Acórdão nº 131/15.2YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA, BB, CC e DD, juízas de direito, vieram, nos termos do art. 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (doravante EMJ), interpor recurso contencioso da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (adiante CSM), de 29.09.2015, que rejeitou o recurso hierárquico interposto pelas mesmas que tinha por objecto o despacho proferido em 03.11.2014 pela Exma. Senhora Presidente do Tribunal da Comarca de .... e o despacho do Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior de Magistratura de 07-11-2014 que sobre aquele recaiu.

Apresentaram os seguintes fundamentos: i. - são juízes de direito a exercerem funções na Instância Central ... do Tribunal da Comarca de ...; ii - a deliberação do CSM, ora impugnada, padece do vício de erro de julgamento - em clara violação do disposto nos artºs. 98.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013 de 26 de Agosto, doravante LOSJ) e nos arts. 148.º e 193.º do novo CPA - em virtude de nela se ter entendido que o despacho da Exm.ª Sr.ª Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... configura um regulamento; iii. - o despacho proferido pela Exm.ª Sr.ª Juíza Presidente do Tribunal Judicial da Comarca de ... em 03-11-2014 é um acto administrativo, na medida em que: - é um comando decisório sobre o que fazer em relação à substituição de juízes, o qual foi proferido no âmbito dos poderes deveres dos presidentes de comarca e ao abrigo das competências que lhe são próprias, sendo que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantêm uma relação jurídica administrativa (nomeadamente na esfera jurídica dos juízes da comarca a que a Sra. Presidente Juíza Presidente preside); - incide sobre uma situação individual – pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam determinados são efectivamente determináveis –, sendo seus destinatários os juízes que se encontravam à data da prolação do despacho a exercer funções no Tribunal da Comarca do ... e não qualquer magistrado que aí viesse a ser colocado e/ou prestasse as suas funções noutra comarca, o que faz sobressair o carácter concreto da situação regulada, regulação essa que se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários; iv. - considerar que o despacho em causa é um regulamento, e não um acto administrativo e como tal insusceptível de recurso hierárquico nos termos do art. 98.º da LOSJ, é inconstitucional por violação do direito ao recurso (judicial e administrativo) instituído nos art. 20.º, n.º 1 e 268º, n.º 4, ambos da CRP.

Terminam o recurso, pedindo que a deliberação impugnada seja anulada e que o CSM a substitua por outra que admita o recurso hierárquico e aprecie o objecto do recurso.

Para tanto, e em síntese, alegaram: 1.º DO ERRO DE JULGAMENTO a) Da distinção entre acto administrativo e regulamento administrativo Conforme nos explicitam os autores ROGÉRIO SOARES, FREITAS DO AMARAL e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, um acto administrativo caracteriza-se por: a) Consistir numa decisão, enquanto estatuição ou prescrição, voluntária; b) Essa decisão ser proferida por órgãos ou agentes da administração no exercício de poderes e deveres de autoridade administrativa; c) Essa decisão ter por base normas de direito público, isto é, normas de competência que regulam situações e relações jurídicas que pelo seu sujeito e conteúdo são insusceptíveis de se constituir entre simples particulares; d) Produzir efeitos externos, na medida em que se produzem na esfera jurídica de terceiros que com o autor do acto estão, pretendam ou possam estar em relação jurídico-administrativa; e e) Incidir numa situação individual e concreta.

Em conformidade com definição que foi sendo aperfeiçoada pela doutrina, o artigo 148º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro, aplicável já aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º, nº 1, do mesmo diploma) determina que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta".

Por sua vez, a doutrina AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA define os regulamentos administrativos como normas jurídicas emitidas por órgãos da Administração no exercício da função administrativa. Em conformidade com a doutrina que vinha sendo produzida sobre a matéria, o legislador veio instituir no artigo 135º do novo CPA (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro) que “[p]ara efeitos do presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.

Consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstractas, que no exercício de poderes jurídicos administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos e actos administrativos as decisões (na veste de estatuições ou prescrições) que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Portanto, os regulamentos são comandos gerais e abstractos e os actos são comandos individuais e concretos, mas ambos são originados no exercício do poder jurídico-administrativo e ambos produzem efeitos jurídicos externos.

Ora, a qualificação de determinada norma como acto ou regulamento depende de saber se, numa análise casuística, o comando assume natureza geral e abstracta ou uma natureza individual e concreta.

Os conceitos de geral e individual reconduzem-se à questão de saber se os destinatários dos comandos normativos são (individual) ou não (gerais) determinados ou determináveis, enquanto que os conceitos de abstracto e concreto traduzem a possibilidade de esgotamentos dos efeitos das situações da vida que se pretende regular (se o efeito do comando normativo se esgota com a produção do comando diremos que se trata de um acto; se o comando subsiste no mundo jurídico e não se esgota para situação de determinados sujeitos, então assume a forma de regulamento).

  1. Do objecto do recurso hierárquico A douta deliberação impugnada padece de manifesto erro de julgamento, porquanto, estamos na presença de um acto administrativo.

Do conteúdo do despacho da Exma. Senhora Presidente, sufragado pelo despacho do Vice-Presidente do CSM, que se trata de um comando decisório, na medida em que impõe uma prescrição, ou seja, uma ordem precisa sobre o que fazer em relação à substituição de juízes.

Segundo, é uma decisão que foi proferida no âmbito dos poderes deveres dos presidentes da comarca, ao abrigo das competências que são próprias dos presidentes da comarca, e que regulou, nos termos definidos na LOSJ, a situação jurídica dos juízes daquela comarca no que à matéria de substituição, nas faltas e impedimentos, diz respeito.

Terceiro, é uma decisão (com o sentido e alcance acima evidenciados) que produz efeitos jurídicos na esfera de terceiros que com o seu autor mantém uma relação jurídica administrativa nos termos da LOSJ, nomeadamente na esfera jurídica dos juízes da comarca a que Exma. Senhora Juíza Presidente preside.

Quarto, é indubitável que a decisão incide sobre uma situação individual, pois os destinatários daquela decisão ainda que não estejam concretamente determinados, são efectivamente determináveis, isto é, destinatários do despacho são efectivamente os senhores juízes que se encontravam à data da sua prolação a exercer funções no tribunal judicial da comarca de ....

Ou seja, destinatários da decisão são os juízes que à data do despacho integravam aquela comarca e não todo e qualquer magistrado que viesse a ser colocado naquela comarca e/ou que prestasse as suas funções noutra comarca, como parece evidenciar a douta deliberação impugnada quando afirma que os destinatários do comando normativo são um grupo definidos por um conceito de classe.

Por fim, também, pelo menos no entendimento das AA., a decisão reporta a situação concreta e que se prende com o regime de substituições, faltas e impedimentos no tribunal da comarca em questão.

Sobressai o carácter concreto da situação regulada, na medida em que o comando proferido (regulação da forma de operar do regime de substituições, faltas e impedimentos) se esgota com a sua prolação e notificação aos seus destinatários (uma vez que a consequente produção de efeitos limita/restringe, de forma imediata, os poderes deveres e os direitos dos juízes daquela comarca).

O despacho objecto de recurso só evidenciaria uma natureza abstracta se determinasse, por exemplo, que sempre que verificadas determinadas circunstâncias, os regimes de substituições, faltas e impedimentos assumiram a forma que lhe fosse conferida pelos Presidentes das Comarcas.

Só nesta hipótese se verificaria que os sujeitos não eram determinados nem determináveis e a abstracção da situação regulada (ou seja, regulação para situação futura perante determinadas circunstâncias, sem saber, no entanto, onde, quando e por quem).

É, por isso, manifesto que o despacho objecto de recurso hierárquico, nos termos do disposto no artigo 98º da LOSJ, assume a natureza de acto administrativo e não de regulamento como defendido pela douta deliberação impugnada.

Entendimento, contrário, é inconstitucional, por clara violação do direito ao recurso (judicial e administrativo), instituído nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O CSM respondeu, pugnando pela improcedência do recurso interposto, nos seguintes termos: De acordo com o disposto no art. 120.º do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo DL n.º 442/91, de 15.11, redacção vigente aquando a prolação do Regulamento dos Critérios de Substituição de Juízes nas suas Faltas e Impedimentos – CPA), actos administrativos são as decisões dos órgãos da administração que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT