Acórdão nº 42/15.1TNLSB.L1-A.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução16 de Junho de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I Relatório 1.

O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa, a 10.02.2016 (cf. fls 2 e ss), veio interpor recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 446.º do Código de Processo Penal, por considerar que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.01.2016, proferido no proc. n.º 42/15.1TNLSB.L1 e transitado em julgado a 05.02.2016, decidiu contra a jurisprudência fixada no “Assento n.º 1/2003 (Recurso n.º 467/2002)”, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 21, de 25 de janeiro de 2003 (p. 547 a 558).

Apresentou as seguintes conclusões: «1- Por AC de 21 de Janeiro de 2016, ora recorrido e que transitou em 5 de Fevereiro corrente, foi decidido que o “não cumprimento do artº 50º do Regime Geral das Contra-Ordenações por parte da entidade administrativa conduz a uma nulidade absoluta” (sic) do artº 119º, al. c) do CPP; 2- Acontece que aquela decisão no acórdão recorrido viola frontalmente o estabelecido no douto Ac. do Supremo Tribunal de Justiça nº 1/2003, onde se fixou jurisprudência no sentido de que a violação daquele preceito do RGCO constitui uma nulidade sanável, ou seja, dependente de arguição; 3- Ora, aquando da prolação daquele douto Ac. de Fixação de Jurisprudência, a redacção do artº 50º citado era exactamente igual à que ora está em vigor; 4- Nessa medida deve ser aplicada a jurisprudência fixada e, em consequência, ser dado provimento ao presente recurso com as consequências dali decorrentes.» 2.

Não foi dado cumprimento ao disposto no art. 439.º, n.º 1, ex vi art. 446.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP).

  1. No Supremo Tribunal de Justiça, o processo foi concluso ao Senhor Procurador-Geral Ajunto que apresentou parecer nos seguintes termos: «(...) Como decorre do texto do acórdão recorrido, a questão ali submetida a reexame consistiu no seguinte: “A notificação do recorrido numa terceira pessoa enferma de nulidade, a qual depende de arguição e deve considerar-se sanada, por o recorrido ter deduzido impugnação judicial e, para além de invocar a referida nulidade, ter exercido em pleno o seu direito de defesa” 1.

    O Ministério Público, no recurso para a Relação, convocando o Assento 1/2003, alegou que o arguido apresentou requerimento de defesa perante a entidade administrativa, no qual arguiu a nulidade da notificação, invocou a prescrição do procedimento, negou a prática dos factos e alegou desproporcionalidade das coimas. Requereu ainda a inquirição de uma testemunha, já ouvida no processo, sem indicar o objecto do seu depoimento.

    Refere ainda que, na impugnação judicial, para além de continuar a invocar a aludida nulidade da notificação, «se prevaleceu do seu direito à defesa, voltando a invocar a prescrição…, a negar a prática dos factos… e pedindo a sua consequente absolvição, alegando a desproporcionalidade das coimas aplicadas… Não requereu… a produção de qualquer prova complementar…, tendo prescindido, designadamente, de requerer a inquirição da testemunha… Concluiu que o arguido «se prevaleceu plenamente no âmbito da impugnação judicial de exercer o seu direito de defesa, invocando em seu benefício exactamente os argumentos, em termos factuais e jurídicos, que aduzira para sua defesa perante a autoridade administrativa na sequência da invocação da nulidade da sua notificação para efeitos do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82…». E assim, exercendo «plenamente, conjuntamente com os demais arguidos… o seu direito de defesa com a mesma amplitude com que a pretendeu exercer perante a autoridade administrativa, tal determinou a sanação da nulidade em causa, nos termos do artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP.» Como acima se sintetizou, o Ex.mo recorrente considerou que o acórdão recorrido contrariou jurisprudência fixada posto que decidiu que «o “não cumprimento do art.º 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações por parte da entidade administrativa conduz a uma nulidade absoluta…” do art.º 119.º, al. c) do CPP…, sendo certo que (vd. fls. 365 v.) ali se entendeu que a nulidade ocorrida ainda na fase administrativa não estava sanada com a introdução em juízo da impugnação judicial (que equivale a acusação).» 2.

    Por seu turno, o acórdão recorrido considera que o Assento «não se reporta às situações de inexistência de notificação para a defesa, mas apenas às situações em que tal notificação existe mas o seu cumprimento foi ineficiente ou incompleto, o que não é o caso dos autos.

    A questão em discussão nos autos diz respeito à fase administrativa do processo de contra-ordenação, na qual foi omissa a notificação ao arguido da sua própria constituição como tal e a possibilidade legal de defesa. Dito de outra maneira, constitui nulidade sanável pela intervenção posterior do arguido na fase de impugnação judicial, a sua não notificação na fase administrativa do processo para deduzir a sua defesa? A resposta só pode ser negativa.

    O que está em causa é a total ausência do direito de defesa na fase preliminar do processo tal como impõe o artigo 50.º do RGCO e os artigos 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e 267.º, nº 5, em matéria administrativa.» (…) «Ora, esta realidade que resulta do processo não é a mesma que em termos de conclusões resulta do Assento 1/2003… Toda a argumentação do Supremo Tribunal de Justiça é desenvolvida no pressuposto que não existiu qualquer intervenção do arguido na fase administrativa, o que não é o caso dos autos.

    O Supremo Tribunal de Justiça na fundamentação considera que se perante tal omissão, o arguido impugnar a decisão judicialmente pronunciando-se sobre o objecto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências, a nulidade considerar-se-á sanada, mas se se limitar a arguir a invalidade o tribunal invalidará a instrução. Mas nada diz o Supremo Tribunal de Justiça sobre as situações em que o arguido suscita a nulidade perante a própria autoridade administrativa e ao mesmo tempo invoca um outro conjunto de questões sobre a materialidade incluindo a produção de prova. Nada obstava no caso dos autos que a autoridade administrativa tomasse em conta o requerimento apresentado pelo arguido e suprisse a nulidade invocada na própria fase administrativa do processo (artigo 62º do RGCO)… Pretender a aplicação ipsis verbis do Assento... como faz o recorrente Ministério Público é omitir a actividade processual desenvolvida pelo arguido ainda na fase administrativa do processo em que suscitou a nulidade e sobre tal requerimento não obteve resposta.

    A defender-se tal tese, estaríamos a permitir que a omissão da autoridade administrativa se repercutisse negativamente nos direitos de defesa do arguido.

    Neste contexto não se pode considerar que o arguido se prevaleceu plenamente no âmbito da impugnação judicial de exercer o seu direito de defesa, já que essa impugnação judicial está contaminada com a omissão anteriormente verificada.

    Não se pode considerar sanada a nulidade nos termos do artigo 121º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal».

    Por outro lado o acórdão recorrido entendeu «o não cumprimento do artigo 50º do RGCO por parte da entidade administrativa conduz a uma nulidade insanável».

    Terminou, assim, por confirmar a decisão sob recurso.

  2. Em síntese, o acórdão recorrido sustentou que o ‘Assento’ não tinha aplicação no caso posto que o mesmo diz respeito, não à ausência de notificação referente ao artigo 50º do RGCO, mas sim às situações em que o seu cumprimento foi ineficiente ou incompleto, e não se pronunciou sobre as situações em que o arguido suscita a nulidade perante a própria autoridade administrativa e ao mesmo tempo invoca um outro conjunto de questões sobre a materialidade incluindo a produção de prova.

    Considerou por outro lado que tal omissão constitui uma nulidade insanável.

    Não obstante a situação de facto nos acórdãos conflituantes que provocaram o Assento 1/2003 não contemplar uma omissão de notificação na fase prévia à impugnação judicial, certo é que a ausência de...

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