Acórdão nº 162/11.1JAGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução23 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1.

AA, arguida no processo supra referenciado, foi condenada pelo Tribunal Colectivo da Comarca de Castelo Branco – Instância Central Criminal, por acórdão proferido em 25 de Setembro de 2015,

  1. Pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.

    os 1 e 2, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  2. Pela prática, como autora material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

    Em cúmulo jurídico destas penas, foi a arguida condenada na pena única de um 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão.

    Foi ainda condenada a pagar a BB a quantia de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, e a CC a quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde a prolação daquele acórdão.

    1. Inconformada, interpôs a arguida recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, extraindo da respectiva motivação as conclusões seguintes: «CONCLUSÕES 1ª- O Tribunal Colectivo recorrido condenou a Arguida como autora material de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171, n°s 1 e 2 do C. Penal e como autora material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152, n°s 1, al. d) do C. Penal; 2ª- A pena aplicada à ora Recorrente é inadequada e excessiva, por não tomar em consideração questões essenciais, como o arrependimento da Recorrente, os seus problemas familiares e de saúde e o consequente apoio médico permanente necessário para a manutenção da sua saúde.

      1. - À data do acórdão recorrido já tinham decorrido mais de quatro anos sobre a prática dos factos, sem que a ora Recorrente tenha cometido qualquer outro facto merecedor de censura penal, pelo que, ao ignorar este facto na determinação da medida da pena, não a tendo atenuado especialmente, o Tribunal "a quo" violou o disposto na al. d) do n° 2 do art° 72 do CP.

      2. - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo desconsiderou os critérios de determinação da medida da pena constantes do art° 71 do CP, violando-a, norma cuja aplicação implica no caso concreto uma redução da pena concretamente aplicada à Recorrente; 5ª- Pelo exposto, em face, do comportamento da Recorrente posterior aos crimes, a frequência de um curso de formação profissional e a não reincidência, o qual é revelador do seu arrependimento perante os seus confortamentos passados, conclui-se que a ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no sentido de permitir que a mesma não volte a praticar qualquer outros factos, permitindo, em consequência, que o Tribunal suspenda a execução da pena; 6ª- Ao não suspender execução da pena, verificando-se os respectivos pressupostos, a decisão do Tribunal a quo aqui recorrida violou o disposto nos artigos 40 e 50 do CP.

        Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que reduza a pena concreta aplicada à arguida, ora Recorrente, AA para um limite máximo inferior a quatro anos, devendo ainda ser suspensa a sua execução.» 3.

        Respondeu o Ministério Público, concluindo: «Conclusões: 1ª Nos presentes autos foi a arguida AA condenada, por douto Acórdão de 25.09.2015 na pena única de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, nºs 1 e 2, do Código Penal (na pena parcelar de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão) e, pela prática, como autora material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. d) e, do Código Penal (na pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão).

      3. No caso dos autos, para além da gravidade intrínseca dos factos dados como provados, há que atender ainda às fortes as exigências de prevenção geral, tendo em conta, por um lado, a frequência com que são praticados os crimes em apreço e, por outro, como bem se salienta no douto acórdão recorrido, a repercussão social que os crimes de abuso sexual de crianças atingem, mormente, quando existe uma relação de garante potenciada pela coabitação entre o agente e a vítima.

      4. Com efeito, sabemos que a prática de factos deste tipo com crianças, tem normalmente subjacente a lascívia sexual, sendo elevada a perigosidade do agente voltar a delinquir, sendo também de considerar elevada a ilicitude da conduta, além de ser muito elevada a censura social que os factos merecem, sem prejuízo de se terem actualmente por indeterminadas as sequelas que a conduta da arguida determinará no desenvolvimento futuro da menor ofendida.

      5. Por outro lado, como também se refere no douto acórdão recorrido, o crime de abuso sexual de crianças é dos crimes que causam mais alarme e intranquilidade no tecido social, com repulsa e indignação na comunidade.

      6. Do mesmo modo que são elevadas, como de igual modo refere o douto acórdão recorrido, as necessidades de prevenção geral no que ao crime de violência doméstica respeita, dado sobretudo a enorme ocorrência deste tipo de crime, com as nefastas consequências que acarreta, quer ao nível das lesões físicas, quer psíquicas, em particular estando em causa vítimas da idade do menor ofendido – 6 anos de idade – sujeito a agressões reiteradas por um período de cerca de sete meses. 6ª Havendo ainda que ponderar em desfavor da arguida, como foi feito, a idade dos menores ofendidos e, bem assim, a circunstância dos factos praticados terem ocorrido enquanto aquela assumia a função de sua cuidadora e educadora, em especial quando o pai daqueles não se encontrava em casa e os confiava à sua guarda.

      7. Não menos despicienda é a circunstância de a arguida possuir à data dos factos um já significativo curriculum criminal, revelador, à saciedade que antes da prática dos factos pelos quais foi agora condenada não quis adoptar as regras básicas da convivência social, antes preferindo uma vida de marginal e contrária às normas jurídicas. Concretamente, aquando da prática dos factos a arguida encontrava-se em cumprimento de pena de prisão, executada em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica.

      8. Diferentemente, inexistem quaisquer circunstâncias que deponham a favor da arguida.

      9. Ora, em estrito cumprimento das normas e princípios que norteiam a fixação do quantum da pena, os Mmºs. Juízes a quo ponderaram, criteriosamente, as circunstâncias que, no caso, e na justa medida, agravam e atenuam a responsabilidade da arguida, bem como as exigências de prevenção geral e especial.

      10. E, mostrando-se elevadas quer as exigências de prevenção geral, quer as exigências de prevenção especial, bem decidiu o Tribunal a quo ao graduar como graduou a pena que aplicou à arguida, pois fez uma correcta aplicação dos critérios legais para a determinação concreta da medida da pena.

        1. De resto, no que à suspensão da execução se pretende, afigura-se-nos que a comunidade social seguramente não compreenderia que em face do elevado grau de ilicitude e de censurabilidade ético-jurídica, as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) fossem ainda compatíveis com a ressocialização em liberdade pretendida pela recorrente.

        2. Tanto mais que não se provaram em nosso entender, pelos motivos acima indicados, e como dá conta o acórdão recorrido, quaisquer factos que permitam um qualquer juízo de prognose favorável àquela pretensão de ressocialização em liberdade, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, de acordo com o disposto no artº 50º do Código Penal, antes pelo contrário.

      11. Manifestamente, no caso concreto, a censura do facto e a ameaça da prisão só por si, de modo nenhum, se revelariam suficientes para se assegurarem as finalidades da punição, tudo aconselhando ao cumprimento efectivo da pena, pois, por tudo o que já foi dito, só em meio prisional é que a arguida iniciará um percurso de interiorização da necessidade de respeitar as normas jurídicas.

      12. Donde, por todas as razões ora aduzidas, se entende que o acórdão proferido pelo tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, devendo, ao invés, ser negado qualquer provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão nos seus precisos termos.» 4.

        No Tribunal da Relação de Coimbra, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls. 788-790), subscrevendo na íntegra a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, dizendo, nomeadamente, que «a pena aplicada à recorrente (…) de 6 (seis) anos e 2 (dois) meses de prisão mostra-se adequada e equilibrada e teve em atenção os critérios estabelecidos no art. 71.º do Cod. Penal», devendo improceder o recurso.

    2. Por decisão de 9 de Março de 2016 (fls. 793), o Ex.mo Desembargador Relator julgou o Tribunal da Relação incompetente para apreciação do recurso, considerando competente o Supremo Tribunal de Justiça para onde determinou a remessa dos autos, por entender que: «No seu recurso (…) a arguida apenas suscita a questão da medida concreta das penas, a medida da pena única e a eventual suspensão da execução da pena que resultar da apreciação do recurso.

      Ou seja, estamos perante a apreciação de mera questão de direito.

      Assim sendo, tendo em conta a medida da pena parcelar do crime de abuso sexual por um lado, bem como a pena única, a competência para a apreciação do recurso cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, pois estamos perante penas de prisão superiores a cinco anos».

    3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça emitiu proficiente parecer que agora se reproduz: «Recurso da arguida AA (727-735): Recurso...

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