. O arguido concluiu o 4º ano de escolaridade, tendo trabalhado na lavoura, como servente da construção civil, tendo trabalhado em Espanha na construção civil durante cerca de 3 anos até à insolvência da empresa. Tem dois filhos e grandes dificuldades económicas.

  19. É socialmente considerado um indivíduo educado, pacato, não gerador de conflitos, com baixa resistência à frustração.

  20. Confrontado com tal convicção, não enraizada, embora, em qualquer facto que a legitimasse, o ora recorrente, alienado pela paranóia de fazer justiça, decidiu tentar castigar o DD, transformando a anterior amizade na vítima de quem, inconformado pela pretensa traição pelo facto de entender ter furtado a casa do seu irmão no papel de algoz justiceiro, (cfr. factos 1º e 2º dos Factos Provados).

  21. (…) O EE, após a primeira tentativa de disparo falhada, tentou fugir para o interior do estabelecimento, sendo que, aquando do movimento de rotação para fugir, foi atingido no braço esquerdo pelo disparo que o arguido realizou após desbloquear a arma de fogo, (cfr. factos 16º dos Factos Provados).

  22. Provado que a arma objecto do crime continha seis balas, feito um disparo ainda tinha cinco munições disponíveis.

  23. O arguido/recorrente ao sentir que tinha atingido o malogrado EE no braço e este não morreu de imediato, não voltou a disparar sobre ele, quando podia. Mas, não o fez, quando podia, como se ausentou do local.

  24. Mais, deixou que o EE se deslocasse para o interior do estabelecimento sem que voltasse a disparar - Factos 1º e 2º - Depois de ter sido atingido pelo disparo, o EE disse “ele deu-me um tiro no braço, chamem o INEM” e dirigiu-se para o interior do estabelecimento do Grupo Desportivo ..., onde, dada a gravidade dos ferimentos sofridos, veio a falecer minutos depois, (cfr. factos 1º e 2ºº dos Factos Provados).

  25. Quando se tem a vontade e intenção de matar, como o domínio de todos os factos, o criminoso não deixa escapar essa resolução criminal.

  26. O arguido não disparou, não voltou a perseguir a vítima, tendo-se afastado e indo para o seu local de trabalho.

    XXVIII.O arguido/recorrente não quis ou queria a morte do malogrado Antero.

  27. E os factos provados atestam que o arguido/recorrente ao disparar sobre o EE a uma distância de 2/3m que, como Guarda Nocturno e, caçador com uma longa experiência que tem na manipulação de armas de fogo, acertava no peito ou cabeça da vitima e nunca no braço, (cfr. factos 14º dos Factos Provados).

  28. Dada como provado um “capital diminuto” pelo Tribunal recorrido, não pode deixar de ser tida em conta na caracterização e quantificação do dolo com que o mesmo actuou, o qual se tem de considerar como substancialmente diminuído.

  29. O Tribunal “a quo”, na caracterização e quantificação do dolo, acabou por não o considerar diminuído.

  30. Ao manter a pena de (12) doze anos de prisão ao ora recorrente, a qual tendo em conta a moldura legal aplicável, se tem de considerar como pesadíssima, o Tribunal recorrido não teve em consideração essa atenuação especial da responsabilidade do recorrente, violando assim o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 71.º do Cód. Penal.

  31. Mas o Tribunal “ a quo”, para além de, na fixação da pena que aplicou ao ora recorrente não ter tido em conta tal circunstância atenuante da sua responsabilidade criminal, a verdade é que, tendo dado como provados os factos descritos 1º, 2º, 14º, 16º, 20º e 21º dos Factos Provados do acórdão recorrido, os não valorou minimamente, na...

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