Acórdão nº 377/09.2TBACB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução14 de Julho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1.

O Ministério Público, em representação do Estado, instaurou, em 17/02/2009, no então Tribunal Judicial de Alcobaça, ação de impugnação pauliana, sob a forma de processo ordinário, contra AA e mulher BB (1.º R.R.) e CC e mulher DD (2.º R.R.), alegando, em síntese, que: .

No Serviço de Finanças de Alcobaça, foram instaurados diversos processos de execução fiscal contra a sociedade EE – Equipamentos Energéticos, Ld.ª, pelo montante global de € 233.170,98, correspondente à soma as seguintes importâncias: - € 66.288,14, respeitante a dívidas de IRC de 2002 e 2003, de IRS de 2002, de IVA de 2002 e 2004 e de coimas fiscais de 2003, 2004 e 2006; - € 33.061,00, relativa a dívidas de IRC de 2004, IVA de 2004 e 2005 e de coimas de 2007; - € 110.184,34, respeitante a dívidas de IVA de 2004 e 2005 e de coimas fiscais de 2007; - € 23.637,50, relativa a dívidas de IRS de 2003, 2004, 2005 e 2006, de IVA de 2004 e 2005, imposto de selo de 2005 e de coimas fiscais de 2007; .

No decurso dessas execuções fiscais, verificou-se que a sociedade ali executada não possuía património suficiente para satisfazer as dívidas exequendas, pelo que, após despachos de reversão de 04/02/2008 e de 25/ 02/2008, foram chamados à execução os aqui 1.ºs R.R., AA e BB, como devedores subsidiários, mediante citações ocorridas em 18/02/2008, 29/02/2008, 10/03/2008, 27/03/2008 e 28/03/2008; .

Na sequência disso, em 04/04/2008, aqueles chamados deduziram oposição, sem suspensão de tais execuções por não terem sido apresentadas garantias adequadas; .

Em 11/03/2008, os referidos réus outorgaram escritura pública, em que declararam vender ao R. CC o prédio misto descrito sob o n.º 417 na Conservatória do Registo Predial de Alcobaça, pelo preço de € 90.000,00; .

Os mesmos 1.ºs R.R. fizeram ainda constar de um escrito datado de 01/08/2007, com um aditamento de 08/02/2008, uma promessa de compra e venda do mencionado prédio, que assinaram mas cujas assinaturas não foram reconhecidas presencialmente; .

Não obstante a referida escritura, os 1.ºs R.R. continuaram a habitar aquele prédio e a assumir os encargos decorrentes das hipotecas constituídas a favor do BANCO FF, o qual não teve conhecimento da sobredita venda; .

Por outro lado, ainda não fora efetuado o pagamento do preço pelo R. CC; .

O prédio em causa era o único bem existente na esfera jurídica dos 1.ºs R.R. capaz de satisfazer pelo menos parte dos créditos da Fazenda Pública; .

Os 1.ºs R.R., ao declararem vender ao 2.º R. CC o prédio em referência, agiram com intenção de se desfazer do único bem idóneo que possuíam para garantir, na qualidade de responsáveis subsidiários, os créditos fiscais do Estado, que sabiam existir; .

E o 2.º R. declarou comprar-lhes esse prédio com o intuito de auxiliar os 1.ºs R.R. a impedirem a satisfação daquelas dívidas tributárias; .

Assim, ao emitirem as declarações de venda e de compra na escritura de 11/03/2008, os R.R. outorgantes não quiseram nem vender nem comprar tal prédio, visando apenas, concertadamente, impedir que a Fazenda Pública obtivesse o pagamento integral dos créditos fiscais.

Concluiu o A., pedindo: - a título principal, que fosse declarada ineficaz em relação à Administração Fiscal, na medida do seu crédito, a alienação constante da escritura pública de 11/03/2008, lavrada no Cartório Notarial de Alcobaça, entre os 1º R.R: e o 2.º R. CC; - e, subsidiariamente, que fosse declarada nula a venda efetuada com base na mesma escritura pública, por simulação absoluta, e em consequência fosse determinado o cancelamento do registo predial de aquisição a favor do Réu CC.

  1. Os R.R. contestaram, alegando, além do mais, que: .

    As oposições deduzidas às execuções fiscais ainda não foram decididas, pelo que não são, por ora, devedores de qualquer quantia à Fazenda Pública; .

    O R. CC fez e tem feito pagamentos por conta do preço; .

    O mesmo R. e a R. DD desconheciam em absoluto que os 1ºs R.R. mantinham um dissídio com a Administração Fiscal.

    Concluíram, assim pela improcedência da ação.

  2. Findos os articulados e cessada a suspensão da instância entretanto decretada até ao trânsito em julgado das decisões a ser proferidas no âmbito das oposições às execuções fiscais, foi proferido despacho saneador tabelar, em que foi fixado o valor da causa, procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova (fls. 666-669).

  3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença a fls. 678-692, datada de 06/4/2015, a julgar a ação improcedente com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos.

  4. Inconformado com aquela decisão, o A. recorreu dela para o Tribunal da Relação de Coimbra que, através do acórdão de fls. 733-743/v.º, datado de 26/01/2016, julgou a apelação procedente, revogando a decisão da 1.ª instância, alterando a decisão de facto e, por decorrência disso, declarando ineficaz em relação à Administração Fiscal, na medida do seu crédito, a alienação constante da escritura pública em causa, de 11/03/2008, entre os 1.º R.R. e o 2.º R..

  5. Desta feita, inconformados os R.R. recorreram de revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Considerando o teor do acórdão recorrido, entendem os R.R./ Recorrentes, salvo o devido respeito, que o mesmo enferma de violação da lei substantiva, por erro de interpretação de normas jurídicas, as quais impunham outra decisão.

    2.ª – O Tribunal “a quo” recorreu a presunções judiciais – igualmente designadas naturais, de facto, ou hominis - para alterar a matéria de facto dada como provada pela 1.

    a instância e daí extrair as consequências legais que entendeu se impunham, na decorrência dessa alteração; 3.ª - A matéria do recurso a presunções judiciais não se encontra excluída da alçada da competência do STJ (cfr. artigo 674.º, n.º 3, do CPC), já que lhe compete, designadamente, verificar se as presunções judiciais exorbitam o âmbito dos factos provados ou deturpam o sentido (dito) normal daqueles de que foram extraídos.

    4.ª - Com efeito, mostram-se passíveis de censura pelo STJ as presunções judiciais feitas pelo Tribunal “a quo” em violação do disposto nos artigos 349.º e seguintes do CC, assim como a aferição da admissibilidade ou não das referidas presunções.

    5.ª - Sabe-se que as presunções judiciais traduzem processos mentais do julgador com vista à descoberta dos factos, naquilo que não é mais que uma dedução resultante dos factos provados.

    6.ª - No entanto, os eventuais juízos de valor que se pretendam extrair dos factos dados como provados sempre terão que apresentar sustentáculo em critérios próprios do bonus pater familias, o dito homem comum, não se bastando com a mera sensibilidade/intuição do julgador.

    7.ª - Não se poderá deixar de notar que o Tribunal “a quo” considerou não ser crível, por um lado, que os 1.ºs R.R. decidissem vender: “(...) uma casa de habitação que é a sua morada de família e que se encontra hipotecada, para pagar dívidas de uma empresa” e, por outro lado, "que o 2.º R. tivesse conhecimento das dívidas dos 1.º R.R. se/ou da empresa destes aos credores/fornecedores e nenhum conhecimento pudesse ou devesse ter da existência de dívidas ou responsabilidades perante o Fisco” (a fís. 17 do acórdão recorrido).

    8.ª - O Tribunal “a quo”, com base em presunções judiciais, “avaliou” o comportamento dos R.R. com base em critérios que os afastam do bonus pater familas, maxime, da sua própria realidade sócio-económica.

    9.ª - É que, não só não seriam os 1.ºs R.R. os primeiros, nem os últimos, a vender a sua habitação para pagar dívidas de sociedades comerciais de cujas quotas são titulares - até porque, sabe-se, os cidadãos “comuns” nem sempre têm formação que lhes permita distinguir a esfera jurídica das pessoas coletivas de cujas participações sociais são titulares e a sua própria esfera jurídica e responsabilidades enquanto pessoas singulares - nem se mostra, por outro lado, fora de qualquer dúvida que os 2.ºs R.R. tivessem conhecimento de dívidas dos 1.ºs R.R. para com os fornecedores e desconhecessem a existência de dívidas ao fisco.

    10.ª - Nenhum desses factos, que considerou o Tribunal “a quo” como não sendo críveis, apresenta, na verdade, qualquer elemento estranho, se atendermos ao grau de conhecimentos e formação dos R.R.; 11.ª - Do mesmo modo que os presentes autos não integram prova que sustente o decidido pelo Tribunal “a quo”, por meio de presunções judiciais; 12.ª - Não podia o Tribunal “a quo”, com recurso a presunções judiciais, extrair da mera ignorância jurídica dos R.R., a consequência factual de que os mesmos, em conluio, empregaram má-fé na transação comercial sub judice; 13.ª - Aliás, ilustrativo do contexto em que o 2.º R. decidiu comprar a casa dos 1.ºs R.R., é a narrativa feita pelo próprio, de como pretendia adquirir o imóvel para o seu tio e padrinho, e com isso, ganhar algum dinheiro (Cfr. declarações de parte parcialmente transcritas no acórdão recorrido).

    14.ª - O propósito que moveu o 2.º R. em nada se prendeu com qualquer conluio com os 1.ºs R.R., mas outrossim, com interesses próprios, que, diga-se, bem resultam claros, também, pelo facto de serem os 1.ºs R.R. quem até hoje paga a prestação do contrato de mútuo celebrado com o Banco, ao qual o imóvel se encontra hipotecado; 15.ª - Ou seja, o que resulta do acórdão recorrido e da sua fundamentação é que, o Tribunal “a quo” confundiu ignorância jurídica, com má-fé e avaliou o comportamento dos R.R. com base numa premissa de conhecimentos que os mesmos não têm, como resulta, aliás, à saciedade das declarações de parte prestadas e parcialmente transcritas no acórdão recorrido; 16.ª - Ainda sobre esta mesma matéria veja-se - a fls. 17 do acórdão recorrido - a conclusão extraída pelo Tribunal “a quo” quando refere "(A)ntolha-se, pois, evidente a inverosimilhanca de um negócio sem uma clara (ou mais clara) definição da pessoa do comprador; omitindo-se o cuidado devido (e habitual!) na indicação dos valores...

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