Acórdão nº 72/14.0T9MCN-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução16 de Novembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório 1.1. AA, nascida em ..., no dia ..., filha de ... e de ..., residente na ..., foi condenada, por decisão transitada em julgado proferida no processo em epígrafe, do Tribunal Colectivo da Comarca do ..., pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo arts. 205º, nºs 1 e 4, alínea b), e 202º, alínea b), ambos do CPenal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, com a condição de entregar, dentro de tal prazo, ao demandante, seu pai, a quantia de €28 553,70, «acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento».

Essa condenação assentou, além do mais, nos seguintes factos julgados provados: «… 1. A arguida AA e o arguido BB são, respctivamente, filha e neto do assistente CC.

  1. O assistente casou…, tendo ficado viúvo em 28.03.2006, não tendo sido feitas partilhas por óbito da sua mulher.

    … 4. O assistente CC era o único titular, desde 05 de Abril de 2006, de uma conta nº ...., domiciliada no balcão do ..., em ..., a qual foi aberta, naquela data, com a quantia de €328.000,000 (trezentos e vinte e oito mil euros).

  2. A arguida AA passou, desde 4-11-2008, a figurar como co-titular desta conta, por aconselhamento bancário, todavia, não tinha autorização do ofendido para proceder ao movimento das quantias que aí se encontravam depositadas.

  3. Por ordem da arguida AA, aproveitando a sua qualidade de co-titular, foram feitos os seguintes movimentos bancários na conta referida em 4: 04/07/2014 – Constituição de Depósito a Prazo no valor de €400.000,00; 29/082014 – Subscrição de um Plano Reforma .../Seguro de Capitalização no valor de €400.000,00, onde a arguida consta como única pessoas segura e única beneficiária em vida, tendo esta aplicação financeira sido efectuada quando o assistente se encontrava internado em unidade hospitalar por motivos de doença do foro oncológico; 15/12.2014 – Resgate do Plano Reforma BPI, agora associado à conta ... [titulada pela arguida]; 22/12/2014 – Data em que há liquidação financeira de €400.942,79.

    … 14. A arguida AA fez sua e integrou no seu património a quantia supra referida, no montante de €400.000,00, que se encontrava depositada na conta nº ... do ..., que sabia não lhe pertencer, ciente que essa actuação ia contra a vontade do ofendido seu pai …, a quem tal montante pertencia.

  4. Agiu a arguida AA sempre livre, voluntária e conscientemente, com a intenção concretizada de fazer sua a quantia em dinheiro supra referida, sabendo ser proibida e punida a sua conduta.

    …».

    1.2.

    Veio agora interpor recurso extraordinário de revisão daquela decisão condenatória, invocando expressamente os artºs 449º, nº 1, alínea d), 450º, nº 1, alínea c), 451º e 452º, todos do CPP, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões, de que transcrevemos os seguintes passos: «1.

    Por Acórdão transitado em 26 de Abril de 2016, foi a Recorrente condenada pela prática, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança qualificado, … 2.

    Tendo ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante CC… 3.

    No Acórdão ora sob recurso, foram dados como provados os seguintes factos: … 5.

    Entretanto e após o trânsito em julgado, verificaram-se determinados factos, novos, que, combinados com os que foram apreciados nesses autos, colocam graves dúvidas sobre a justiça da decisão de condenação proferida, preenchendo-se, assim, um dos fundamentos para a admissibilidade deste recurso de revisão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 450º C. P. P. [quis escrever, certamente, «do art. 449º…»], delimitando-se o objecto do presente.

  5. A decisão ora sob recurso, considerando a fundamentação de facto, condenou a Recorrente pela prática, na forma consumada, de um crime de abuso de confiança qualificado, … 7.

    O Acórdão sob recurso sustentou-se, essencialmente, no facto de, em conta titulada pelo assistente CC, da qual a Recorrente era segunda titular, sabendo não lhe pertencer, haver procedido a movimentos e a levantamentos de montantes, sem autorização ou conhecimento daquele, tendo desconsiderado e refutado a defesa da Recorrente, que admitiu haver procedido àqueles movimentos no sentido de salvaguardar o acervo hereditário por morte da sua mãe, … 8.

    Acervo constituído, entre o mais, por esses montantes, imóveis e veículos automóveis, que não são coisas alheias à pessoa da Recorrente por ser esta, também, herdeira, o que decorre de carta remetida a CC, seu pai, recepcionada em 10 de Dezembro de 2012, nunca podendo, assim, ter agido com a intenção de se apropriar e fazer suas tais quantias em dinheiro.

  6. O Acórdão em causa refere não poder colher tal argumento por, mesmo se tratando de bens que constituem herança em estado de indivisão, não se encontrando a correr termos qualquer processo de inventário, sempre esses bens seriam alheios em relação à Recorrente.

  7. Em Agosto de 2016, foi interposto processo especial de inventário, por óbito de DD, que corre termos, sob o n.º ..., no Cartório Notarial de ..., sito em ..., no qual CC exerce o cabeçalato.

  8. Em 31 de Maio de 2016, foi intentada providência cautelar de arrolamento, quanto ao acervo hereditário de DD, conforme P. I., acompanhada de documentos, que se deverá considerar, para todos os legais e devidos efeitos e por economia processual, reproduzido todo o seu teor, conteúdo e documentação.

  9. No âmbito do mesmo, foi proferido despacho do qual decorre, com importância e entre o mais, que “… no que toca às contas bancárias, os extractos bancários comprovam, de forma inequívoca, os montantes existentes à data da morte da de cujus, 13.

    Factos, estes, novos que, conjugados com os que foram apreciados nesses autos, coloca graves dúvidas sobre a justiça da condenação proferida pois, houvessem sido os mesmos considerados, conduziria a decisão diversa, ou seja, a de absolvição da prática de crime de abuso de confiança qualificado da proferida, por não se poderem considerar preenchidos os elementos subjectivos do tipo legal incriminador, 14.

    Nomeadamente, a intenção de apropriação, ilegítima, de quantia em dinheiro, sabendo não lhe pertencer por, constituindo o acervo hereditário por óbito da sua mãe, DD, ser, também, sua.

  10. Encontrando-se preenchido um dos fundamentos para a admissibilidade deste recurso de revisão, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 450º C. P. P. [terá querido escrever, mais uma vez, «do art. 449º…»].

  11. Deverá ser novamente apreciada a condenação da aqui Recorrente, o que se requer a V. Exa. pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, através da realização de um novo julgamento.

    Foram violados: Artigos 205º, n.ºs 1 e 4, alínea b) e 202º, alínea b) C. P.; Artigo 2024º, 2131º, 2133º Código Civil; …».

    1.3.

    O Ministério Público respondeu, concluindo que: «1ª O facto de no dia 9 de Agosto de 2016 ter sido instaurado processo especial...

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