Acórdão nº 3426/03.4TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A Associação Recreativa do Clube de Campo da … intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra o Eng.º AA, “BB - Investimento Imobiliário, S.A.” e “CC - Imobiliária, S.A.”, pedindo: - a título principal, que fosse anulada a compra e venda referente ao imóvel identificado nos arts. 3.º a 5.º da p.i., escritura essa celebrada no dia 2 de Março de 1990, no Cartório Notarial da Maia, de fls. 85º v a 87 v do Livro n.º 66-D, por força da qual a Autora vendeu à 2.ª Ré aquele prédio, bem como a subsequente transmissão do referido imóvel, por cisão simples, do património da 2.ª Ré para o da 3.ª Ré - sendo o dito imóvel restituído, livre e devoluto de pessoas, ao património da Autora e ordenado o cancelamento dos registos prediais lavrados; a título subsidiário, a condenação do 1.º Réu em indemnização à Autora por quantia a liquidar em execução de sentença ; ou, se assim não for entendido, sejam os Réus condenados a restituir-lhe o valor correspondente à diferença entre o preço pelo qual o imóvel foi vendido e o seu real valor, com base em enriquecimento sem causa e a liquidar em execução de sentença.
Como fundamento de tais pretensões, alegou a A: Tendo sido dona do prédio misto identificado nos arts, 3.º a 5.º da p.i., decidiu vendê-lo em 1988, tendo em vista o incremento cultural e desportivo da cidade da Maia e dos seus associados, presidindo à escolha do comprador o acesso à cultura e o trazer para a cidade da Maia actividades de reconhecido interesse social e cultural, com vista ao desenvolvimento do concelho; Com vista submeter as eventuais propostas à deliberação dos associados, fez saber que as propostas deveriam ser apresentadas por escrito e delas constar expressamente o fim a dar ao imóvel, o preço e as condições de pagamento, tendo, na sequência desse anúncio de venda, surgido três propostas para a aquisição do aludido imóvel; A primeira proposta, apresentada pelo 1.º Réu, foi no montante de 160.000.000$00, constando da mesma que o terreno seria utilizado para a construção das instalações do “Instituto Superior de Estudos Empresariais” (ISEE), para a construção de um hotel e para a construção de um parque desportivo polivalente de apoio ao hotel, ao “ISEE” e à comunidade local; Das outras propostas, a mais elevada, foi no montante de 175.000.000$00; No dia 21 de Novembro de 1988, aprovou a proposta apresentada pelo 1.º Réu, em virtude dos fins propostos para a afectação do imóvel; Vendeu o referido imóvel a uma sociedade indicada pelo 1.º Réu, como estava previsto, mais concretamente à 2.ª Ré “BB”, ficando esta com todos os direitos e obrigações decorrentes da aludida proposta de aquisição do imóvel, designadamente no que concerne aos fins a que o mesmo seria afecto; A referida proposta vencedora, das três apresentadas, apesar de ser a menos vantajosa em termos patrimoniais, dado o preço proposto ser de 175.000.000$00 por outro dos proponentes, foi a que melhor se adequou aos seus interesses e escopo associativo, critério que norteou os termos da alienação; Em virtude de cisão simples operada no capital social da 1.ª Ré “BB”, esta destacou parte do seu património para constituir 19 sociedades, passando o imóvel em causa a integrar o acervo patrimonial da nova sociedade constituída, a 3.ª Ré, ao tempo denominada “DD - Sociedade Imobiliária, SA.”; Todas estas sociedades fazem parte do grupo “EE”, de que o 1.º Réu é o principal accionista, pelo que a compradora do imóvel tinha pleno conhecimento do fim a que o imóvel deveria ser afecto; Teve agora conhecimento que a 3.ª Ré celebrou com a “CM” da Maia um protocolo de acordo onde declarou, ao arrepio do acordado, que pretendia construir no imóvel um complexo habitacional, sendo assim inequívoca a intenção dos Réus em não afectar o sobredito imóvel aos fins que motivaram a sua venda; Vendeu o imóvel à 2.ª Ré, indicada pelo subscritor da proposta de compra escolhida, porquanto estava convencida que ao imóvel iria ser dado o fim consagrado na aludida proposta, sendo que, se soubesse que iria ser dado ao imóvel um fim diferente do que lhe fora prometido, não teria feito o negócio e jamais teria prescindido das outras propostas de aquisição bastante mais vantajosas, pois a venda seria efectuada por um valor mais elevado; O 1.º Réu tinha conhecimento que o destino a dar ao imóvel era relevante para a formação da vontade da Autora em vendê-lo; Atenta a relação entre os Réus, a obrigação assumida pelo 1.º Réu foi igualmente assumida pelas restantes Rés, que bem sabiam e não podiam ignorar a obrigação assumida por aquele, jamais aqueles tendo querido afectar o imóvel aos fins declarados na proposta apresentada pelo 1.º Réu; Prefigura-se, assim, uma situação de erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio de compra e venda celebrado entre ela Autora e a 2.ª Ré, decorrente das declarações dolosamente proferidas pelo 1.º Réu quanto aos fins a que o imóvel seria afecto (arts. 252, n.º 2 e 253, do CC), cuja consequência é a anulação do negócio; O 1.º Réu agiu com dolo, sabendo que o imóvel não iria ser afectado aos fins que constavam da sua sobredita proposta, constituindo-se por isso em responsabilidade civil extracontratual, tendo a Autora o direito a ser indemnizada pelo valor que deixou de ganhar, ao optar pela proposta daquele; Face ao não cumprimento da obrigação assumida pelo 1.º Réu no que concerne à afectação do imóvel aos fins constantes da sua proposta, os Réus integraram no seu património o aludido imóvel a um custo substancialmente inferior àquele que correspondia ao seu valor de mercado, pois que, se soubesse que o imóvel seria afecto à construção de habitação, jamais o venderia pelo valor de 160.000.000$00, mas antes pelo seu real valor: dessa forma os Réus, sem causa justificativa, viram-se donos de um terreno por um preço substancialmente inferior ao do seu real valor.
Os Réus, citados para os termos da acção, apresentaram contestação conjunta, em que sustentaram que: Não foi divulgado pela Autora, nem comunicado ao 1.º Réu, o pretenso critério que presidiria à escolha do comprador ou da proposta vencedora; Adquirido o terreno pela 2.ª Ré, foi projectada a construção das instalações da uma escola superior de gestão, que, todavia, optou por outro terreno.
Foi também projectado um hospital para o local, que contemplava uma unidade geriátrica e outros equipamentos, mas tal projecto, face à impossibilidade de obtenção das necessárias condições financeiras e de enquadramento institucional, não foi concretizado; Posteriormente, foi elaborado, relativamente ao imóvel, um estudo urbanístico e celebrado um protocolo de acordo com a “CM” da Maia.
O 1.º Réu é parte ilegítima relativamente a alguns dos pedidos e a 3.ª Ré é um terceiro de boa-fé relativamente ao contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, pois que desconhecia sem culpa qualquer vício de que porventura padecesse tal contrato, concretamente o alegado erro sobre a base do negócio em que a autora diz ter incorrido; Muito embora o 1.º Réu, ao formular a proposta de compra e venda do terreno que apresentou à Autora, tenha acrescentado uma menção à utilização prevista para esse mesmo terreno e que aí se fazia referência, isso não significa, porém, que essa declaração sobre o destino a dar ao bem em causa integre juridicamente uma proposta contratual e muito menos que tenha passado a fazer parte do contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré; Sendo certo que na escritura se alude ao deliberado na assembleia-geral extraordinária da Autora, trata-se de puras declarações do vendedor feitas com o objectivo de justificar a legitimidade dos outorgantes para intervir na escritura pública; É falso que o 1.º Réu, ao apresentar a proposta com vista à aquisição do terreno, não pretendesse afectá-lo aos fins referidos na proposta; A 2.ª Ré desconhecia por completo qualquer comportamento doloso do 1.º Réu, comportamento que, aliás, não existiu, não estando, pois, preenchidos os pressupostos do dolo, como fundamento da anulação do negócio; O destino a dar ao terreno não integrou a base do negócio celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré, o que afasta a possibilidade de relevância do erro alegado pela Autora, erro esse que não foi essencial, mas apenas incidental, dado que sempre venderia o terreno, embora por um preço superior; É falso que os Réus nada hajam feito para tentar afectar o terreno aos fins referidos na proposta apresentada pelo 1.º Réu; Ainda que se verificasse o alegado erro sobre a base do negócio e que o contrato celebrado entre a Autora e a 2.ª Ré fosse anulável, o direito alegado pela Autora encontra-se caducado; Não tendo o 1.º Réu induzido dolosamente em erro a Autora, improcederá o pedido subsidiário de condenação do mesmo com base em responsabilidade pré-contratual; Não se verificam os pressupostos para a procedência do pedido subsidiário fundado no alegado enriquecimento sem causa, desde logo porque a Autora não vendeu o terreno por preço inferior ao seu real valor - devendo o 1ºR. ser considerado parte ilegítima relativamente aos pedidos deduzidos a título principal e ao elencado sob a al. b/ do pedido subsidiário .
Replicou a Autora, rejeitando, entre o mais, a defesa por excepção arguida pelos Réus.
Subsequentemente, em sede de despacho saneador conheceu-se da arguida excepção de ilegitimidade passiva do 1.º Réu, concluindo-se pela sua improcedência; e, no prosseguimento do processo, fixou-se a matéria de facto tida como assente entre as partes, tendo-se ainda organizado base instrutória, a qual sofreu reclamação, em parte atendida.
Daquela decisão que admitiu na íntegra o articulado da réplica, bem assim do despacho saneador a julgar o 1.º Réu parte legítima, interpuseram os Réus recurso de agravo .
Os Réus, após conclusão de diligências instrutórias e antes do início da audiência de julgamento, vieram apresentar articulado superveniente, com o mesmo suscitando a extinção da...
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