Acórdão nº 715/14.6JAPRT.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução02 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça I 1.

AA, devidamente identificado nos autos, arguido no processo n.º 715/14.6JAPRT, da comarca de Viseu, foi condenado, em 1.ª instância, por acórdão de 15/07/2015, no que respeita à acção penal (o que, agora, releva considerar): – na pena de 20 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na pessoa de BB, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, alínea c), do Código Penal[1], e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006 ,de 23/3; – na pena de 20 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na pessoa de CC, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.

os 1 e 2, al. i), do CP, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/3; – na pena de 9 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de DD, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.

os 1 e 2, alínea b), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/3; – na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, na pessoa de EE, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.

os 1 e 2, alínea a), 22.º, 23.º e 73.º, do CP, e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/3; – na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do RJAM, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/03; – na pena de 10 meses de prisão pela prática do crime de violação de proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353.º do CP.

E, em cúmulo jurídico dessas penas, foi o arguido AA condenado na pena única conjunta de 25 anos de prisão.

  1. Na sequência de recurso interposto pelo arguido AA para a relação, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 16/12/2015, foi negado provimento ao recurso e confirmada, na íntegra, a decisão da 1.ª instância recorrida.

  2. Ainda inconformado, o arguido AA veio interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão elaborado em 16.12.2015 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que decidiu a improcedência integral do recurso interposto pelo arguido em matéria de facto e de direito, do acórdão proferido em 1.ª Instância.

    «2. O arguido no seu Recurso interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, em segmento devidamente identificado, enquadrado na matéria de Direito, requereu a apreciação sobre: «A alteração da qualificação jurídica dos factos relativamente às assistentes DD e EE; «A não verificação da circunstância agravante da premeditação, que o Tribunal apenas considerou como circunstância agravante dos crimes; «A não verificação da circunstância qualificativa relativa à utilização de meio insidioso.

    «3. Analisando o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, verifica-se que o mesmo não se pronunciou sobre as questões em apreço, quanto à alteração da qualificação jurídica dos factos, quanto à assistente EE, e quanto à DD, não fundamenta a decisão sobre a manutenção da qualificação jurídica dos factos.

    «4. De facto, o Tribunal da Relação de Coimbra, nenhuma consideração tece, positiva ou negativamente, sobre a qualificação jurídica dos factos relativamente à assistente EE (apenas refere que não havendo lugar à alteração da matéria de facto, resulta que o arguido, quando agiu quis matar cada uma das vítimas atingidas).

    «5. Quanto à questão suscitada atinente à premeditação, o Tribunal omitiu por completo a pronúncia sobre a mesma, pese embora venha referido que a mesma foi alegada. (v. pág. 124 do Acórdão do Tribunal da Relação).

    «6. Assim sendo, quanto aos segmentos em análise, entende o arguido que o Acórdão a quo padece de nulidade, por omissão de pronúncia, por força da exigência prevista na alínea c) do n.º 1, do art. 379.º do CPP.

    «7. Por outro lado, relativamente às assistentes DD e EE, uma vez que os factos dados como provados relativamente a cada uma delas poderão, em abstracto, preencher dois tipos de crime, o de homicídio na forma tentada ou o de ofensa à integridade física, só através do apuramento da intencionalidade do arguido se pode dar como preenchido um ou outro tipo de crime.

    «8. A intenção de matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal em função da prova ao seu alcance, e esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Assim, não é por ser um facto psicológico que a intenção deixa de ser um facto, mas a conclusão de ter ocorrido intenção de matar tem de deduzir-se de factos externos que a revelem, sob pena de subsistir no espírito do julgador dúvida séria sobre a existência de tal intenção.

    «9. Sucede que, e ainda que apenas se tenha em conta a matéria de facto provada em 1ª Instância, não se pode concluir, como o fizeram o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da Relação, que ficou provada a intenção de matar relativamente às vitimas EE e DD, através exclusivamente dos factos dados como provados. A matéria dada como provada é insuficiente para tal conclusão.

    «10. O Acórdão de que ora se recorre deu como provado que o arguido tinha intenção de causar a morte da DD e da EE e que só não o logrou alcançar, por circunstâncias alheias à sua vontade. (sublinhado nosso), alicerçando tal conclusão nos seguintes factos (VII, XIII, XV): «De imediato, o arguido avistou a DD, que vinda da cozinha se aproximava da abertura para a dependência anexa, apontou a arma na sua direção e disparou a uma distância de três metros daquela, atingindo-a na parte superior da perna esquerda, (…) «Ao disparar também no circunstancialismo descrito na direcção da DD, atingindo-a no terço proximal do fémur esquerdo, agiu também o arguido com a intenção de lhe causar a morte, o que só não logrou alcançar por circunstâncias alheias à sua vontade, tendo aquela também sido surpreendida com a conduta do arguido, ficando impedida de reagir. (…) «Também ao efetuar um disparo, no circunstancialismo descrito, na direção do tronco da sua filha EE, atingindo-a na zona da omoplata direita, agiu também o arguido com a intenção de lhe provocar a morte, resultado que procurou, sabendo igualmente que nessa zona se alojam órgãos vitais, como os pulmões, o que só não logrou alcançar por circunstâncias alheias à sua vontade.

    «11. O tribunal não indica que circunstâncias alheias foram essas que puseram “fim” ao suposto objectivo do arguido, “que era matá-las!” «12. Na argumentação levada a cabo pelo Tribunal a quo, não vem apresentada os fundamentos ou motivos pelos quais o arguido, ao contrário do que supostamente determinava a sua intenção, não consumou os crimes de homicídio.

    «13. Não se determina que agentes externos à sua vontade obstaram a tal desiderato. Com efeito, na matéria fáctica não consta que alguém tenha impedido o arguido continuar a sua actividade delituosa, que entretanto tenha ficado sem munições, que a arma tenha encravado, etc… «14. Segundo o que consta dos factos dados como provados, resulta simplesmente que o arguido parou os ataques, por iniciativa própria, sem intervenção alheia ou determinado por facto externo… «15. Isto para concluir que, não resulta da matéria dada como provada, a intenção de matar as assistentes DD e EE. Não se pode concluir, como fez o Tribunal a quo, que o arguido apenas não matou as vítimas em questão, por razões alheias à sua vontade, sem especificar essas supostas razões.

    «16. Conforme se escreveu no Acórdão do STJ, de 6/10/2011, proferido processo nº. 88/09PESN-L1S1, disponível em www.dgsi.pt, “A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão”.

    «17. Não se podendo dar como provada, a intenção de matar quanto às assistentes DD e EE, não podia, quanto a elas o arguido ser condenado pela prática de crime contra a vida.

    «18. Deve assim ser alterada a qualificação jurídica dos factos relativamente à DD e à EE, e consequentemente, ser o arguido condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada previstos no artigo 145,º, n.º 1, b), por referência às circunstâncias previstas no artigo 132.º, n.º 2, a), quanto à filha EE, e b) quanto a DD, determinando-se as respectivas penas parcelares e efectuado novo cúmulo jurídico nos termos legais.

    «19. Violou o Tribunal os preceitos normativos contidos nos artigos 132.º, n.º 2, a) e b) e 145,º, n.º 1, b), do CP.

    «20. No que respeita à premeditação, mesmo que se considere que não há lugar à alteração da matéria de facto, designadamente o ponto V. como o entendeu o Acórdão de que ora se recorre, e que, por conseguinte, a factualidade relevante para a aplicação da matéria de Direito seja tal qual a que consta do Acórdão de que ora se Recorre, ainda assim, não poderá considerar-se verificada a existência de premeditação, enunciada como circunstância agravante dos crimes.

    «21. A noção relevante de premeditação retira-se do artigo 132.º do CP e esta pressupõe a necessária frieza de ânimo, de resolução e de intenção de matar planificada com antecedência.

    «22. Como ensina Paulo Pinto de Albuquerque, “são indícios da premeditação, a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e a persistência de matar por mais de 24 horas”, limite que corresponde à tradição doutrinária e jurisprudencial nacional.

    «23. Do Acórdão não resulta provado que, com antecedência relevante, o arguido tenha idealizado a realização dos crimes e que a tenha mantido até à sua consumação.

    «24. Conjugando o circunstancialismo descrito e dado como provado nos pontos IV. e V., no dia dos factos, durante a manhã, o arguido deslocou-se ao Tribunal a fim de ser ouvido no âmbito da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, onde teve conhecimento que podia ser preso e serem-lhe retirados todos os seus...

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