Acórdão nº 2547/13.0TAMTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Para julgamento em processo comum singular, o Ministério Público acusou AA da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº1 do Código Penal, em concurso aparente com os ilícitos de ordenação social previstos no art. 25º nº1 al. a) e nº 2, com referência aos arts. 34º e 60º nº 1 do Decreto regulamentar nº 22-A/98, de 1 de Outubro, e no art. 103º nºs 2 e 4 do Código da Estrada.

No mesmo processo, a lesada BB deduziu pedido de indemnização civil contra CC, Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 100,00€ por cada dia de atraso desde o dia 8.3.2013 por aplicação do artº 40°/2 do DL 291/2007 (multa "ope legis") pelo menos até à citação da Ré, como tem sido comummente aceite; da quantia de € 500,00 para compensar a ofendida da inutilização do seu computador portátil em consequência do acidente; da quantia diária de 2,00€/dia pela privação de uso de tal computador até efectivo ressarcimento, o que, desde o sinistro até à data da dedução do pedido cível contabilizou em € 618,00; da quantia de € 55,45 resultante de despesas hospitalares e medicamentosas, de certidão policial e de transportes, quantias por si despendidas devido ao presente sinistro; da quantia de € 7500,00 pela incapacidade temporária sofrida pela ofendida durante os tratamentos até à alta médica e ainda € 2500,00 de compensação a 3a pessoa; de quantia não inferior a € 27.440,00 pela incapacidade permanente geral (IPG) que a afecta devido aos danos corporais sofridos no acidente de viação, sem prejuízo de acerto de liquidação após exame pericial; de quantia não inferior a € 1.000,000 pelo dano de "medo de morrer" e ainda € 4.000,00 por todos os entraves, incómodos, dores e desgostos pelas limitações físicas e à vida social presentes e futuros e que o sinistro tem causado e causará à ofendida, jovem de 21 anos (danos não patrimoniais).

Também a Unidade Local de Saúde de ..., E.P.E., deduziu pedido de indemnização civil contra CC, Companhia de Seguros S.A. para ser ressarcida da quantia de € 108,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar o pedido até integral pagamento, em virtude da assistência médica prestada à sinistrada BB, por causa do acidente.

A demandada seguradora contestou, sustentando que o pedido deduzido pela demandante BB é manifestamente inadequado por excessivo, carecendo de suporte legal o montante pedido com base na aplicação do art. 40º nº 2 do Decreto-Lei nº 291/2007 e, bem assim, o pedido respeitante à certidão da ocorrência, por não constituir dano emergente do acidente. Quanto ao pedido deduzido pela Unidade Local de Saúde de ..., E.P.E, considerou que só deve ser responsável na medida da contribuição da condutora do veículo seguro para o acidente.

Realizado o julgamento pela Secção Criminal - J... da Instância Local da Maia - comarca do Porto, foi a arguida condenada pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art. 148º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 84 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a multa de € 420,00 e, bem assim, pela prática da contra-ordenação ao disposto no art. 103º nºs 2 e 4 do Código da Estrada, na coima de € 120,00.

Foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização formulado pela lesada, tendo a demandada seguradora sido condenada a pagar àquela a quantia de € 20.544,60, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação do pedido à demandada até integral pagamento.

Também a seguradora foi condenada a pagar à Unidade Local de Saúde de ..., E.P.E, a quantia de € 108,00, acrescida de juros até integral pagamento.

  1. Inconformados com a decisão da sentença, recorreram para o Tribunal da Relação do Porto, a demandante civil BB e a demandada seguradora. Por acórdão de 5 de Junho de 2015, a fls. 464-484, foi dado parcial provimento a ambos os recursos, tendo sido decidido: A) aditar ao elenco de factos provados o seguinte: "à data do acidente, a demandante BB tinha 21 anos de idade"; B) condenar a demandada "CC" a pagar à demandante a quantia de € 250,00 a título de indemnização pela privação do uso do computador inutilizado no acidente; C) manter a condenação da demandada a indemnizar a demandante pelo défice funcional permanente que lhe ficou como sequela das lesões sofridas no acidente, mas diminuir para € 7500,00 o montante da indemnização reparatória; D) manter a condenação da demandada a indemnizar a demandante por danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, mas aumentar o valor dessa indemnização para € 7 500,00; E) Em tudo o mais, confirmar a decisão recorrida.

    Irresignada, a demandante BB recorre agora ao Supremo Tribunal de Justiça, para o que apresentou a respectiva motivação, da qual extraiu as conclusões que se transcrevem: 1ª - Errou o Tribunal "a quo" ao interpretar e considerar que a Seguradora Demandada CC recusou tempestiva e validamente a sua responsabilidade no acidente e quando até classifique como de "louvável" a disponibilidade desta em "reapreciar" a responsabilidade na produção do acidente: 2a - Assim entendendo, olvidou todo o espírito e letra da epígrafe e do corpo do artº 40°/1 do DL 291/2007 de 21.8, que, sob a epígrafe "Resposta Fundamentada", dita que 1- "A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38° e 39° consubstancia-se numa resposta fundamentada".

    3a - Para quem entenda que uma Seguradora se possa escusar, sem qualquer fundamentação válida, então ... a conclusão a que o Acórdão recorrido chegou será correcta. Porém ... não foi isso o que o legislador quis e disse ao escrever tal artigo nem foi essa a intenção quando nos anteriores artigos se descreve, com pormenor, sobre qual o alcance e implicações de tal axial fundamentação e consequências da sua omissão.

    4a - Além da Demandada CC não ter justificado validamentea sua recusa de responsabilidade (sendo aliás inexistente a prova documental sobre tal facto), tal evidência ficou ainda demonstrada pela carta da Demandante de 13.3.2013 onde confessa não entender a razão da recusa de responsabilidade, ou seja, apontando que a recusa da CC não teve qualquer fundamento.

    5a - Não é assim inocente nem muito menos "louvável" (como qualificada pelo Acórdão "a quo") a "disponibilidade" da Seguradora CC para "averiguar melhor" a "prova" existente (quando, de verdade, nada tinha analisado) e para reconsiderar a sua decisão...

    apenas porque antes tinha inexplicavelmente recusado a sua responsabilidade não a fundamentando, muito menos devidamente. Não é também esse, cremos "um comportamento que mereça o beneplácito do Tribunal".

    6a - Julgar doutro modo, será subverter toda a lógica e sentido da criação da Lei pois que, aproximando-se do final do prazo legal de resposta, bastaria a uma qualquer Seguradora recusar (à cautela) a sua responsabilidade, ainda que não houvessem razões nem estivesse minimamente certa das razões de tal recusa, isto é, sem cuidar de fundamentar tal recusa.

    7a - Lembre-se a instabilidade e indecisão da CC da carta de 8.3.2013 onde confessa que "este acidente ocorre em circunstâncias algo estranhas" e ainda da carta de 18.3.2013 (doc. 4 PIC) onde a CC respondeu, esclarecedoramente, que iria continuar a avaliar novamente o caso, informando" que iremos providenciar pela obtenção das declarações destas testemunhas referidas. A previsão será de uma semana a 10 dias"(a talhe de foice ...

    inquirição que a CC nunca fez ... ) 8° - Tal instabilidade e indecisão, mascarada por uma "não inocente" disponibilidade para (apenas então) apreciar a prova ... não é uma atitude que se espera de uma Seguradora e não é, "seguramente", o comportamento imposto por Lei já que sobre ela impende um dever de pronúncia que não poderá deixar de se consubstanciar numa resposta inequívoca e devidamente fundamentada (40°/1) sobre a assunção ou não assunção de responsabilidade, 9° - In casu, atenta a alta médica de 21.1.2013, deveria a CC ter respondido em 45 dias, isto é, até 7.3.2013. Não o fazendo, incorre no pagamento automático (ope legis) de 100€,/dia de atraso (40°/2 DL 291/2007) e no pagamento de juros legais em dobro.

    Tal sanção deve contabilizar-se, pelo menos, até à contestação da CC de 19.12.2013, isto é pelos 286 dias decorridos.

    10a - A consequência prevista no artº 40°/2 DL 291/2007 (tal como jurisprudência assente) não é restrita e condicionada à resolução extrajudicial do sinistro, ainda que o DL em causa tenha sido criado com tal intuito. A previsão especial do artº 40°/2 refere que a companhia se “constitui devedora", isto é, tal sanção opera “ope legis", de forma direta e automática. Julgar doutra forma, seria considerar tal norma como "lex imperfecta" ou de nenhuma consequência o que é inaceitável e frontalmente deturpador do espírito da criação da norma.

    11ª - Errou ainda o Tribunal “a quo" ao desconsiderar os argumentos expendidos pela Demandante quanto à real fixação do dano permanente futuro (incapacidade permanente) em 2% e não em 5%: Lamenta a Demandante que o Acórdão recorrido, não tenha utilizado as conclusões do relatório médico da Dr" DD como complemento das conclusões do relatório do IML, considerando que este concluiu (presumiu) pela cura da lesão no "hallux" ... apenas porque não tinha elementos, mas também não os procurando, não realizando os exames pedidos pela Demandante que pudessem confirmar ou infirmar tal (inexistente) cura ...

    12a - Errou ainda o Tribunal “a quo" ao baixar (em vez de elevar) o quantuum indemnizatório pelo dano permanente futuro na sequência de recurso da Demandada CC, reduzindo-o de 15.000,00€ (como decidido na 1ª instância) para apenas 7.500,00€ (metade), sobretudo quando refere que "muito dificilmente se encontrará casos com grandes semelhanças entre si ( ... ) apontando como referência apenas o Ac. do STJ de 27.11.2008, mas ignorando...

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