Acórdão nº 133/10.5PBTMR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução21 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, após a realização da audiência a que se refere o artº 472º do CPP, com intervenção do tribunal colectivo, proferiu, em 15/06/2015, acórdão que, operando um cúmulo jurídico de penas, condenou AA, nascido em ..., na pena única de 10 anos de prisão, acrescendo-lhe a coima de € 500.

Dessa decisão o condenado interpôs recurso para a Relação de Évora, que por decisão sumária se julgou incompetente para o julgamento do recurso, considerando competente o Supremo Tribunal de Justiça.

O recorrente concluiu a sua motivação nos termos que se transcrevem: «I - O presente recurso versa matéria de direito, porquanto se entende que o tribunal de primeira instância não aplicou correctamente o artigo 77º, nº 1, in fine, do Código Penal, na determinação da medida da pena única.

II - Concretamente, o recorrente entende que foi feita uma avaliação incorrecta da sua personalidade, tendo o tribunal a quo dado pouca ou nenhuma relevância a vários factos dados como provados no acórdão recorrido relacionados com as condições pessoais e com o comportamento do arguido após a prática dos factos por que foi condenado.

III - Tais factos provados demonstram que, durante os três ou quatro anos que antecederam o início do cumprimento da pena de prisão pelo arguido, este conseguiu recuperar-se, emendar-se e conformar a sua personalidade ao direito, sendo que, se tal factualidade tivesse sido devidamente ponderada e valorada, certamente a pena única do concurso teria sido fixada próxima do mínimo da moldura concursal, que é precisamente o que se vem pedir com o presente recurso.

IV - Com efeito, deveria desde logo ter sido tomado em conta pelo tribunal recorrido que os crimes praticados pelo arguido datam todos dos anos de 2009 e 2010, e que, desde a prática do último crime até ao ano de 2014 - data em que o arguido começou a cumprir pena de prisão - não há registo de que o AA tenha praticado mais nenhum crime.

V - Pela leitura do facto provado nº 26 do acórdão recorrido, verifica-se que o arguido praticou os crimes por que foi condenado nesses dois anos porque, desde que foi viver para casa da avó, ainda muito jovem, passou a estar sob forte influência do tio materno, que o apresentou a indivíduos associados a práticas anti-sociais, pessoas essas que exerceram um forte ascendente sobre o AA e que o pressionaram inexoravelmente a copiar as práticas anti-jurídicas dessas pessoas.

VI - Todavia, como se pode concluir pela leitura dos factos provados nºs 28 a 32, desde 2011 e até à data em que foi preso (2014), o recorrente decidiu e consegui emendar a sua vida, afastando-se dos elementos de influência anti-social, deixando de praticar crimes e passando a pautar a sua conduta de todos os dias pelo direito e pelas regras ético-sociais vigentes.

VII - Assim, o recorrente, à data da reclusão - e já desde 2011 - vivia com a sua companheira e tomava conta, cuidava e educava das suas duas irmãs menores, numa moradia dotada de boas condições, provendo ao sustento do agregado com o dinheiro que auferia como mecânico de automóveis.

VIII - E foi precisamente a sua detenção em 2014, para cumprir pena de prisão pelos crimes que cometeu em 2009 e 2010, que veio interromper lamentavelmente sua vida de integração social e de responsabilidade familiar, em termos tais que, por efeito de tal prisão, muito sofreram também as suas irmãs menores, hoje com 13 e com 15 anos, na medida em que, tendo sido vedado ao recorrente poder continuar a educar e cuidar das meninas, tiveram as mesmas que ser institucionalizadas, com todos os dramas a isso associados.

IX - A acrescentar a isto, pode verificar-se, pela leitura dos factos provados nºs 33 e 34, que o recorrente tem um projecto de vida bem estruturado: ir viver para o Porto, junto dos seus ex-sogros, que actualmente já o visitam na cadeia e lhe dão apoio económico, e que lhe garantem um posto de trabalho na sua empresa de construção e serralharia.

X - Deseja igualmente o recorrente ir buscar as suas irmãs às instituições onde se encontram e cuidar do seu processo educativo - o que as meninas também ambicionam, dada a forma esmerada e meritória com que o recorrente sempre cuidou delas.

XI - Ora, o acórdão recorrido ignora toda esta factualidade e, em sede abonatória, apenas faz uma leve referência ao facto de, desde que está preso, o arguido ter adoptado bom comportamento e cumprir as regras institucionais, e ter frequentado cursos de formação profissional dinamizados pela NERSANT, integrando a oficina de trabalhos manuais e participado nas actividades.

XII - Também não andou bem o tribunal a quo quando refere, na pág. 29 do acórdão, que «do mais recentemente quadro apurado quanto às condições pessoais do arguido, brota uma inelutável contextualização num trajecto de vida consubstanciado num quadro complexo de quase exclusão social», pois tal afirmação é desmentida por factos que o acórdão deu como provados: que nos anos que antecederam a prisão do arguido, este estava integrado, vivia com uma companheira e educava e cuidava das suas irmãs menores, provendo ao sustento do lar como mecânico de automóveis.

XIII - Não se compreende igualmente que o tribunal recorrido diga que o arguido padece de «elevada impulsividade e défices de pensamento consequencial, com elevada tendência para agir de forma imatura e imediatista, centrada nos seus interesses e necessidades e alheia às consequências», pois tal conclusão é contrariada pelo facto provado nº 27, a págs. 20 do acórdão: «AA encara as condenações já sofridas pelo mesmo como consequência directa da sua conduta criminal, assumindo atitudes de responsabilização e sendo capaz de avaliar as consequências, para si e para as vítimas».

XIV - Pelo exposto, dúvidas não restam que as exigências de prevenção especial são muito reduzidas, porquanto o AA vem demonstrando ininterruptamente, desde 2011 até ao presente, que se ressocializou, que se emendou e que passou a conformar a sua conduta pelo respeito do direito e das regras sociais.

Nestes termos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por uma outra que aplique ao recorrente uma pena única muito próxima do mínimo da moldura concursal, e que seja inferior a seis anos de prisão.

Para que desta forma se aplique correctamente e se dê integral cumprimento ao artigo 77º, nº 1 do Código Penal, Fazendo-se assim a habitual Justiça».

Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido defendeu a improcedência do recurso.

Este foi admitido.

No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência parcial do recurso.

Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.

Não foi requerida a realização de audiência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação: Foram considerados provados os factos seguintes (transcrição): 1) No âmbito dos presentes autos, por sentença proferida em 22 de Janeiro de 2014 e transitada em julgado em 23 de Fevereiro de 2014, foi AA condenado pela prática, no dia 1 de Março de 2010, como autor material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.

2) No âmbito do processo judicial referido em 1) e com respeito ao crime que mereceu punição foram considerados provados os seguintes factos: “1. No período compreendido entre as 20 horas do dia 1 de Março de 2010 e as 10h30m do dia 2 de Março de 2010, o arguido acompanhado por indivíduos cujas identidades não foi possível apurar, dirigiu-se às instalações do estabelecimento de stand de automóveis designado “...”, sitas na Avenida ..., nesta cidade e comarca.

  1. Pertencentes à sociedade “... – Auto Lda.”.

  2. Da qual são gerentes e representantes legais VV, XX, YY e ZZ.

  3. Ali chegado, o arguido e seus acompanhantes, utilizando objecto cuja natureza e características não foi possível apurar, rebentaram dois cadeados que trancavam a única porta que dá acesso ao escritório das referidas instalações.

  4. No qual entraram.

  5. Do interior desse escritório, retiraram: a) um televisor LCD de marca Samsung, modelo LE32R81BX28N53G, no valor declarado de € 620,00; b) um computador marca Acer Aspire M1610, nº de série E2160 no valor declarado de € 379,00; c) um monitor de computador de 20 polegadas, marca TFT Asus, VW202S 20 no valor declarado de € 199,00; d) um “rato” de computador de marca e valor não apurados; e) uma máquina fotográfica digital, marca Casio Exilim, EX- Z850, nº de série 11038197 no valor declarado de € 450,00; f) um par de colunas de som marca Creative, de valor não indicado; g) duas chaves pertencentes a um veículo marca Audi A4, de matrícula ---; h) uma chave, com comando à distancia, pertencente a um veículo marca Opel, de matrícula---; i) uma chave, com comando à distancia, pertencente a um veículo marca Peugeot, de matrícula---; j) duas chaves pertencentes a um veículo marca Toyota Starlet de matrícula--- l) uma chave pertencente ao veículo marca Mitsubishi, modelo Pajero GLS, de matrícula ---, de cor azul, com o chassis nº JMB0NV260SJ001291; m) uma chave pertencente ao veículo marca Audi, modelo A3 (8L), de cor azul, com o chassis nº WAUZZZ8L82A030907.

  6. O arguido e seus acompanhantes abandonaram este escritório.

  7. Levando com eles os referidos objectos, que fizeram seus.

  8. Utilizando, para o efeito, as respectivas chaves que retirara do escritório, o arguido colocou em funcionamento, os seguintes veículos: a) ligeiro misto, marca Mitsubishi, modelo Pajero GLS, de matrícula ---, de cor azul, com o chassis nº JMB0NV260SJ001291; b) ligeiro de passageiros, marca Audi, modelo A3 (8L), de cor azul, com o chassis nº WAUZZZ8L82A030907.

  9. Os quais se encontravam no stand para venda, pelos preços base, respectivamente, € 11.000,00 e de € 7.000,00.

  10. E que eram pertença, respectivamente, de --- e de ---.

  11. Veículos estes, que o arguido e seus acompanhantes levaram com eles, integrando-os...

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