Acórdão nº 3/16.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelTAVARES DE PAIVA
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório AA, Juíza ... a exercer funções na secção criminal da instância Central de ..., da Comarca de ..., inconformada com o acórdão proferido pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura (doravante designado por CSM) em 1 de Dezembro de 2015, que julgou improcedente o recurso hierárquico interposto pela mesma, mantendo integralmente a decisão recorrida do Sr. Instrutor proferida em 18 de Novembro de 2015 no âmbito do processo disciplinar n.º 2015-265/PD (o qual indeferiu algumas diligências de prova requeridas pela recorrente), veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (doravante designado por STJ), nos termos dos arts. 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante designado por EMJ), peticionando que seja julgada nula aquela deliberação e se condene o CSM à prática do acto devido.

Alega, para tanto, e em suma: “A Recorrente é arguida no Processo Disciplinar nº 2015-265/PD, no âmbito do qual foi deduzida acusação, tendo-lhe sido imputada a prática de uma infracção disciplinar (materializada na prática de condutas levadas a cabo na sessão de audiência de julgamento de 20-01-2015 e na sessão de audiência de julgamento de dia 20-03-2015) por violação do dever de prossecução do interesse público, prevista e punível nos termos do art. 82.º, 85.º, n.º 1, al. a), 86.º do EMJ e do art. 73.º, n.º 2, al. a) e n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho – doravante designada por LGTFP).

A recorrente, nos termos do art. 121.º do EMJ apresentou a sua Defesa, pugnando pelo arquivamento do processo disciplinar, por inexistência da prática de factos disciplinarmente puníveis, alegando para o efeito que, nas duas ocasiões (em audiência de julgamento) agiu na convicção de estar a defender, no exercício da função jurisdicional, que lhe está confiada, o respeito pela Constituição e pela lei, e que é inconstitucional a interpretação efectuada pelo CSM que a sua conduta terá violado o dever de prossecução do interesse público.

Na sua defesa, a recorrente apresentou um rol de testemunhas, com indicação de 5 testemunhas e requereu diligências, com vista a obtenção de dois documentos.

O Sr. Instrutor do processo disciplinar admitiu o requerimento de defesa e proferiu despacho, datado de 18 de Novembro de 2015, no qual, admitiu a demais prova, e indeferiu a seguinte prova: - solicitar ao IGFEJ a junção aos autos de cópia do contrato de empreitada das obras no Palácio da Justiça de ... (para se apurar quais os exactos termos em que estava contratualmente prevista a paragem das obras, em virtude da realização de julgamentos, ou seja se nele se referia que a paragem da obra só poderia ser solicitada pela Sra. Secretária de Justiça), por manifestamente impertinente.

- a (re)inquirição das testemunhas Exmª Senhora Drª BB e Exmº Senhor Dr. CC, ambos Juízes ... da Instância Central Criminal da Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes dos artigos 7, 8, 13, 14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 44, 45 da Defesa; Exmª Senhora Drª DD, Procuradora da República na Instância Central Criminal da Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes dos artigos 7, 8, 13, 14, 17, 22, 25, 39, 40, 43, 45 da Defesa, por manifestamente desnecessárias, e por fim, da Exma. Senhora EE, em desempenho de funções de Secretária Judicial na Comarca de ..., a inquirir aos factos constantes do art. 27.º da Defesa, por manifestamente impertinente.

Desse despacho interpôs a recorrente recurso hierárquico para o CSM, o qual manteve a decisão impugnada.

Defende a recorrente que as diligências requeridas são pertinentes e indispensáveis ao apuramento dos factos, porquanto: Relativamente aos arts. 40º e 43º da Defesa, as referidas testemunhas BB, CC e DD nunca foram inquiridas a tal matéria.

Relativamente aos arts. 39º, 41º, 42º, 44º e 45º da Defesa – tendo os despachos referidos na Acusação sido exarados em audiências de julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo, as testemunhas, que estiveram presentes naquelas audiências, tendo algumas integrado o colectivo de Juízes, estão em condições de se pronunciar, com conhecimento de causa, sobre as concretas razões que motivaram a sua prolação, bem como se os mesmos foram ou não impugnados. Os despachos exarados em acta, da recorrente na qualidade de Juiz Presidente do Tribunal Colectivo, foram necessariamente precedidos de consulta aos demais Juízes que integravam o Colectivo, e que, acaso os Magistrados presentes nas audiências tivessem sido inquiridos, teriam seguramente explicitado que a recorrente, ao proferi-los, o fez no exercício da função jurisdicional e com a intenção de salvaguardar o prestígio da Justiça e não de violar os deveres gerais e especiais que sobre si impendiam.

Relativamente aos artºs 22º e 25º da Defesa - as testemunhas já foram inquiridas sobre essa matéria, na fase de instrução mas o Exmº Instrutor não a deu como provada, pelo que é imprescindível a sua reinquirição em sede de Defesa.

As mesmas testemunhas foram indicadas quanto aos factos constantes dos artºs 7º, 8º, 13º, 14º, 17º, 23º e 24 da Defesa - com excepção do art. 13.º que foi dada como provada no relatório final - matéria que o Exmº Instrutor também não deu como provada, o que justifica a necessidade de reinquirição das testemunhas.

A testemunha nº 5 (EE) foi indicada quanto ao artº 27º da Defesa, porque com a sua reinquirição pretendia-se que se explicitasse se o contacto telefónico com o empreiteiro, para a paragem dos trabalhos ruidosos, foi ou não efectuado através de ligação telefónica feita directamente pela Srª EE, facto que o Exmº Instrutor não fez constar dos factos provados.

Quanto à cópia do contrato de empreitada referente às obras no Palácio da Justiça de ..., tal diligência evidencia-se como pertinente, para se apurar quais os exactos termos em que estava contratualmente prevista a paragem das obras, em virtude da realização de julgamentos. Num contrato de empreitada, existe um dono da obra e um empreiteiro, e são estes que definem as condições concretas de execução da obra, incluindo os termos em que poderia ter lugar a paralisação dos trabalhos, e não o Conselho de Gestão da Comarca de .... Qualquer acordo sobre os termos concretos em que a obra se realiza, bem como sobre eventuais paragens da mesma, teria pois de ter sido acordado entre o IGFEJ IP e o empreiteiro, e não com terceiros, daí se revelar necessária cópia do contrato de empreitada das obras no Palácio da Justiça de ...

Termina, alegando que a decisão do CSM de indeferimento das supracitadas diligências requeridas pela própria na sua Defesa, viola as garantias constitucionais de defesa plasmadas nos artº 32º e 269º CRP, tendo o CSM feito uma interpretação das normas constantes dos nºs 1 e 3 do artº 218º LGTFP ao arrepio daqueles princípios constitucionais, pelo que a deliberação recorrida é nula nos termos do art. 203º nº 1 LGTFP e art. 161.º, n.º 2, al. d) do CPA, mais requerendo a condenação do CSM à prática do acto devido, ao abrigo do disposto no art. 51.º, n.º 4 do CPTA, a contrario sensu.” O CSM, nos termos do n.º 1 do art. 174.° do EMJ, apresentou resposta, sustentando a improcedência do recurso, em suma, pelas seguintes razões: “O direito de defesa em processo disciplinar é um direito fundamental com a natureza própria dos direitos, liberdades e garantias (arts. 269.º n.º 3 e 32.º n.º10 da CRP), sendo nulos os atos administrativos que ofendam o seu conteúdo essencial (art. 161.º, n.º2 al. d) do CPA. No ato impugnado, ao indeferir-se o recurso hierárquico interposto pela Recorrente, não se postergou, por qualquer forma, o direito de defesa da Recorrente enquanto arguida no supra identificado processo administrativo, o que se entendeu foi que algumas das diligências de prova requeridas eram impertinentes e outras desnecessárias, e isto no exercício do poder discricionário que é conferido pelo art. 218.º, n.º 1 da LGTFP, de forma fundamentada, depois de admitida a defesa apresentada e, inclusive, de deferida a realização de uma das diligências instrutórias nela requeridas.

O ato impugnado, ao indeferir o recurso interposto não só não ofendeu o conteúdo essencial do direito de defesa, como o reafirmou, não enferma, por isso, do vício da nulidade. Pode questionar-se a correção do juízo que foi feito acerca da impertinência e desnecessidade das diligências instrutórias cuja realização foi recusada, mas a consequência da incorreção desse juízo não é a nulidade, mas a anulabilidade do ato (art. 163.º, n.º 1 do CPA).

Não está colocado em causa, que os atos da Recorrente que constituem objeto do procedimento disciplinar, foram levados a cabo no decurso de uma audiência de julgamento a que a mesma presidia, tendo outros dois magistrados judiciais como adjuntos e que com a prática de tais atos, a Recorrente pretendeu pôr termo ao ruído provocado pelas obras que estavam a ser realizadas no Palácio da Justiça de ... e à perturbação que o mesmo constituía para a realização da referida audiência de julgamento. Daí que seja absolutamente inútil a reinquirição das testemunhas indicadas à matéria dos arts. 39.º, 41.º, 42.º, 44.º e 45.º da defesa, nos quais está em causa, precisamente, uma factualidade em relação à qual existe consenso e é irrelevante saber se os atos da Recorrente, que assumiram a forma de despachos judiciais, foram ou não objeto de impugnação através dos pertinentes meios processuais, o uso – ou o não uso – dos ditos meios processuais de impugnação de uma decisão judicial não é facto que possa ser demonstrado com recurso à prova testemunhal.

Quanto à testemunha EE cuja reinquirição é pretendida a mesma já havia declarado não saber se “os Magistrados que presidiam à audiência de julgamento tinham conhecimento sobre os procedimentos a adotar para obter a paragem das obras de onde vinha o ruído”, não se vislumbrando qualquer utilidade em explicitar se o contacto telefónico foi efetuado diretamente pela...

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